Estado de emergência: crónica de um vírus não anunciado
Enquanto parte da indústria enfrenta o fecho de portas e arrisca a não sobrevivência, devido ao Estado de Emergência provocado pelo surto do Covid-19, os setores de retalho, logística e […]
Hipersuper
Diogo Costa: “Estamos sempre atentos às necessidades e preferências dos nossos consumidores”
Staples une-se à EDP e dá passo importante na descarbonização de toda a sua cadeia de valor
CTT prepara peak season com reforço da capacidade da operação
Já são conhecidos os três projetos vencedores do Prémio TransforMAR
Campolide recebe a terceira loja My Auchan Saúde e Bem-Estar
Montiqueijo renova Selo da Igualdade Salarial
Sensodyne com novidades nos seus dentífricos mais populares
Salutem lança Mini Tortitas com dois novos sabores
LIGARTE by Casa Ermelinda Freitas chega às prateleiras da Auchan para promover inclusão social
Portugal não tem falta de água, não está é a saber geri-la como deve ser
Enquanto parte da indústria enfrenta o fecho de portas e arrisca a não sobrevivência, devido ao Estado de Emergência provocado pelo surto do Covid-19, os setores de retalho, logística e agroalimentar estão sem mãos a medir no meio desta crise.
Ana Catarina Monteiro e Filipe Pacheco
Antes de o governo impor que os centros comerciais e o comércio a retalho não poderão ter “uma ocupação simultânea superior a quatro pessoas por cada 100 metros”, supermercados de todas as cadeias da grande distribuição foram invadidos por uma espécie de pânico de abastecimento por parte dos portugueses. As prateleiras de leite, enlatados, conservas, álcool e até papel higiénico estavam vazias ao final do dia.
Durante a noite, no entanto, os colaboradores das cadeias de retalho alimentar conseguiram repor os produtos em loja. “Trata-se de um comportamento de crise. E esse comportamento é muito atípico. Não acho que seja muito relevante, uma vez que não vai sair daqui um novo paradigma”, afirma Pedro Pimentel, diretor-geral da Centromarca, ao Hipersuper.
A Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), depois de, a 10 de março, emitir um comunicado a afirmar ter havido “um ligeiro aumento da procura de produtos”, referiu, no dia seguinte, estar a assistir a “um maior afluxo repentino e a um aumento da procura em alguns produtos”.
A APED apelou ainda à adaptação da logística à situação, “para que a reposição se faça rapidamente de modo a satisfazer as necessidades dos consumidores”.
A Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA) garante que o mercado está a ser abastecido, dentro das dificuldades que a situação de pandemia está a provocar. “O abastecimento dos produtos alimentares essenciais está a responder às necessidades dos clientes, quer no canal Horeca, quer na grande distribuição”, garante Jorge Henriques, presidente da FIPA, ao Hipersuper. O responsável acrescenta que o “mercado está a dar resposta aos clientes e ao consumidor final, mesmo tendo em conta a corrida inusitada aos supermercados”.
No caso de matérias-primas em que Portugal não é autossuficiente, e tem de recorrer a importações, como os cereais, a indústria está a conseguir abastecimento. “Mesmo neste caso, temos estado a dar resposta”, diz Jorge Henriques. “A indústria está a reforçar o stock de matérias-primas e a reforçar até ao limite das capacidades logísticas o stock de produtos acabados”, acrescenta.
Agravamento da situação económica abrandará o consumo
A situação provocada pela pandemia de Covid-19 terá, certamente, implicações a médio e longo prazo. “Uma delas tem a ver com o impacto económico, que vai ser muito forte. Terá impacto nos postos de trabalho, o que vai ter um impacto profundo no consumo”, assegura Pedro Pimentel.
A crise atual poderá ter ainda impacto no negócio online. Estando as pessoas em confinamento, a situação de emergência poderá ser o “gatilho” para a implementação do comércio online em mais cadeias de distribuição. “Há pessoas que têm reservas em relação à compra online. Muitas delas estão habituadas a ir à loja física, pois há um grande número de lojas. Com uma situação destas acabarão por se habituar à compra online”, sustenta o diretor da Centromarca. “Se a situação continuar assim, as empresas vão começar a implementar a compra online”, acrescenta.
O futuro, diz o responsável, será ainda marcado pela frugalidade. “Vai haver uma separação entre bens essenciais e outros menos essenciais. Quem vender bens essenciais, vai estar na linha da frente”, explica Pedro Pimentel.
Comportamento dos consumidores está a mudar
O coronavírus foi pela primeira vez detetado em dezembro, na China, e mesmo antes chegar a Portugal, entre janeiro e fevereiro, já se começava a sentir uma mudança nos hábitos de compra dos portugueses.
Segundo dados da Kantar Worldpanel, nos dois primeiros meses do ano regista-se um aumento de 11% dos gastos por compra e os portugueses passaram a ir menos um dia aos supermercados face ao período homólogo do ano transato. Um padrão “completamente diferente daquele que fez o FMCG atingir elevados níveis de crescimento em 2019, onde tivemos um comprador presente nas lojas, como não se registava há vários anos”, revela o relatório lançado a 17 de março pela consultora dedicada à área do grande consumo.
As categorias de alimentação e bebidas surgiram como as top prioridades dos portugueses, com um aumento de 10% do gasto por ato de compra, apenas nos primeiros dois meses do ano. Além dos produtos de conveniência, como os enlatados e congelados, foram também priorizadas categoria essenciais de elevada rotação no ponto de venda, como o peixe, a carne e os ovos. Seguem-se os produtos de limpeza caseira (+7%) e de “tissues” – lenços, rolos de papel higiénico e de cozinha, entre outros (+8%). Já na área de higiene pessoal, além de um crescimento homólogo de 3%, “registaram-se alterações importantes no sortido comprado”, explica a consultora no relatório. Os sabonetes, tanto líquido como sólido, gel de banho e toalhitas, substituíram os hidratantes corporais, amaciadores e modeladores de cabelo, enquanto produtos determinantes na higienização.
A situação agravou-se neste mês de março. Enquanto parte da indústria enfrenta o fecho de portas e arrisca a não sobrevivência, os setores de retalho, logística e agroalimentar estão sem mãos a medir no meio desta crise. Estas atividades tiveram de responder a uma corrida aos supermercados que esvaziou as prateleiras das lojas um pouco por todo o País, e obrigou a acelerar o reposicionamento. Além disso, no comércio online regista-se uma procura sem precedentes.
Procura no comércio online dispara
Ainda em fevereiro, o comércio online em Portugal registou o “maior nível de gasto por compra dos últimos 12 meses”, destaca a Kantar Worldpanel. “Para perceber melhor as rápidas alterações neste canal, em comparação direta com o mês de janeiro de 2020, os portugueses começaram a gastar em média mais 19% por cesta e aumentaram o número de categorias compradas, de dez para treze”, lê-se no relatório.
Quando foi declarado o Estado de Emergência, a 18 de março, já tinha sido criado um Grupo de Trabalho para Acompanhamento e Avaliação das Condições de Abastecimento de Bens nos Setores Agroalimentar e do Retalho. Este grupo terá de apresentar medidas preventivas nas próximas semanas.
À saída da primeira reunião do grupo, o secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor, João Torres, explicava que, apesar dos atrasos na reposição e entregas de encomendas, as cadeias de abastecimento não estão em causa. Na reunião, realizada a 12 de março e em que foram definidas as medidas de segurança para os estabelecimentos comerciais, como limitação do número de pessoas em loja, o responsável apurou, junto das empresas, que “o comércio eletrónico tem subido consideravelmente nos últimos dias”. Neste sentido, as empresas têm vindo a alargar prazos para as entregas.
“As cadeias não estavam preparadas para este súbito aumento das compras online”, explica José Rousseau, consultor na área do retalho, em declarações ao Hipersuper. Ainda assim, quando esta situação de entropia for ultrapassada “o nível da procura do e-commerce deve aumentar em Portugal”. A experiência obtida nesta altura no que diz respeito à gestão do canal online beneficiará os retalhistas em termos de “know how”, antecipa o responsável, ressalvando, no entanto, que “neste momento ainda não há grandes lições que os distribuidores possam tirar”.
Quanto ao aumento da procura nos espaços físicos, o analista concorda, sem hesitar, que “as cadeias de abastecimento estão preparadas”, lembrando que atualmente o reposicionamento das lojas é feito de modo “automático e diariamente, em função das vendas do dia anterior”. “Em alguns casos, as reposições são até bidiárias”, complementa.
“Esta situação seria mais grave se ocorresse há um tempo atrás, quando as cadeias de abastecimento estavam apenas preparadas para reposições a cada dois dias ou mais espaçadas ainda”, lembra José Rousseau.
Crédito de três mil milhões para empresas
A sobrecarga dos setores afetos à cadeia de abastecimento do grande consumo contrasta com as restantes atividades económicas. No momento em que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, declarou Estado de Emergência, a 18 de março, já muitas empresas, incluindo cadeias de retalho não alimentar, tinham encerrado por tempo indefinido.
Neste sentido, são já perto de 9.200 milhões de euros os incentivos anunciados pelo Governo para mitigar os efeitos da atual crise de saúde pública devido ao surto do Covid-19. Medidas que, segundo o ministro das Finanças, Mário Centeno, representam um esforço do “aumento da liquidez de 17% do PIB trimestral”.
Da verba total, três mil milhões de euros representam um apoio à liquidez das empresas. O montante, anunciado no mesmo dia da declaração de emergência, será injetado através de linhas de crédito, tendo em conta sobretudo as pequenas e médias empresas, por serem as que estão mais expostas a prejuízos irrecuperáveis.
Além disso, a maior fatia desta verba destina-se às indústrias têxtil, de vestuário, calçado, extrativas (rochas ornamentais) e da fileira da madeira e cortiça. Estas receberão um total de 1.300 milhões de euros, dos quais 400 milhões de euros aplicam-se concretamente a micro e pequenas empresas destas áreas.
O restante valor será distribuído pelas áreas de restauração e similares e turismo, sendo que estes três mil milhões de euros acrescem à linha de crédito, criada uma semana antes, no montante de 200 milhões de euros, para apoiar as empresas em geral. Ainda na semana passada, o grupo Ibersol comunicou à CMVM ser grande a probabilidade de a empresa vir a encerrar um grande número de lojas das insígnias que representa em Portugal, como a Pizza Hut e o Burger King.
A Associação Empresarial de Portugal (AEP) já veio afirmar que considera as medidas “insuficientes”. Num comunicado emitido no dia 18 de março, a associação explica que o pacote de medidas, o valor de 9,2 mil milhões de euros, “equivale a menos de 5% do PIB anual português, muito longe do anunciado pela nossa vizinha Espanha, que ultrapassa os 16% do PIB anual espanhol”. Realça ainda que “a magnitude do conjunto destas medidas está ainda muito longe de alcançar as reais necessidades do nosso tecido empresarial, por forma a minimizar a profundidade da recessão da atividade económica, já sentida como certa”.