Especial. Um ano difícil para o setor dos laticínios
2015 revelou-se um ano duro para o setor do leite e seus derivados com as decisões legislativas da União Europeia. Os produtores estão contra o fim das quotas leiteiras, em vigor desde abril, altura em que se agudizaram protestos pela Europa fora
Ana Catarina Monteiro
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2015 revelou-se um ano duro para o setor do leite e seus derivados com as decisões legislativas da União Europeia. Os produtores estão contra o fim das quotas leiteiras, em vigor desde abril, altura em que se agudizaram protestos pela Europa fora.
O cenário é especialmente grave para os produtores portugueses. Queixam-se que a decisão de acabar com as quotas veio intensificar a falta de rendimento. Os fornecedores de leite no País trabalham “há cinco anos com uma média de preço inferior à média europeia”, segundo a APROLEP (Associação dos Produtores de Leite em Portugal).
As caraterísticas climáticas no centro e norte da Europa são mais favoráveis à produção de leite e, ao longo dos últimos 30 anos, a lei das quotas leiteiras não deixou que o mercado português fosse invadido pelos excedentes de produção, com preços mais competitivos, de outros países. De acordo com os dados da associação portuguesa, em maio deste ano, o preço médio do leite ao produtor encontrava-se nos “28,3 cêntimos por quilo, longe dos 35 cêntimos que pode atingir o custo de produção”. Isto, depois de já no último ano o preço do leite ao produtor ter baixado 25%.
A associação acusa a Comissão Europeia de ter “falhado” nas perspetivas “otimistas” para o mercado mundial de produtos láteos, esperando um “aumento do consumo nos mercados emergentes” nos próximos dez anos. No entanto, o cenário piorou devido aos imprevistos do embargo russo – resultado das penalizações impostas pelos países europeus à intervenção da Rússia na Ucrânia -, a redução de compras da China e a queda do consumo na Europa.
Tanto os europeus como os portugueses estão a cortar no consumo de leite, sendo que a indústria nacional enfrenta ainda “dificuldades na exportação para mercado tradicionais, como Espanha e Angola”, dada a maior concorrência. Como consequência, “largas dezenas de produtores estão com um preço médio de “23 cêntimos por litro de leite” produzido no País. “Muitos estão desesperados com falta de liquidez, aumentaram o abate de animais e registar-se-á certamente o racionamento alimentar em muitas vacarias. Perspetiva-se o abandono da atividade para muitos produtores e o aumento do endividamento para os poucos que resistam”, alerta a organização das empresas ligadas ao leite.
Marcas brancas importam leite mais barato
Cerca de “1 800 000 toneladas de leite são produzidas em Portugal por ano”. Em 2013, o País registou um “auto-aprovisionamento de 94% em leite e produtos lácteos”, atingindo quase a autossuficiência. No caso do leite para consumo, a indústria nacional produz 108% das necessidades, refere em entrevista ao HIPERSUPER Carlos Neves, presidente da APROLEP. No entanto, há um défice anual de “200 milhões de euros” em produtos lácteos.
O que se deve muito, aponta, à “importação de leite para marcas brancas, queijo e iogurtes”, quando “há produção de qualidade reconhecida” em território luso. Inclusivamente, uma das soluções propostas pelos fornecedores de leite e laticínios passa por um acordo entre a produção e a distribuição nacionais, no sentido de proteger o que no País se produz.
Do lado da distribuição, as marcas brancas são as que estão a perder mais vendas com a queda do consumo de produtos láteos. A APED (Associação Portuguesa das Empresas da Distribuição) defende a elaboração de um plano nacional para salvar o setor do leite, que em 2013 “representou 11,3% da produção agrícola nacional”.
Queijos são única categoria a crescer
Portugal necessita de reduzir a importação de laticínios, inovando na transformação do leite. De acordo com a APED, “nos últimos anos assistiu-se a um reforço e modernização das explorações e unidades industriais”. Apesar disso, os queijos são a única categoria de láteos (leite, queijos, manteiga, natas, iogurtes) em crescimento este ano.
No geral, “o mercado dos laticínios tem apresentado uma tendência de decréscimo em 2015, apresentando um decréscimo de 3% em valor até à semana 40 de 2015, face a igual período de 2014”, explica Paula Gomes, diretora de Marketing da Bel Portugal, citando dados da consultora Nielsen. Aquela empresa lidera o mercado de queijos através das marcas Limiano e Terra Nostra – as mais compradas pelos consumidores portugueses.
Segundo os dados da consultora Nielsen, as vendas totais de queijo em Portugal cresceram 2% em volume e 1% em valor, para os 442,1 milhões de euros, até à semana de 28 de setembro de 2015, comparando com igual período do último ano.
O leite regista os piores resultados. A categoria cai 11% em valor para os 299,4 milhões de euros, sendo que as marcas próprias perderam 25% das vendas e as marcas de fabricante caíram 2%, no mesmo período.
Setor com altas taxas de penetração
“A categoria de laticínios – leite, queijo, iogurte, manteiga e natas – é uma das maiores do setor alimentar, com taxas de penetração elevadas nos lares nacionais”. A categoria de iogurte detém a maior taxa de penetração entre todas – 97% dos lares, com a Danone a Nestlé a dominarem as vendas em Portugal. Segue-se a de queijo, que chega a 96% das famílias portuguesas, e a de leite com uma penetração de 92%.
No que diz respeito à categoria de queijos, apesar de o resultado total ser positivo, as marcas próprias perdem 6% em vendas, enquanto as marcas de fabricante sobem 2% detendo 68% das vendas de queijos. “O flamengo é o segmento mais importante dentro da categoria, com um crescimento alinhado com o total do queijo (1% em valor)”, sublinha a responsável. Destaca também a dinâmica dos fatiados, que cresceram 9% em volume face período homólogo, “ajudando à expansão de toda a categoria”, que reúne o “maior potencial de crescimento” entre os laticínios, considera a diretora de marketing da BEL.
“O ano 2015 indica sinais de melhoria nos níveis de confiança do consumidor, demonstrando aumento do consumo fora do lar (especialmente em áreas como entretenimento, roupa ou férias). Os bens de grande consumo apresentam também uma tendência de crescimento em 2015 (+1.5% em valor até à semana de 28 de setembro face a 2014)”. A responsável admite que, no entanto, esta dinâmica não se aplica aos laticínios.
Preocupação com a nutrição e o bem-estar
“Uma das principais tendências e a mais transversal aos vários mercados da categoria de laticínios é a crescente preocupação com a nutrição e o bem-estar. Hoje, temos consumidores cada vez mais informados e preocupados com a sua saúde – alimentação e estilo de vida saudáveis. Assistimos a uma maior preocupação com a nutrição, onde é crescente a procura de produtos com menos gordura e menos sal. Existe a tendência de consumir o que é natural e original – sem corantes, conservantes ou outros artifícios. Também sentimos uma crescente valorização do prazer, e a procura do consumidor por soluções saborosas e nutritivas”, dá conta a diretora da Bel.
Assim, as grandes oportunidades para o setor dos laticínios estão, “claramente, nos produtos benéficos para a saúde, nos que satisfazem a indulgência e ainda nos que vão ao encontro de novos estilos de vida, que exigem uma abordagem renovada quando chega a hora de pensar novos produtos”, reforça Cristina Amaro, diretora comercial da Tété. Em entrevista ao HIPERSUPER, explica que a inovação em termos de novos produtos na indústria portuguesa está virada para “a aposta em produtos de valor acrescentado, nomeadamente, nas gamas gourmet”.
As natas e manteigas, produtos considerados menos saudáveis devido ao excesso de gordura, compõem as categorias que apresentam os índices de penetração mais baixos – a manteiga de 67% e a natas de 77%.
A categoria de manteiga caiu, em termos homólogos, 2% em valor para os 60,7 milhões de euros até final de setembro de 2015. As marcas da distribuição perderam 7% em vendas, enquanto as de fabricante apresentam uma variação de 0%, em termos homólogos. Já as natas assistem a um decréscimo de 1% em valor para os 32,1 milhões de euros, até final de setembro, com a Mimosa e a Parmalat a liderarem este segmento em valor.
A empresa nacional de queijos fresco e curado, requeijão e manteiga Tété “assistiu, este ano, a uma subida acentuada nas vendas de queijo de cabra, sem que, felizmente, isso tenha tirado vendas à gama de maior expressão, feita a partir de leite de vaca. Esta tendência, pensamos, deve-se à crescente preferência do consumidor comum por produtos láteos feitos a partir de leites de outros animais e até de bebidas sucedâneas”, denota a responsável da produtora.
Baixo custo impede redução de vendas
Apesar disso, a fornecedora não nota que tenha sido riscada da lista de compras habituais dos portugueses. “Como produzimos e comercializamos produtos com um baixo custo unitário, e bem enraizados nos hábitos dos nossos consumidores, tivemos a sorte de não registar grandes alterações, causadas pela crise económica. Dito isto, houve um ligeiro aumento nas vendas de requeijão em detrimento das vendas de queijo fresco”.
As várias produtoras contactadas pelo HIPERSUPER, direcionadas sobretudo para o setor dos queijos, não foram afetadas pela redução de consumo. Aumentaram vendas devido, segundo as mesmas, ao baixo custo dos produtos e à inovação apresentada ao longo do ano, em novos produtos. Destacam também a aposta no ‘design’ das embalagens.
“Na área de negócio da Montiqueijo, não se notou quebra de consumo, provavelmente por se tratarem de artigos de baixo custo e apreciados pelo consumidor. Todas as nossas áreas de negócio (queijo fresco, requeijão e queijo curado) registaram uma boa dinâmica. Pensamos que se deve ao facto de criarmos novas referências, de conseguirmos captar novos clientes e apostarmos em novos mercados”, explica Dina Duarte, diretora-geral da “empresa de fileira”. A Montiqueijo produz a matéria-prima utilizada na confeção dos próprios queijos. “É uma estrutura com alguns custos mas que tem resultados positivos no desempenho da nossa atividade. Permite-nos ter controlo absoluto, desde a matéria-prima até ao produto final”.
Um caso diferente é o da Queijos Santiago, que em maio deste ano passou a garantir “um preço mínimo aos seus fornecedores de leite, utiliza produto 100% português, e presta apoio à produção nacional”. O diretor comercial da produtora, Nuno Torgal, explica que este ano “houve uma grande deflação de preços e uma pressão muito grande a nível promocional” mas, no entanto, a empresa também “não sentiu nenhum corte nas compras dos consumidores, pois trata-se de uma gama básica na lista de compras”. A Queijos Santiago está “a crescer mais de 5% em vendas face ao ano anterior”.
“O setor dos queijos onde nos encontramos, foi bastante dinâmico em promoções e inovador na oferta para o consumidor. Os fabricantes para fugirem um pouco a tendência da ‘fobia’ da promoção, tiveram que ser inovadores quer ao nível do sabor quer ao nível da embalagem”, observa Nuno Torgal.
“Costuma dizer-se que a necessidade aguça o engenho. As alturas de crise têm-se demonstrado uma oportunidade para as marcas mostrarem a sua capacidade de acrescentar valor às suas categorias, aumentando o seu consumo e relevância no cabaz de compras”, atira a diretora de marketing da Bel.
“A notória exigência do consumidor em termos de ‘smart packaging’ que, por um lado, responda a necessidades de funcionalidade, necessários a uma vida muito ativa, com “portability”, mas por outro lado seja responsável minimizando o seu impacto no planeta é outra tendência que não podemos deixar de ter em conta”.
Através da Limiano, a produtora lançou “em janeiro de 2015, após auscultar o consumidor”, o novo formato de queijo ralado, que “marca a entrada em um novo segmento de mercado. Para este novo produto, a empresa aposta na diferenciação através da praticidade de uma inovadora embalagem dupla, que adequando-se aos hábitos de consumo, deverá reduzir o desperdício e aumentar a frescura do produto quando consumido”. Em agosto de 2015, “acrescenta à gama Limiano Segredo do Pastor uma versão com menos gordura, procurando responder às preocupações dos consumidores, sem abdicar do prazer, no segmento de queijo de mesa”.
Aquela gama teve início em janeiro de 2014, vindo “responder às preocupações do consumidor com o desperdício e à exigência de maior praticidade. O Segredo do Pastor é o primeiro e até agora único queijo de mesa, amanteigado sem casca, graças a uma cura especial, que permite que se consuma todo, sem qualquer desperdício. Esta gama de produtos, além de uma textura amanteigada, tem um sabor suave, uma vez que a receita não inclui apenas leite de vaca, mas também leite de ovelha”. Quanto a outras marcas, Paula Gomes destaca os formatos de ‘snacking’ Mini Babybel e Vaca que ri Palitos, que estão “cada vez mais presentes nos lanches das crianças”. “Este ano estamos a promover formatos maiores – no Mini Babybel, a rede com 12 unidades e, nos Palitos, a embalagem com quatro unidades. Ambos os queijos são opções práticas e nutritivas para os lanches das crianças”.
Também as inovações introduzidas no mercado este ano pela Queijos Santiago deram-se “muito ao nível do sabor e formatos de embalagens mais enquadrados no agregado familiar”. Na Tété, as inovações têm-se feito a “dois níveis diferentes, mas complementares”. “Por um lado, estabelecemos parcerias com algumas universidades para desenvolver um produto novo e inovador, que será apresentado no início de 2016. Por outro, temos apostado fortemente no nosso ‘branding’.
Ano zero na internacionalização
Por sua vez, na Montiqueijo, a inovação passou pela “criação de referências com especiarias e tomate-manjericão e estão também em desenvolvimento novos formatos”. A diretora-geral da empresa “não tem dúvida que a grande oportunidade do setor passa pela internacionalização”.
As empresas estão a apostar na internacionalização, como estratégia para superar as novas condições do mercado. Para a Queijos Santiago, 2015 foi “o ano zero na aposta forte em exportação”, preparando-se para entrar “em vários países – Espanha, França, Marrocos, EUA e Médio Oriente”.
A Montiqueijo começou a dar os primeiros passos na exportação “há relativamente pouco tempo”. Exporta para o mercado europeu e este ano dá os primeiros passos na Ásia, mercado que “parece ter muito potencial. Além disso, o mercado da saudade faz parte de uma evolução lógica do crescimento do negócio”. Para a produtora “de fileira”, 2016 será “um ano difícil em termos de aumento da quota de mercado”.
No volume de negócios da Tété, a exportar também “há pouco tempo”, o peso da exportação “é ainda de apenas cerca de 5%, somando-se neste valor as relações que mantem com parceiros na Bélgica, em Espanha, em França, em Moçambique e, mais recentemente, nos Estados Unidos”. O mesmo valor regista a Bel Portugal, cuja exportação representa “cerca de 5% nas vendas, sendo Angola e França os principais destinos”.
A indústria está focada, desta forma, na internacionalização e na consolidação de mercado, com aposta em inovação dos produtos. Ainda assim, os fornecedores continuam com margens injustas, enquanto persistem as promoções ao consumidor.