Jorge Henriques, presidente da FIPA: “Indústria poderá tornar-se exportadora líquida em 2020”
Maioria dos empresários portugueses do setor agroalimentar perspetiva que metade da sua produção será destinada à exportação em cinco anos, segundo um estudo realizado pela consultora Deloitte para a FIPA
Rita Gonçalves
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Entrevista a Jorge Henriques, Presidente da Federação das Indústrias Portuguesas Agroalimentares
A valorização da agricultura nacional como fonte de abastecimento de matéria-prima à indústria agroalimentar, a previsibilidade fiscal e adequar os programas de apoio à competitividade e à investigação, são algumas prioridades da federação para os próximos quatro anos.
Que balanço faz da evolução da indústria agroalimentar portuguesa no último ano?
Estamos a sair de uma crise profunda, talvez uma das maiores das últimas quatro décadas em Portugal, para não recuar mais, que trouxe à economia, à vida dos portugueses e também à indústria agroalimentar muitas dificuldades e problemas. Por um lado, fez diminuir de forma geral o consumo e a atividade das empresas. Por outro, também permitiu lançar novos desafios. Talvez o principal, que não é propriamente novo, seja o aumento das exportações desta indústria.
Este é o maior setor da indústria transformadora nacional. Fatura 14,6 mil milhões de euros. E tem dado contributos importantes quer na questão do valor acrescentado mas sobretudo na substituição de importações por exportações e no equilíbrio da balança comercial.
Se olharmos para os números dos últimos anos, o setor cresce mais de 9% cumulativamente. E, nos últimos dois anos, incluindo 2015, conhecemos os dados até final de agosto, as exportações continuam a crescer não obstante as dificuldades em algumas geografias.
Quais geografias?
As geografias que fazem parte da zona euro, onde a crise se aprofundou, concretamente Espanha, mas também outras que têm vindo a colocar novos desafios e dificuldades, como Angola e o Brasil. Não obstante, no ano passado as exportações desta indústria cresceram 4,12%, e este ano, até ao final de agosto, cresceram 3,2%.
O que significa que, perante as dificuldades do mercado interno, a indústria agroalimentar conseguiu continuar a canalizar para o exterior muita da sua atividade.
Estamos em crer que este caminho vai continuar a desenvolver-se, se continuarmos a ter políticas económicas e sobretudo de previsibilidade fiscal alinhadas com aquilo que são os interesses das empresas.
Os empresários sentem a recuperação da atividade económica?
Já este ano, segundo dados que vamos recebendo, há efetivamente algumas perspetivas positivas relativamente àquilo que pode ser o relançamento, mais do que o fomento industrial que temos vindo a falar, da atividade económica e desta indústria, em particular. Ou pelo menos um maior poder de compra por parte dos consumidores de uma forma geral, que resulta das condições climatéricas e do aumento do turismo. Não obstante os problemas que subsistem em algumas das áreas, são dados interessantes, sobretudo se se observar o caminho do rigor, a definição de metas e objetivos, mas sobretudo o estabelecimento de um desígnio nacional, que é atualmente o aumento das exportações nacionais.
No entanto, este trabalho tem de ser feito sem perder de vista o mercado interno, para que um conjunto muito vasto de empresas que se constituíram para o fornecimento do mercado interno possam continuar a desenvolver a sua atividade e criar emprego.
Algum emprego naturalmente se terá degradado durante este período complicado, mas este setor foi provavelmente o que menos contribuiu para o desemprego nacional em Portugal.
A que se deve essa menor contribuição?
Por que a indústria agroalimentar e de bebidas, de forma geral, ao longo das duas últimas décadas tem vindo a restruturar-se. Para melhorar os seus ativos industriais e também a sua gestão global de forma a adaptar as empresas àquilo que são as exigências europeias e, por outro lado, para enfrentar o mercado global.
Costumo dizer que se todos em Portugal tivéssemos feito o trabalho que esta indústria fez nas duas últimas décadas provavelmente hoje estaríamos numa situação mais confortável.
Este trabalho atenuou em larga medida os impactos da ‘tempestade’ que aconteceu quase num só golpe. Por um lado, o agravamento da crise e, por outro, o aumento de impostos em algumas das áreas, nomeadamente em sede de IVA que, em alguns produtos, passou da taxa reduzida para a máxima e trouxe muitas dificuldades às empresas e aos consumidores.
De forma global, diria que o saldo é positivo no sentido em que a indústria teve capacidade para fazer frente a estes grandes problemas e procurou no quadro externo contrabalançar algumas das dificuldades da economia portuguesa.
No memorando estratégico que apresentaram para os próximos quatro anos, lê-se que a indústria agroalimentar portuguesa poderá tornar-se exportadora líquida em 2020. Em que pé estamos hoje e como podemos lá chegar?
Esses dados surgem em resultado de um estudo que fizemos em parceria com a consultora Deloitte. Procuramos fazer uma radiografia ao setor com as principais indústrias nacionais e os seus responsáveis e perspetivar o que poderá ser o futuro deste setor. É necessário que tudo se jogue de forma perfeita, sem derivas ou convulsões internas, para que se possa realizar esse quadro que prevemos.
A maior parte dos empresários escutados tem a perspetiva que 50% da sua produção será destinada à exportação em 2020. Por outro lado, se continuarmos a consolidar as exportações à média dos últimos anos, certamente que esta indústria se poderá transformar em exportadora líquida. Mas repito que, para essa perspetiva se confirmar, temos de aplicar às empresas um conjunto de pressupostos enunciados no memorando que temos vindo a entregar aos partidos políticos e são as prioridades estratégicas desta indústria para os próximos quatro anos.
Quais as principais prioridades?
Um dos aspetos importantes é a questão da adequação da política fiscal à competitividade. Não podemos continuar, como aconteceu há uns anos, numa imprevisibilidade fiscal que retira às empresas competitividade, afasta o investimento interno e o estrangeiro, porque temos indústrias multinacionais que produzem localmente.
É preciso previsibilidade em matéria de IRC, alvo de uma reforma com a qual se comprometeram não só os setores industriais mas também as forças políticas que têm governado Portugal nos últimos anos. E isso não pode ser abandonado sob circunstância alguma. Têm de ser respeitados os acordos e decisões tomados nesta matéria e também não podemos continuar naquela senda de lançamento de impostos especiais para isto ou aquilo.
Está a referir-se por exemplo à intenção de taxar produtos com elevado teor de açúcar?
Refiro-me a todos os impostos especiais ao consumo que, em nome de alguns pensamentos que não sabemos de onde vêm e não são assentes em evidências científicas, tendem a lançar a confusão sobre aquilo que queremos que seja claro.
Nessa perspetiva de sermos exportadores líquidos, é necessário que todos os instrumentos de suporte à promoção externa e à internacionalização se venham a verificar num quadro, sobretudo neste horizonte 2020, que permita com rigor e avaliando os resultados colocar estes instrumentos ao serviço das empresas e das marcas.
Por que em primeira e última instância quem promove esse crescimento são as empresas e as marcas. É preciso dar dimensão às empresas, promovendo a sua recapitalização. Hoje diz-se que as empresas não estão suficientemente capitalizadas, então, é preciso aproveitar estes enquadramentos para as recapitalizar. E por que não estão? É preciso ver o cenário que conduziu em muitas circunstâncias à delapidação dos seus capitais. As empresas foram obrigadas a recorrer aos seus fundos próprios, a apoiar os seus clientes em cascata, na ausência de financiamento, não só da banca mas de uma forma global, na ausência total de seguros de crédito à exportação. Esse esforço foi feito para que as empresas pudessem continuar a sua atividade e dar crédito umas às outras.
É preciso aproveitar todos os instrumentos quer neste quadro comunitário que já aí está quer os de diplomacia económica que, apesar de insuficientes, são extremamente importantes. Canalizar estes e os demais instrumentos que o Estado deve por à disposição das empresas para o objetivo comum que é transformar os setores com maior capacidade em exportadores líquidos. O setor tem alguns exemplos, como as conservas, o concentrado de tomate, as bebidas e o vinho. Com a qualidade dos nossos produtos e da gestão empresarial iremos nesse horizonte atingir esse objetivo.
As empresas ainda estão a braços com muitas dificuldades de financiamento ou sentem melhorias?
Estas dificuldades têm vindo a atenuar-se de forma progressiva no que respeita ao custo e à existência desse financiamento. Mas não é suficiente, não basta apregoar que há financiamento e com um custo mais baixo, é preciso a conjugação de um conjunto de fatores que têm que concorrer para isso. Há mais financiamento a custos inferiores mas ainda está longe daquilo que é desejável para aliviar a tesouraria das empresas.
Mais um desafio, segundo a FIPA, é adequar os programas de apoio – Portugal 2020 e PDR 2020 – colocando o foco em atividades de investigação.
Ainda estamos no início deste quadro mas há muitos operadores que nos falam da dificuldade de acesso aos programas, dos obstáculos que excedem o rigor transformando-o numa barreira no acesso aos fundos. Estes fundos devem ser naturalmente canalizados para a investigação diretamente aplicada às empresas, para a transmissão de conhecimento e o aprofundamento das relações entre o meio académico e o empresarial. Também dizemos que devem ser focados no apoio às empresas para a compra de serviços a entidades do Sistema Tecnológico Nacional.
É preciso uma definição precisa dos critérios de aprovação das candidaturas tendo em vista a valorização da agricultura nacional como fonte de abastecimento de matérias-primas, o País tem absoluta necessidade de promover o desenvolvimento do tecido primário, com vista ao abastecimento desta indústria. É decisivo para a competitividade, quanto mais longe nos formos abastecer mais encarecemos as importações. E isto leva à criação de emprego. É o ciclo virtuoso que defendemos. Hoje, a indústria alimentar e a pecuária são os maiores empregadores líquidos em zonas desfavorecidas, como o Alentejo, e contribuem com mais de 25% para a totalidade do emprego.
Qual o papel da inovação?
A inovação é importante para o crescimento desta indústria e devemos estar pelo menos a par, para não dizer na dianteira, da investigação europeia e mundial. Temos de acertar o passo em função de verbas disponíveis para a investigação. A diferença será um dos pontos mais importantes para a afirmação das nossas exportações nos diferentes mercados. Temos de nos apresentar com produtos inovadores e diferenciados em tempo útil, por que não estamos sozinhos a trabalhar no mundo. Se, nesta corrida, não formos corredores de fundo e não tivermos como alvo os primeiros lugares, vamos chegar muito atrasados à meta e a meta são os mercados e os consumidores.
Em que pé está o Código de Boas Práticas para toda a cadeia?
Temos vindo a trabalhar em sede da Confederação Empresarial de Portugal (CIP). Durante muitos anos, empreguei uma frase que é ‘produtores e distribuidores estão condenados a entenderem-se’. Acho que este entendimento tem vindo em alguns aspetos a dinamizar-se, mas achamos que é importante, em cima do código europeu nesta matéria, Portugal ter o seu próprio código aplicado à sua realidade. Para melhorar as relações e aprofundar as suas necessidades em várias matérias. Nesse sentido, estamos em crer que não estamos muito longe de ter um código que efetivamente represente os interesses das partes.
Um código deste tipo leva o seu tempo a concretizar-se, a nossa perspetiva é que dentro de muito pouco tempo essas regras estarão disponíveis.
Ainda na rubrica dos incentivos, mais uma ideia é criar um cluster agroalimentar de âmbito nacional. Pode concretizar melhor a ideia?
Portugal necessita de concentrar as suas forças e recursos para a promoção externa e internacionalização desta indústria. Em 2008, houve uma crise profunda de matérias-primas a nível mundial, nos dois lados do hemisfério, um momento muito particular que nunca se tinha verificado desta maneira. Algumas matérias-primas alimentares escassearam e outras aumentaram o seu custo. Isto determinou entre os agentes económicos a necessidade de olhar para a indústria agroalimentar no sentido serem criadas condições que permitissem a Portugal produzir mais matérias-primas.
Tivemos sobretudo nos últimos quatro anos dialogado muito com as forças no terreno para obter uma visão conjunta para a promoção externa. Continuamos a sentir a necessidade de falar nestas questões a uma única voz. O cluster tem como objetivo, no processo de reconhecimento em curso, a representatividade das empresas e das marcas, melhorar a competitividade da indústria e promover o seu trabalho além-fronteiras.