Como serão as lojas daqui a 20 anos?
Interactivas, intuitivas, personalizadas, dramáticas e sustentáveis. Assim serão as lojas do futuro. Estratégias para optimizar os sistemas e fidelizar um consumidor cada vez mais exigente e bem informado
Ana Catarina Monteiro
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Interactivas, intuitivas, personalizadas, dramáticas e sustentáveis. Assim serão as lojas do futuro. Estratégias para optimizar os sistemas e fidelizar um consumidor cada vez mais exigente e bem informado.
Enquanto muitos especialistas falam em futuro, outros acreditam que o momento de integração dos novos sistemas de informação nas lojas é agora. As tendências dão conta de mecanismos tecnológicos mais atractivos para conhecer o consumidor e ajustar as características futuristas ao tipo de formato comercial. “Podemos acreditar que existirá uma nova dicotomia entre formatos de massa, com maior foco no preço na oferta massificada (one to all), por oposição aos conceitos de nicho, ajustados à procura de bens específicos (one to one)”, afirma Miguel Kreiseker, Head of of Property e Asset Management da Jones Lang LaSalle (JLL). Numa análise funcional, as lojas daqui a 20 anos “variam entre o ‘showroom’, onde a experiência física com o produto será o mais importante”, distinguindo-se assim dos espaços online, e “a função de ponto de entrega dos produtos comprados através de outros canais”.
O retalho tradicional tal e qual como estamos habituados hoje em dia vai continuar sempre a existir, pois a componente sensorial vai ser sempre valorizada”, explica Rita Coelho do Vale. A professora da Católica, School of Business and Economics, de Lisboa, acredita que o canal online vai ganhar mais relevância “quando houver um salto geracional nos consumidores”, sendo provável que “surjam novos formatos de loja, mais relaccionados com ‘pick up points’, para a recolha das encomendas, ou lojas de conveniência”. Os retalhistas podem tirar partido do espaço disponível nas lojas “através do desenvolvimento de um bom sistema de gestão de relacionamento com o cliente”.
Com a emergência de novos canais de distribuição, a loja física ganha novas funções, e no futuro assistimos ao “redesenho e reposicionamento dos conceitos”, acentua Miguel Kreiseker da JLL.
Ana Penim, Administradora do Instituto de Negociação e Vendas destaca, por sua vez, a importância das lojas trabalharem o factor surpresa. “Os negócios que tenham a capacidade de surpreender o cliente são os que mais atraem. O elemento surpresa provoca reacções positivas contra a tendência de rejeição, impulso dos clientes à partida”. Muitas lojas já recorrem à criatividade para diferenciar o ponto de venda. Entre os premiados de 2014, pela Consutora Euromonitor, estão conceitos como uma loja que faz alusão a uma construção com legos em tamanho real, na Roménia, ou a casa de banho que a portuguesa Renova instalou na Praça do Comércio, em Lisboa, com serviços extra, permitindo compras e outras valências.
Multiverso Matrix
Há a necessidade de um conhecimento profundo do cliente e, depois disso, tem que se utilizar a originalidade para usufruir dos inúmeros mecanismos que a tecnologia tornou possível. O Director-Geral da EasyPay metaforiza o futuro das lojas com a expressão “Multiverso Matrix”. Durante a conferência “A Loja do Futuro”, integrada no “Ciclo de conferências José Rousseau”, Sebastião Lancastre usou o termo para se referir às transformações provocadas pela tecnologia, na experiência dentro da loja, integrando o consumidor num mundo completamente virtual, onde as “máquinas” são capazes de detectar a personalidade e os gostos de cada consumidor, assim como a estratégia a adoptar para melhor o incentivar à compra.
Rita do Vale sublinha que “quanto maior o conhecimento adquirido sobre os consumidores, maior a possibilidade de personalização de oferta e de geração de lealdade”.
A versatilidade e a conveniência são duas características importantes para o consumidor moderno, que está “mais informado e mais difícil de convencer”. Capaz de chegar a todas as ofertas possíveis e escolher a mais adequada a si, o cliente chega a conhecer os métodos de produção e toda a informação interna das empresas, construindo a sua preferência de forma autónoma.
As empresas são, desta forma, obrigadas a estarem presentes antes, durante e depois da visita do consumidor à loja. Construir um espírito de familiaridade entre os consumidores e os produtos passa pela “personalização” da oferta, palavra de ordem para o futuro do retalho. “A aposta em tecnologias inovadoras como Kinect que, identificando o género da pessoa diante do ecrã, pode adaptar o conteúdo do mesmo, aumentando assim a relevância da oferta e criando uma percepção de uma quase personalização na abordagem”, revela Sofia Tenreiro. A Directora Executiva da Microsoft acredita que, no futuro, as lojas físicas terão que se adaptar às tendências “cada vez mais fortes que alterarão os padrões de consumo”. A saber: “consumidores digitais, preocupações com a saúde, bem-estar, atitudes “green” por parte dos consumidores séniores, surgimento de um segmento focado em valor, constante modernização, movimentos de concentração, pressões de aumento de rentabilidade, como a redução de stocks físicos e outros custos operacionais, entre outras”.
Focadas em conteúdos multimédia para tornar as compras “mais envolventes, inesquecíveis e diferenciadoras”, as lojas do futuro “devem assumir um papel cada vez mais de espaço experiencial, com comunicação clara e muito intuitiva para o cliente”, que procura uma “experiência positiva” que proporcione “emoções e sensações marcantes”, aponta a Directora-Geral da Edigma, Ema Cruz.
Novos e velhos consumidores
Os consumidores compram cada vez mais novos. Segundo Rita Vale, “a nova geração que agora tem até 10/11 anos de idade, já nasceu numa era tecnológica, onde a adopção de novos canais é mais provável de acontecer”.
Com as crianças, hoje em dia, a serem também consumidores, “os novos consumidores escolherão o retalhista que lhes oferecer maior valor e de forma mais inovadora” sublinha, por sua vez, Sofia Tenreiro. A responsável da Microsoft Portugal acredita que a sobrevivência das lojas passa por proporcionar um “ambiente onde os consumidores possam experimentar os produtos e aprender como maximizar a sua utilização. Outro factor crítico de sucesso será a continuidade da relação entre o consumidor e o retalhista depois do momento de compra, prolongando a experiência vivida e fortalecendo a relação de confiança”.
Enquanto os consumidores jovens se mostram “muito mais integrados no mundo digital”, que exige uma conquista através da “oferta de serviços de valor acrescentado que lhes permita personalizar os produtos”, através de uma “estratégia multi-canal robusta” e acesso a “conteúdos ou produtos exclusivos, como bilhetes para concertos ou a possibilidade de conhecer um ídolo”, os consumidores séniores necessitam de atenção em outros aspectos de organização na loja. A responsável em Portugal pela Microsoft sugeriu a imposição de “sinalética que capte a atenção e ajude esta camada da população como, por exemplo, materiais com tamanhos de letra maiores, explicação mais cuidada e detalhada na usabilidade”.
Relativamente a estes dois pólos de consumo, Miguel Kreiseker, da Jones Lang LaSalle, acredita que “vão ganharcada vez mais protagonismo, mas o comércio saberá identificar quais as classes ou grupos de indivíduos com maior poder aquisitivo, e diferenciar entre clientes consumidores, prescritores e influenciadores. Sistemas de “Yield princing” (técnica de gestão que ajuda a calcular a melhor política de preços) semelhantes aos adoptados pelas companhias aéreas ou hotéis, serão cada vez mais uma realidade”.
Marketing Espiritual
“Os retalhistas já vendem as marcas próprias para a concorrência”, revela José Rousseau. A tendência segue para um mercado quase completo por marcas de fornecedores, vendo-se cada vez menos marcas industriais, mais que produtos, os retalhistas passam a oferecer serviços. E ao disponibilizarem serviços cada vez mais vocacionados para cada segmento, as lojas têm que estabelecer e fortalecer os seus próprios valores.
Para a fidelização, no futuro, há que saber “imitar os retalhistas antigos, tornando-se um “amigo” do cliente, e os valores associados às marcas “vão ser decisivos na decisão de compras dos consumidores”, aconselha o Professor José Rousseau, ao sugerir um consumidor que percepciona tais atributos. O termo “marketing espiritual” designa o apelo à razão, às emoções e um conhecimento sobre a alma dos consumidores, desenvolvido a partir de valores sólidos fixados pelas marcas. A compaixão com o cliente caracteriza o espírito da empresa, que se põe no lugar do consumidor, e terá que “Dar para vender”. O apelo às emoções passa pela dramatização dos produtos na loja, encenando uma apresentação.
No “Retailentertainment” a experiência de compra nos pontos de contacto mistura consumo e lazer, como cenas de teatro ou a oferta de algo para beber ou comer. O comportamento do retalhista torna-se o de quem recebe um convidado em casa e tenta fazê-lo sentir-se o mais à vontade possível.
“A experiência de compra terá de associar vários serviços de pagamento, aconselhamento e conectividade. A introdução e evolução da tecnologia trará uma nova experiência para o consumidor, com muito mais qualidade e diversão”, considera Ema Cruz, acrescentando que “daqui a 20 anos, os espaços de compra vão ser lugares onde o cliente sente que é único”.
A espiritualidade torna-se cada vez mais importante, por causa de um consumidor “camaleão”, que reage aos conteúdos consoante o meio e o contexto em que os produtos são vendidos. Com o consumidor à espera de ser surpreendido, os profissionais buscam cada vez mais conceitos originais. Um novo conceito de luxo emancipa-se, com a tendência para a “miscigenação”, passando pelo regresso às origens, produtos exclusivos, únicos e de contacto com a natureza. “A loja do futuro tem que ser consistente, confiante e conveniente”, sublinhou Ana Penim, no âmbito da Conferência sobre o tema.
Desintermediação “Green Retail”
Os espaços físicos são importantes para entregar os produtos aos clientes, sendo que a proximidade é uma mais-valia para qualquer retalhista no futuro, que terá de balancear também as “questões legais, preço, sociais, escassez das matérias-primas e todas as demais envolvidas nas questões ambientais e até de sustentabilidade”, afirma o responsável da JLL. Sofia Tenreiro considera, por outro lado, que “o foco na optimização de processos e das operações terá como consequências imediata a redução da pegada de carbono”.
Segundo Ema Cruz, uma vez que “os espaços físicos não vão necessitar de stocks, os centros de distribuição instalados para a venda online complementam a venda na loja física”. Sem stock, a loja do futuro passa a integrar o armazém como um centro de distribuição que em vez de levar os produtos para o ponto de venda, leva-os directamente ao consumidor final.
Estamos perante uma fase de desintermediação, na qual o retalhista vai encurtar o espaço entre si e o cliente, fortalecendo a ligação. Com o aumento da proximidade, “a promoção de venda de produtos locais será uma tendência” que, como afirmou Ema Cruz, “ajudará a reduzir o impacto da pegada de carbono ao nível do transporte”.
O “Green Retail” está a intensifica-se devido a um consumidor cada vez mais preocupado com as questões ambientais. Rita Coelho do Vale afirma que “as empresas de retalho estão cada vez mais focadas no desenvolvimento de acções de responsabilidade social e de desenvolvimento da comunidade onde estão inseridas”. Para a sustentabilidade, “é imperativo que também as embalagens estejam de acordo com as normas ambientais”. A Tesco, por exemplo, desenvolveu um sistema que permite ao consumidor depositar nas suas lojas o desperdício das embalagens.
O “alerta e a sintonia com os consumidores ajustam toda a cadeia às necessidades de cada uma das partes”, em conformidade com “os pilares em que se assenta o negócio: ambiental, económica e social”, destaca Miguel Kreiseker.
Tendencialmente, o consumidor que se desloca a uma loja física já terá consultado informação sobre o produto e a marca, procurando informação, presente na loja, que traga valor acrescentado. “Quanto mais tecnologia há, maior é a necessidade comunicação humana”, todos os profissionais contactados pelo HIPERSUPER estão em harmonia quanto a esta premissa. No futuro, “as lojas físicas estão no centro das operações, integradas na omnicalidade”.