Um estudo da Informa D&B, divugado em abril deste ano, revelava que o mercado do café em Portugal cresceu 8,2% em 2023, atingindo um valor de 660 milhões de euros. Para este crescimento contribuíram os aumentos quer do preço do café no ano passado, quer do consumo privado.
Ainda em 2023, as exportações de café torrado e solúvel atingiram os 123 milhões de euros, o que representou um crescimento de 2,5% face ao ano anterior, enquanto as importações aumentaram 18,1%, para os 254 milhões de euros. Espanha manteve-se como principal destino das exportações portuguesas de café, com um peso de 28%, à frente da França, do Reino Unido e da Rússia.
Mas o que esperar de 2024? Apesar dos desafios causados por questões como os preços da matéria-prima ou aumentos dos custos de logística, no Grupo Nabeiro-Delta Cafés e na NewCoffee, este ano deverá ser de crescimento. E para o Grupo Nespresso, Portugal é um país estratégico.
“O mercado do café vive momentos desafiantes com os preços da matéria-prima a atingirem máximos históricos. A produção enfrenta desafios como as alterações climáticas e a justiça social, especialmente para os pequenos produtores. Proteger e valorizar a cadeia produtiva do café torna-se cada vez mais essencial não apenas para a economia, mas também para preservar uma parte importante da cultura mundial”, afirma Rui Miguel Nabeiro. O CEO do Grupo Nabeiro – Delta Cafés defende as práticas sustentáveis “que promovam a qualidade e respeitem o meio ambiente e as comunidades locais”, como fatores fundamentais para a continuidade da produção de café como um todo.
Como empresa, a Delta-Cafés projeta em 2024, crescer 12% e mantém o foco de chegar ao Top 10 das marcas mundiais de café, “tendo como base os nossos pilares de crescimento: internacionalização, inovação e diversificação”, revela o CEO.
Até ao final do ano, deverá fazer chegar ao mercado algumas novidades, como a nova cápsula composta por biomateriais feita de óleos vegetais presentes na natureza, que foi melhorada tecnicamente, “o que garante uma maior frescura do café e validade igual a qualquer outra cápsula”, apresentab Rui Miguel Nabeiro. A par da biocápsula, o terceiro trimestre traz dois novos blends, Delta Q Caramelo e Delta Q Frutos Silvestres e Espumante e uma nova máquina de café em cápsulas com linhas mais modernas, cosmopolitas e arredondadas, com ecrã touch e o aquecimento em 30 segundos.
Portugal é “estratégico”
Em média, cada português bebe cerca de 2,5 chávenas de café, por dia o que corresponde a uma média de consumo nacional de café de 5 kg por pessoa e por ano. Um pouco abaixo da média europeia (6,4 kg, por pessoa e por ano), mas claramente acima da média mundial (1,3 kg, por pessoa e por ano).
A popularidade do café em Portugal leva as marcas a diversificarem o portfólio e a investirem neste mercado. Portugal é considerado “estratégico” para o Grupo Nespresso, uma “marca sólida e com boa performance no mercado nacional”, considera Jaime de la Rica, BEO da Nespresso Portugal. “Ficamos entusiasmados com este crescimento generalizado. Sabemos que, em Portugal, o ato de beber café e toda a experiência que a Nespresso proporciona são muito valorizados”, complementa e responsável que sublinha, por outro lado, o foco “na sustentabilidade, na ética e também na qualidade de vida dos produtores de café”.
“Somos uma marca que preza os interesses dos portugueses e que trabalha continuamente com o objetivo de satisfazer o cliente Nespresso, garantindo-lhe a melhor experiência”, assegura Jaime de la Rica, dando como exemplo o Nespresso Lisbon Bica, que apresenta como “um dos maiores lançamentos para a Nespresso em Portugal”. “Nespresso Lisbon Bica é a reinterpretação da Nespresso da Bica portuguesa e uma ode à tradição portuguesa de beber café, e da criatividade que inspirou poetas, fadistas, músicos, escritores e pintores desde sempre. E os portugueses reconhecem isso. Queremos homenagear esta história e criar mais história portuguesa pelo mundo”, explica. Até ao final do ano, a marca promete mais novidades, “e antes do lançamento dos cafés da campanha de Natal”. “E podemos partilhar que 2025 vai começar ainda mais verde para a Nespresso em Portugal”, avança.
Um ano “desafiante”
Na NewCoffee, 2024 mostrou-se mais “desafiante” do que o projetado no início do ano, quando eram expectáveis “melhores safras de café e uma eventual correção dos preços”, indica Pedro Oliveira.
“Á escassez das Robustas resultante de uma produção insuficiente por questões climáticas e indisponibilidade de stocks por questões regulamentares, junta-se um crescimento dos custos de transporte associados aos constrangimentos do canal do Suez e a elevada procura de Robustas pelos países do norte da Europa, bem como alguma especulação nos mercados”, como fatores que têm acentuado a trajetória ascendente dos preços do café, exemplifica o CEO da NewCoffee.
“Detetamos ainda sinais de que podem estar a existir alguns trade offs no consumo doméstico, quer ao nível de marcas – marca de distribuidor vs fabricante – quer de formatos – pastilha vs cápsula -, uma vez que observamos uma evolução bastante positiva dos nossos clientes de marca própria, parte deles importantes players do mercado da grande distribuição”, aponta ainda.
Um contexto desfavorável, que tem colocado as margens da empresa “sob pressão e em queda face a 2023”. Mas apesar das contigências, a NewCoffee prevê fechar o ano com um crescimento de 9%.
A curto e médio prazo, Pedro Oliveira prevê que sem uma correção nos preços do café verde, este que é um dos produtos mais consumidos fora de casa, “poderá a prazo passar a ser, nesse contexto, cada vez mais um pequeno luxo reservado a momentos de lazer e convívio tornando-se o consumidor também mais exigente no produto que consome”.
Na NewCoffee é assumido que a diversidade de perfis de consumo e de conceitos de café existente no mercado obriga a uma constante adaptação e, nesse sentido, 2024 tem sido um ano focado em organizar a estrutura, oferta e processos da empresa “com o objetivo de estar melhor capacitada para fazer face a este contexto e servir todos os clientes, desde o cliente mais tradicional e sensível ao preço ao cliente mais sofisticado e exigente, com produtos, equipamentos e investimentos ajustados às suas necessidades”, sublinha Pedro Oliveira.
Os novos lançamento têm por base a tendência de um consumo “mais premium, sustentável e experiencial”, o que levou a NewCoffee a apostar no alargamento da sua gama Bogani Prestige dedicada ao canal HoReCa e materiais de ponto de venda diferenciados e em fazer crescer o conceito Bogani Bio, alargando a gama de produtos biológicos disponível e desenvolvendo materiais de decoração dedicados. “Em 2024 também reforçamos a nossa presença no segmento premium com a gama de cafés sustentáveis La Reserva de ¡Tierra! da Lavazza, em particular com o mais recente lote La Reserva de ¡Tierra! Cuba, um lote orgânico e sustentável, 100% certificado pela RFA e totalmente rastreável com suporte em tecnologia blockchain”, revela ainda.
EUDR: o desafio a burocracia
O Regulamento Anti Desflorestação da União Europeia (EUDR) proíbe a importação ou exportação de produtos no/do mercado da UE que não cumpram os seus requisitos de sustentabilidade e não provenham de áreas degradadas ou vinculadas à desflorestação após 31 de dezembro de 2020. Óleo de palma, bovinos, soja, café, cacau, madeira, borracha e produtos derivados dos produtos enumerados (tais como carne de bovino, mobiliário ou chocolate) são os produtos abrangidos pelo regulamento.
A lei, que está em vigor desde 29 de junho de 2023, visa combater o desmatamento global, mas as regras e a burocracia da sua aplicabilidade são mais desafiantes do que as empresas estavam à espera. Em junho deste ano, sete empresas europeias de café apelavam à prorrogação do prazo de implementação do Regulamento Anti Desflorestação da União Europeia (EUDR). Num comunicado conjunto, a Delta Cafés, de Portugal, a Franck, da Croácia, a Joh. Johannson, da Noruega, a Lavazza, da Itália, a Löfbergs, da Suécia, a Neumann Kaffee Gruppe, da Alemanha e a Tchibo, da Alemanha, empresas familiares europeias de café da International Coffee Partners (ICP), afirmavam o apoio aos objetivos do EUDR, mas pediam mais tempo.
“É prioritário aumentar a consciencialização sobre o tema nos países produtores, protegendo o ambiente e investindo na reflorestação. A situação dos pequenos produtores de café merece particular atenção, visto estes necessitarem de sistemas de fornecimento, de condições adequadas, de um período de transição apropriado e de recursos financeiros adicionais para cumprir a nova lei”, alertavam.
Em outubro, a Comissão Europeia atendeu aos apelos deste e de outros setores agroalimentares e adiou por um ano a data de execução prevista do Regulamento Anti Desflorestação. O adiamento da data de aplicação ainda não foi aprovado, já que necessita passar pelos votos do Parlamento Europeu e do Concelho até o final do ano. Se for aprovada, esta proposta tornará a lei aplicável em 30 de dezembro de 2025 para as grandes e médias empresas e em 30 de junho de 2026 para as micro e pequenas empresas.
O adiamento dará aos países terceiros, estados-membros, operadores e comerciantes mais tempo para se prepararem para as suas obrigações de due diligence.
Na NewCoffee não há dúvidas sobre a necessidade deste regulamento e do seu impacto ambiental. Mas tal não afasta os receios para com a carga burocrática que está ssociada ao EUDR. “Não obstante a proposta da Comissão Europeia para o adiamento da data de implementação do regulamento, que entendemos ser com grande probabilidade aceite, mantém-se a preocupação, que é extensível a todo o setor do café, de que a carga burocrática e os investimentos necessários ao cumprimento destes regulamentos sejam incomportáveis para os operadores das várias fases da cadeia de valor, em particular para osprodutores de café”, nomeadamente so mais pequenos, subinha o CEO da empresa.
Pedro Oliveira alerta ainda seu é “expectável” que estes últimos passem a dar prioridade aos países compradores “menos burocráticos e consumidores crescentes de café”, como os asiáticos e americanos, “gerando escassez no mercado europeu e consequente pressão sobre os preços”. Mas assegura que a NewCoffee está a preparar-se para esta nova fase “e irá naturalmente exigir dos brokers com quem trabalha, os certificados que comprovam o cumprimento do Regulamento”.
Garantir Recursos
Na Nespresso, estão já a ser avaliadas as implicações do EUDR no trabalho em curso para que a empresa cumpra o Regulamento, mas Jaime de la Rica sublinha que a promoção de uma produção de café mais sustentável nas origens “há mais de 20 anos”, através do programa ‘Nespresso AAA for Sustainable Quality’ “que envolve mais de 150 mil agricultores em todo o mundo, comprometidos com a desflorestação zero nos seus campos de cultivo”.
O BEO da Nespresso Portugal dá como exemplo do trabalho realizado, a promoção da agrossilvicultura. “Plantar árvores dentro e ao redor das produções de café ajuda as comunidades a construir resiliência, fornecendo uma camada de isolamento que mantém a temperatura do solo mais estável, enquanto as raízes das árvores mantêm a terra intacta durante chuvas fortes, evitando a erosão da terra”, explica, revelando ainda que um dos objetivos da multinacional no âmbito da sustentabilidade ambiental passa por plantar quatro milhões de árvores, todos os anos, nas regiões onde o café de origem será responsável pela maior parte das suas remoções de carbono.
Rui Miguel Nabeiro recorda o comunicado da International Coffee Partners (ICP), subscrito pela Delta Cafés, onde os produtores associados apoiam os objetivos do Regulamento Anti Desflorestação da União Europeia, mas alertam que deve ser prioritário “garantir recursos para esta transição”. “Nesse sentido, é fundamental aumentar-se a consciencialização sobre o tema nos países produtores, protegendo o ambiente e investindo na reflorestação”, define.
Este artigo foi publicado na edição 428