3.º Gene do ADN da Distribuição: Resiliência
O 3.º Gene do ADN da Distribuição – Resiliência – explicado por José António Rousseau.
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Resiliência é uma palavra ou qualidade verificável em qualquer actividade humana ou social, porém, particularmente na actividade comercial, é gratificante observar que as propriedades do elástico e do silicone se aplicam, e bem, às empresas comerciais.
A noção de resiliência foi criada pela Física, que a utiliza para caracterizar a propriedade através da qual a energia armazenada num corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora da deformação elástica, isto é, a capacidade concreta de conseguir voltar ao seu estado inicial e natural de excelência, superando uma situação critica.
As ciências sociais tomaram este conceito emprestado definindo resiliência como a capacidade, de um indivíduo ou de uma organização, para lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas sem entrar em crise e conseguindo ultrapassá-las.
A resiliência é, pois, uma combinação de factores que propiciam ao ser humano e às organizações, condições para enfrentar e superar problemas e adversidades.
Esta verdadeira “arte de transformar toda a energia de um problema numa solução criativa” (Grapeia 2004) consiste, no fundo, no equilíbrio entre a tensão e a capacidade de resistir e atingir um nível mais elevado de consciência, que aporta mudanças comportamentais para lidar e vencer os obstáculos do dia a dia.
Tal como no ser humano, também nas empresas, o equilíbrio é um factor determinante do seu sucesso e, como o equilíbrio funciona tal qual a estrutura de um prédio, se a pressão for maior que a resistência, aparecerão fendas representadas por doenças psicossomáticas manifestadas nos indivíduos ou, por crises económicas e dificuldades comerciais, evidenciadas na gestão e resultados das empresas.
A empresa resiliente desenvolve a capacidade de recuperar e se moldar, novamente, a cada obstáculo e a cada desafio, de adquirir competências de acção que lhes permitem adaptar-se melhor a uma realidade económica imprevisível e a agir de forma adequada e rápida, resolvendo os problemas que lhe são colocados.
Numa empresa comercial, a resiliência é a capacidade de promover as mudanças necessárias para atingir os seus objectivos, de manter as competências e habilidades, mesmo diante das adversidades, de antecipar crises, prever adversidades e saber preparar-se o melhor possível para elas.
A empresa comercial resiliente não espera a crise acontecer para actuar. Ao invés tenta antecipar-se às mudanças, porque está sempre ligada a tudo o que acontece no mercado.
Seria até desejável que as empresas comerciais fossem protagonistas e agentes das mudanças no mercado, tornando-se mais flexíveis, leves e consistentes, conseguindo crescer, mesmo em ambiente de mudança e adversidade e antecipando os próprios acontecimentos, conseguindo deste modo contribuir para transformar a realidade.
É um facto visível que o retalho integrado consegue ser mais resiliente que o retalho independente, porque este, atavicamente, resiste demasiado à mudança. Os comerciantes independentes necessitavam de mudar a pele e adquirir sangue novo, de ter uma nova visão e de adoptar novos processos, de lançar novas marcas ou insígnias. A franquia, os centros comerciais e as diferentes formas de comércio associado actualmente existentes são algumas das soluções em alternativa.
Mas o comércio tradicional independente padece de um pecado original, de uma marca genética que lhe traça inexorável o seu destino: os ciclos de vida da loja e do comerciante, seu proprietário, são iguais e estão sobrepostos. Quando o comerciante é jovem a loja ainda que pequena ou mal trabalhada, ainda vai funcionando bem. Mas quando o comerciante começa a envelhecer a loja também envelhece e vai ficando parada no tempo. E, quando o comerciante se reforma ou morre, a loja também fecha as portas e sai do mercado.
Ouso mesmo afirmar que a velha teoria da destruição criativa de Shumpeter deveria ser um imperativo categórico para o comércio tradicional independente, porque para este comércio um mero processo resiliente de modernização talvez já não seja suficiente. Será necessário uma verdadeira transformação, uma efectiva mutação. Mas essa é outra história que não cabe aqui.
A resiliência das empresas comerciais verifica-se sempre que estas conseguem enfrentar com sucesso os Adamastores das pressões e crises económicas, das constantes alterações de mercado e das inesperadas mudanças de hábitos de consumo, no fundo, sempre que as empresas conseguem vencer o grande desafio do tempo.
Para tal, as empresas comerciais necessitam de possuir algumas qualidades, sem as quais não poderão ser resilientes, como por exemplo, a energia da flexibilidade, a força da resistência, o espírito de sacrifício e a capacidade de adaptação permanente.
Um exemplo destas capacidades encontra-se na Jerónimo Martins que, ao longo dos seus mais de cem anos de existência, tem conseguido ultrapassar todas as profundas mudanças entretanto ocorridas. A última destas situações ocorreu na mudança deste século período em que a empresa acumulou prejuízos, teve uma queda brutal nas vendas e perdeu valor accionista. No entanto, com coragem e atitude, desinvestindo em negócios não fundamentais, reestruturando a organização e a liderança, redefinindo estratégias e reposicionando formatos conseguiu mais uma vez dar a volta e ficar, como agora novamente está, por cima.
Ainda em Portugal, na área do comércio independente, também conseguimos encontrar bons exemplos de resiliência comercial, embora a maioria dos casos se encontrem mais na área do comércio especializado não alimentar e menos no comércio generalista alimentar. Parece poder concluir-se que o comércio especializado manifesta melhores condições de resiliência para enfrentar e se adaptar às mudanças verificadas ao longo do tempo, variável esta sem a qual não existe resiliência.
Como exemplos vivos e actuais de resiliência, podemos referir a Camisaria Moderna, em Lisboa, datada de 1934 que possui fabrico próprio e se diferencia pela oferta de tamanhos grandes; a Casa da Cera, em Guimarães, fundada em 1800 cujo negócio assenta no pagamento de promessas religiosas feitas pelos seus clientes, que também produz os seus próprios produtos e hoje se abre também ao turismo; a Casa dos Parafusos, em Lisboa, datada do inicio do século XX, identificada pela sua fachada original em azulejo e, no seu início, também ligada a uma fábrica; a Cutelaria Polycarpo, em Lisboa, datada de 1822 e baseada na actividade do seu primeiro proprietário o Mestre de cutelaria Polycarpo; a loja de atoalhados e produtos de casa, Paris em Lisboa, no Chiado, inaugurada em 1888; a retrosaria Bijou, na baixa de Lisboa desde 1915; a Luvaria Ulisses que desde 1925, em apenas 4m2, só vende luvas que ela própria fabrica; várias livrarias, tais como, a Bertrand de 1773, a Férin de 1840, a Lello do Porto de 1906 e o alfarrabista Moreira da Costa aberta em 1902. No segmento alimentar, referirei apenas como exemplo de resiliência, a Charcutaria do Rossio Manuel Tavares datada de 1860 e a Mercearia Liberdade, cuja data de abertura se perdeu no tempo, pois a atribuição do seu alvará foi meramente verbal e que hoje oferece basicamente artesanato português.
Em todos estes casos se verificaram três elementos comuns ao longo de mais de um século: a natureza ultra-especializada da actividade, a transmissão do negócio através da família e a ligação à actividade industrial em termos de integração de fileira.
José António Rousseau, Consultor e professor no IADE/IPAM, www.rousseau.com.pt