O regresso da mercearia
As “lojas de bairro” têm ainda a virtude, pela sua proximidade à residência do consumidor, de permitirem o apoio ao e-commerce, por poderem ser usadas como hubs para entregas, combinando a conveniência do online com a experiência pessoal de compra em loja. Opinião de Sara Monte e Freitas (Expense Reduction Analysts)
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Por Sara Monte e Freitas, partner da Monte e Freitas | Expense Reduction Analysts
Dois dias sem poder brincar na rua com as minhas amigas. Esta foi a (pesada!) pena que me foi aplicada. Tinha dez anos e ainda hoje me lembro. E porquê? Porque, entre ouvir a frase que se segue e regressar a casa, passaram quase duas horas.
– “Vai, a correr, à mercearia do Sr. Pires, e compra um pacote de arroz, que me esqueci que não há na despensa! Aproveita, traz pão e marmelada para o pequeno-almoço de amanhã”.
Naquele dia, jantámos, já passava das dez da noite…
Esta breve história mostra quatro coisas muito simples: que houve um tempo que crianças brincavam na rua e iam às compras; que havia mercearias de bairro; e que as compras eram feitas, esmagadoramente, em função das necessidades de consumo mais imediatas.
Ora, nas duas primeiras (infelizmente) o tempo não voltará atrás. Já nas duas últimas, os dados mostram que a tendência é para voltarmos a ter um retalho de proximidade (ainda que não seja de mercearias com um longo balcão de madeira, com uma balança em cima, como a do Sr. Pires). As compras, essas, também voltaram a ser efetuadas de forma mais fracionada.
E porquê? Essencialmente, e simplificando, porque os hábitos de consumo se alteraram profundamente com a pandemia. Se, antes, reinavam os grandes hipermercados, agora assistimos ao crescimento das redes de proximidade. Ainda recentemente a Auchan comprou as quase 500 lojas Minipreço, a Sonae aposta no crescimento de insígnias como o ‘Bom Dia’ e ‘Meu Super’, a Jerónimo Martins segue o seu caminho de capilarização de rede, os gigantes alemães (ex-hard discount) também aí se posicionam e, não menos importante, há o efeito Mercadona. Não se tenha a ingenuidade de pensar que é o fim dos hipermercados, mas, o futuro, esse, pertence às pequenas lojas de bairro e às de média dimensão.
A tendência, no retalho alimentar, é pré-pandémica, contudo, esta veio sublinhar a pertinência e acelerar o processo em curso, até por uma considerável franja da força de trabalho ter continuado em teletrabalho. Muitos consumidores descobriram o e-commerce, que não os reteve por completo. Levou-os, depois, a descobrir que tinham um supermercado ‘ao virar da esquina’.
Desde logo, a conveniência de uma experiência de compra mais próxima, do pão feito na hora e das frutas e verduras frescas responde às necessidades do dia-a-dia do consumidor. A loja tem também a oportunidade de escolher o sortido que se adapta às preferências de consumo da comunidade local, fator crítico em zonas turísticas ou com uma caraterização socioeconómica mais vincada.
Estas lojas permitem ainda uma mais fácil adaptação às mudanças de estilo de vida do consumidor, permitindo-lhe fazer compras com maior ou menor frequência, dada a proximidade, em vez dos hipermercados onde, tipicamente se fazem compras semanais ou mensais. Há ainda a considerar a experiência de compra especializada que estas cadeias oferecem em nichos de produtos, como alimentos biológicos ou gourmet.
Este, é um dos lados da realidade: o do consumidor. Mas há o outro: o da grande distribuição. Este processo de capilarização/proximidade faz parte de uma estratégia de expansão que lhes permite conhecer o cliente, explorar novos mercados e chegar a mais consumidores.
Estas ‘lojas de bairro’ têm ainda a virtude, pela sua proximidade à residência do consumidor, de permitirem o apoio ao e-commerce, por poderem ser usadas como hubs para entregas, combinando a conveniência do online com a experiência pessoal de compra em loja.
Não é de menos importância a redução do desperdício em produtos alimentares, dado que os stocks são mais curtos, facto relevante num momento em que margens e sustentabilidade são preocupações crescentes.
Lojas mais pequenas permitem ainda, diz a minha experiência, testar inovações tecnológicas que seriam arriscadas em hipermercados, trazendo, a prazo, benefícios, como automatização de processos e eficiências operacionais, que aproveitam a clientes e distribuidores.
Não voltaremos à mercearia do Sr. Pires, nem ao tempo em que, com dez anos, se ia às compras, é certo. Mas, caminhamos no sentido em que o pacote de arroz pode voltar a ser comprado cinco minutos antes de ser cozinhado.
*Artigo originalmente publicado na edição 416