“Mercaurantes” são tendência. “A luta pela quota de estômago está a transformar os supermercados”
O setor da restauração espanhol cresceu 2,1% em 2018, para os 36.800 milhões de euros
Ana Catarina Monteiro
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As ruas de Barcelona denunciam o dinamismo do setor alimentar espanhol. Dos mercados que vendem as iguarias tradicionais catalãs (e espanholas) aos bares e restaurantes, com conceitos importados de todo o mundo, por todo o lado exalta-se um fluxo constante, de locais e turistas, que inunda os milhares de espaços que dão vida à cidade. Não admira, portanto, que esta seja uma área de peso para a economia e que tem puxado pela internacionalização da produção agroalimentar do país vizinho.
O setor da restauração espanhol cresceu 2,1% em 2018, para os 36.800 milhões de euros, segundo dados do grupo de pesquisa de mercado NPD. Um aumento suportado sobretudo pelo consumo de serviços de fast food em bares e outlets e pelo crescimento das entregas a casa.
Além disso, há um novo conceito a emergir, os chamados “mercaurantes”, ou seja, supermercados e outras lojas de retalho alimentar que oferecem comida para levar ou para consumir no local. Algo que em Portugal podemos verificar nas lojas da Mercadona.
Segundo J. António Valls, diretor da feira internacional Alimentaria, um dos principais eventos mundiais dedicado à área de alimentação e bebidas, que se realiza anualmente em Barcelona, esta é uma das principais tendências para o setor de alimentação e bebidas.
“A luta pela quota de estômago está a transformar as atividades de retalho e os supermercados, especificamente. O que irá intensificar-se nos próximos anos”, explica numa conferência, realizada esta sexta-feira em Barcelona, com o propósito de apresentar a próxima edição da feira Alimentaria, que acontece em abril.
Em conjunto, a produção agroalimentar, a distribuição, a restauração e outras atividades relacionadas absorvem mais de 30% do PIB espanhol, de acordo com dados da KPMG, presentes no estudo “A gastronomia na economia espanhola”.
Portugal é terceiro maior comprador de alimentação e bebidas espanholas
Com a ajuda do turismo (Espanha é dos destinos mais visitados do planeta, recebendo 80 milhões de turistas por ano), os produtos tipicamente espanhóis, como o “jamón” ou o azeite (do qual é líder em exportação), assim como o conceito de “tapas” (o mercado português é um exemplo da difusão deste conceito), estão a crescer em penetração nos mercados externos.
Para Josep Lluís Bonet, presidente do Comité de Organização da Alimentaria, da câmara de comércio espanhol e da marca Freixenet (vinho catalão Cava), a “globalização do setor alimentar fez deste um dos principais setores para que Espanha saísse da recessão de 2008”.
Para tal, tem contribuído também o reconhecimento, pelas Nações Unidas, da dieta mediterrânica como uma das mais saudáveis do mundo e, consequentemente, de uma maior perceção global da qualidade dos produtos espanhóis, similarmente ao que acontece em Portugal.
Atualmente, o país vizinho conta com 340 diferentes certificações de qualidade registadas, entre DOP (Denominação de Origem Protegida), IGP (Indicação Geográfica Protegida) ou ETG (Especialidade Tradicional Garantida).
A produção alimentar e bebidas representa 3% do PIB e 16% de toda a indústria espanhola, tendo ultrapassado os 116 mil milhões de euros em 2018, segundo dados da FIAB (Federação Espanhola de Alimentação e Bebidas). Este setor conta atualmente com 31.300 empresas no ativo, que exportam mais de 30 mil milhões de euros (dados de 2018). Um valor que fez Espanha saltar para o quarto lugar das economias mais exportadoras da União Europeia, passando à frente da Itália.
Portugal é o terceiro maior comprador, absorvendo 3.413 mil milhões de euros das exportações alimentares espanholas, atrás da França (4.783 mil milhões de euros) e da Itália (3.642 mil milhões de euros).
Vinho, azeite e produtos de carne mais afetados pelo Brexit
A seguir a Portugal, o Reino Unido é o quarto país que mais alimentos e bebidas compra a Espanha, com um total de 2.037 mil milhões de euros. Neste sentido, o Brexit apresenta-se como um dos desafios para o setor. Segundo Mauricio García de Quevedo, diretor da FIAB e antigo CEO da Kellogs para Portugal e Espanha, os setores que mais vão ser afetados pela saída do Reino Unido da UE são os de “vinho, azeite e produtos de carne”.
No sentido inverso, “espirituosas, trigo e crustáceos” são os produtos mais importados por Espanha.
Daniel Domenech, chairman da Associação de Produtores Espanhóis para o setor de hospitalidade, considera que o Brexit pode trazer uma oportunidade, já que “muitas empresas americanas chegam à Europa através do Reino Unido”, devido à proximidade, língua, entre outros fatores. “E como o Reino Unido já não estará na UE, esta pode ser uma oportunidade para Espanha” e outros países, considera.
Alimentaria termina contrato com Lisboa
A feira Alimentaria reúne entre 20 e 23 de abril de 2020 os vários setores da produção agroalimentar, assim como da restauração e áreas envolventes. A cinco meses do evento, 92% dos 11.000 metros quadrados da feira estão já com ocupação garantida. A organização espera receber 4.500 empresas expositoras, das quais 1.000 dirigem-se de cerca de 70 países. Os visitantes devem rondar os 150 mil visitantes, 30% internacionais, de 156 países.
A Alimentaria emprestava, até agora, o nome à feira Alimentaria Lisboa, evento organizado pela AIP (Associação Industrial Portuguesa), na Feira Internacional de Lisboa. Sabe-se que parceria portuguesa com a Alimentaria terminou, pelo que o certame em Lisboa não tem mais autorização para utilizar aquela designação. A organização espanhola não revelou mais pormenores sobre o assunto.
*A jornalista viajou a Barcelona a convite da Alimentaria Exhibitions