OE2017: “Novo imposto afeta produção nacional e promove importação de bebidas”
As bebidas açucaradas podem no próximo ano apresentar-se ao consumidor até 16,5 cêntimos por litro mais caras. O novo imposto afetará a indústria de refrigerantes e de bebidas alcoólicas, uma vez que a taxa será aplicada através do Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas. O HIPERSUPER falou com os principais intervenientes deste setor para estimar o impacto da nova fiscalidade no consumo e nas receitas das empresas
Ana Catarina Monteiro
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As bebidas açucaradas podem no próximo ano apresentar-se ao consumidor até 16,5 cêntimos por litro mais caras. O novo imposto afetará a indústria de refrigerantes e de bebidas alcoólicas, uma vez que a taxa será aplicada através do Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas.
O Governo quer no próximo ano encarecer as bebidas açucaradas através do IABA (Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas), que passará assim a designar-se IABABAAE (Imposto sobre o Álcool, as Bebidas Alcoólicas e as Bebidas Adicionadas de Açúcar ou outros Edulcorante).
As receitas desta nova taxa sobre as bebidas açucaradas, que isenta bebidas à base de leite, soja e arroz e néctares e sumos de fruta ou hortícolas, reverterão para o Sistema Nacional de Saúde. O imposto sobre o consumo foi importado para o Orçamento de Estado (OE) 2017 de países como o México e a França que adotaram a medida para combater os níveis de obesidade e diabetes provocados pelo consumo excessivo deste tipo de bebidas.
Para a indústria não é, no entanto, claro que a medida traga benefícios para a saúde. “É difícil estimar o impacto no consumo global de refrigerantes, que poderá até nem descer, devido a transferências para marcas, embalagens e canais de venda mais baratos. O desenvolvimento de compras transfronteiriças e de mercados paralelos também terá impacto”, sublinha em entrevista ao HIPERSUPER Francisco Furtado de Mendonça, secretário-geral da PROBEB (Associação Portuguesa das Bebidas Refrescantes não Alcoólicas).
Lembrando que o consumo de refrigerantes representa “apenas 2% do total das calorias ingeridas pelos portugueses”, a associação vê o imposto como “uma imposição arbitrária, discriminatória e com fim puramente fiscal, disfarçado de medida de saúde. Entendemos até que inconstitucional. Ao incidir sobre todos os refrigerantes, incluindo os sem açúcar adicionado, é claramente um imposto focado na receita”, acusa o secretário-geral. Além disso, “não está desenhado para promover esforços significativos de reformulação das bebidas para redução dos teores de açúcar”.
Indústria reduziu em 10,7% teor calórico de refrigerantes desde 2013
O secretário-geral da PROBEB acusa o Governo de ter “um défice de confiança” nos interlocutores da associação. “Deram-nos uma expetativa que não foi respeitada e tomaram uma decisão gravosa para a economia e muito duvidosa ao nível da saúde pública”.
A indústria de refrigerantes assumiu perante o Ministério da Saúde o compromisso de reduzir em pelo menos 25% o teor calórico das suas bebidas entre 2013 e 2020. “Até ao final de 2015 já reduzimos 10,7%. Isto sim, é uma medida concreta, eficaz porque envolve a indústria com efeitos no consumo”.
A eficácia do imposto na mudança de hábitos dos consumidores é contestada pela associação, que receia uma transferência das escolhas de compra e do consumo para refrigerantes com preços deflacionados, como os das marcas da distribuição. “Não há casos conhecidos de aplicação deste tipo de impostos em que tenha sido demonstrada uma eficácia sustentada no tempo, nem na União Europeia (UE) nem no resto do mundo. No primeiro ano, há alguma redução nas vendas – em grande parte devido à armazenagem antes do imposto entrar em vigor -, mas depois as vendas voltam aos valores anteriores à implementação do imposto. O caso do México é paradigmático”.
O mercado mexicano, o maior consumidor de refrigerantes do mundo, está sujeito desde 2014 a um imposto sobre estas bebidas. A consultora americana Beverage Marketing estima que, depois de uma queda inicial, o consumo de refrigerantes no México – onde a água engarrafada à venda nos supermercados chega a ser mais cara que os refrigerantes – tenha voltado para níveis registados antes do imposto logo em meados de 2015. A indústria, por sua vez, perdeu milhares de empregos.
85% das marcas de fabricante produzidas no País
Segundo Francisco Furtado de Mendonça, “Portugal é o país do mundo onde as vendas de bebidas açucaradas mais desceram entre 2010 e 2015 (-19%) e um dos países com menor consumo per capita de refrigerantes – quase metade de Inglaterra”, sendo que um dos principais riscos deste imposto passa pela sensibilidade dos portugueses ao preço. “Se aumenta, o consumidor escolhe um produto mais barato. Neste caso, as marcas de distribuidor”.
A eventual transferência do consumo de refrigerantes das marcas de fabricante para as da distribuição ou outras categorias de produto com menor preço acarreta “efeitos nefastos” para o tecido empresarial português, uma vez que “85% do volume das marcas de fabricante” é produzido no País, enquanto “apenas 25% do volume das marcas de distribuidor é de origem nacional”.
Os mais recentes dados disponibilizados pela consultora Nielsen ao HIPERSUPER, correspondentes ao ano móvel terminado em abril deste ano, mostram que as marcas de fabricante, nas categorias de colas, energéticas e isotónicas, refrigeradas, lima-limão, bebidas com e sem gás, têm uma quota de mercado a igual ou superior 80% em Portugal.
“Vamos passar de uma indústria de produção nacional para uma indústria de importação”, prevê o secretário-geral, apontando diretamente para o exemplo da vizinha Espanha, onde “a estes produtos é aplicada a taxa de IVA [Imposto sobre Valor Acrescentado] de 10% (em Portugal 23%) e onde não há impostos especiais sobre esta categoria de bebidas. A brutalidade do diferencial fiscal com Espanha compromete o desempenho e ameaça a sustentabilidade da indústria nacional”.
Ainda assim, para o Ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, trata-se de um imposto “sobre o consumo em Portugal” que afeta uma gama de produtos “muito pequena”, cuja “maior parte é importada”, como afirmou em declarações à Lusa.
Coca-Cola reavalia investimento em Portugal
O mercado de sumos e refrigerantes em Portugal fatura cerca de 350 milhões de euros num ano, de acordo com dados da Nielsen. A categoria mais valiosa no segmento de bebidas alcoólicas em Portugal é a cola, que atingiu no ano móvel que terminou em meados de abril de 2016 um volume de negócios de 76,4 milhões de euros em Portugal, uma queda de 6% face ao período homólogo.
A mais conhecida marca a nível mundial nesta categoria, a Coca-Cola, será submetida às taxas mais elevadas deste imposto, que se divide em dois escalões – para bebidas com níveis de açúcar até 80 gramas por litro assenta nos 8,22 cêntimos por litro, as que se apresentem acima deste nível estão sujeitas a uma taxa de 16,46 cêntimos.
Com uma fábrica de engarrafamento em Portugal, a da Refrige, em Azeitão, concelho de Setúbal, a multinacional que tinha anunciado um investimento de “40 milhões de euros” naquela unidade nos próximos quatro anos já disse estar a reavaliar o seu plano de desenvolvimento no País, após o anúncio do novo imposto.
Contactada pelo HIPERSUPER, a Coca-Cola insiste que o “compromisso com Portugal é grande, sempre foi desde que aqui chegámos há 40 anos. Nos últimos dez anos, investimos cerca de 60 milhões de euros na nossa fábrica de Azeitão, que emprega cerca de 450 pessoas, e temos um plano de investimento para os próximos anos. Contudo, fomos surpreendidos por uma situação nova, que altera as condições de mercado nas quais atuávamos”.
Para a empresa, este imposto representa “uma ameaça real” embora considere prematuro descrever com rigor que impactos terá na atividade. “Temos de avaliar as novas condições e ver quais as adaptações necessárias para podermos continuar a implementar o nosso plano de negócios. Ao sermos agora confrontados com um novo cenário, teremos de fazer uma reflexão e reavaliar toda a situação para ver como nos podemos adaptar”.
Depois de ter sido aprovado na generalidade, o Orçamento de Estado para 2017 está a ser debatido na especialidade, sendo que as propostas de alteração às medidas podem ser apresentadas até dia 18 de novembro.
Cervejeiros e espirituosas também protestam
Dentro da indústria de bebidas, vozes de descontentamento chegam ainda do setor das alcoólicas. O setor cervejeiro nacional “está profundamente desiludido”, considerando “injustificável que na proposta apresentada de OE a cerveja não seja preservada em termos fiscais, enquanto setor estratégico a proteger e vital para a economia nacional, à semelhança do que se fez e continua a fazer-se com o setor do vinho”, explica ao HIPERSUPER Francisco Gírio, secretário-geral da APCV (Associação Portuguesa dos Produtores de Cerveja).
O imposto para bebidas alcoólicas (IABA) vai aumentar 3% para as bebidas alcoólicas e espirituosas, deixando no entanto o vinho de fora. O responsável da associação lamenta que os cervejeiros nacionais recebam “um tratamento fiscal idêntico ao de bebidas importadas e com reduzida expressão de fileira em Portugal, como é o caso das bebidas espirituosas e destiladas”.
O setor de cerveja acumula vendas em Portugal de 252,3 milhões de euros no ano móvel findo a abril passado, ainda segundo dados da Nielsen.
O Governo prevê arrecadar um total de 80 milhões de euros no próximo ano com o aumento do imposto. Porém, “nos últimos cinco anos, os sucessivos aumentos do IABA totalizaram 26,89% [3,89% em 2011, 7,5% em 2012 e 2013, 5% em 2014 e 3% em 2015], traduzindo-se numa perda de mais de 87 milhões de euros em receita para o Estado”, nas contas de Catarina Santos, diretora de Marketing da distribuidora de bebidas PrimeDrinks.
A ANCEVE (Associação Nacional de Comerciantes e Exportadores de Vinho e Espirituosas), por sua vez, tem tentado sensibilizar os grupos parlamentares para as “consequências negativas” que a medida acarreta a montante e a jusante da cadeia de produção. “Fomenta a economia paralela e potencia aatividade transfronteiriça”, além de promover uma “quebra de competitividade face a outros países do Sul da Europa, objeto de cargas fiscais mais suaves”. Paulo Amorim, Presidente da ANCEVE, revela, no entanto, que pelo menos três partidos se “mostram inflexíveis”.