O retalho segundo a nova geração de profissionais
A visão de um jovem profissional e de um estudante, ambos com 24 anos, sobre o presente e o futuro do retalho nacional
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“Não faço compras online, vou sempre às lojas físicas. E, em 2040, já perto dos 50 anos, prevejo que também não usarei a internet para fazer compras. Aliás, tenho a certeza. Vou querer ir à loja e ser atendido por pessoas”, revela em entrevista ao Hipersuper José Louro, 24 anos, desde julho ‘assistent brand manager’ na Jerónimo Martins Distribuição (JMD), empresa do grupo português que se dedica à distribuição no mercado nacional de marcas internacionais de grande consumo, como a Kelloggs, a Pringles e a Heinz, por exemplo.
Tem a certeza? “Sim, somos portugueses e, como tal, temos um estilo de vida próprio na forma como lidamos com as pessoas. Penso que não vamos ser atendidos por robots. Quem nos vai dar os bons dias? Tal como eu, em 2040, os meus primos e amigos serão seniores e precisarão de companhia. Nós vemos isso hoje nas aldeias. Quem vive sozinho, encontra companhia apenas quando vai ao café e ao supermercado. Este fenómeno alargar-se-á aos centros de cidade. Além disso, os portugueses gostam de ver e mexer no que compram. E hoje já vemos pouca gente a atender. O que pode assustar um pouco os consumidores por que não temos a quem perguntar onde encontrar determinado produto na loja”, por exemplo. “Embora a tendência seja diminuir o número de pessoas que vão fisicamente às lojas, o ponto de venda manterá o seu valor”, sentencia.
Atualmente, as pequenas mercearias “dependem completamente da relação que têm com os clientes. Também os supermercados, em zonas mais centrais, têm hoje uma ligação ao bairro e é essa conexão que faz com que as lojas se mantenham vivas. Assistimos à tendência para a criação de pequenas mercearias que, apesar de terem uma gestão mais moderna e organizada, acabam muito por ter este espírito de bairro porque as pessoas que as lideram são os donos” que sabem de cor a importância destas relações para um negócio bem-sucedido.
Lojas físicas = Interação humana
As lojas físicas perderão preponderância nas decisões de compra face a novas e, cada vez mais, alternativas, mas o seu papel no futuro “será essencial no que diz respeito à interação humana que proporciona aos consumidores”. Na visão de João Martins de Sousa, aluno de segundo ano do mestrado em Gestão da Universidade Católica Portuguesa, o chamado ‘need-for-touch’ é “fundamental para a grande maioria das pessoas”.
Como serão as lojas daqui a 25 anos? “Não sei, parece-me um período demasiado longínquo para fazer qualquer tipo de previsão. Atualmente, e face ao exponencial da tecnologia e dos mercados, torna-se até difícil fazer previsões a 10 anos. Aquilo que me parece ser mais importante é a capacidade de as empresas, de forma constante, se adaptarem a novos desafios e medirem bem cada investimento que fazem”.
João Sousa pensa que o setor do retalho português está mais saturado comparando com outros países europeus no que diz respeito à oferta e à procura. “Ou seja, existe talvez mais quantidade do que qualidade”, explica.
“É um mercado extremamente competitivo, com pouca quota de mercado a conquistar, quer estejamos a considerar o retalho no setor da alimentação, do vestuário ou da banca. Nesses setores, o mercado encontra-se saturado e para as empresas singrarem parece-me evidente que terão de ser mais competitivas e adquirir quota de mercado a empresas concorrentes”.
Em constante “movimento e adaptação”, o mercado retalhista apresenta também oportunidades, defende o estudante. “Nos setores do entretenimento e eletrónica de consumo, por exemplo, existem novos mercados a explorar, fruto de uma evolução mais rápida das necessidades dos consumidores. É neste ponto que as empresas devem focar-se: na procura daquilo que o cliente precisa ou valoriza, dentro do âmbito do que é mais conveniente, do que é mais rápido e do que permite informação mais completa, entre outros”.
Experiência como fornecedor e retalhista
José Louro entrou no grupo Jerónimo Martins, como estagiário, há cerca de dois anos. Passou pelos supermercados Pingo Doce, pelo operador grossista Recheio e é desde há quatro meses assistente de gestor de marca na JMD. “Penso atualmente este mercado através de duas perspetivas. Por um lado, como já estive do lado do retalho percebo a importância de transmitir valor para o consumidor final, trabalho hoje feito através das promoções. Mas, por outro, agora que estou do lado do fornecedor, consigo perceber o impacto que o tipo de promoção utilizado tem nas marcas. No limite, o nosso foco deve estar no consumidor final e tanto as marcas como os retalhistas trabalham para entregar esse valor ao consumidor. Há marcas fortes que estão a ser levadas ao limite, mas é a única maneira que encontraram de reagir no mercado português”.
O retalho em Portugal é dominado por dois grandes ‘players’, “a concorrência entre os dois é fortíssima”. Os dois “conseguem definir a estratégia do mercado em geral e nesta competição acabam por ditar as regras. E tem sido uma guerra cada vez mais forte e intensa, nomeadamente ao nível do preço e das ações promocionais”.
Falar de retalho hoje é falar de promoções, considera. Enquanto os retalhistas em Espanha “estão a conseguir ultrapassar este frenesim promocional”, em Portugal, “se abrimos um folheto, vemos que metade dos produtos estão com 50% de desconto”.
O retalho nacional não se resume, no entanto, a promoções e descontos. Há três fatores essenciais na compra: deve ser rápida, o atendimento feito de forma simpática e atenciosa, com alguma personalização, e ter à disposição os produtos que se pretende comprar. O mercado português consegue “rapidamente dar resposta” aos três “com facilidade”. No que diz respeito à rapidez, a tecnologia será “certamente o maior influenciador”.
“Hoje já é possível ao consumidor ter a experiência de passar os artigos na caixa, mesmo que leve mais algum tempo a pessoa não se sente incomodada com ela própria. Já tive a experiência de estar na caixa. Estar a mexer em dinheiro e ter uma fila de cinco pessoas a olhar para nós, com pressa…é uma pressão inacreditável”.
Além da rapidez, uma vez que o “circuito de compra em loja está hoje bem organizado”, é preciso agora “criar mecanismos e inovação que permitam ao consumidor visualizar rapidamente o que quer e ter capacidade para colocar de imediato o produto no carrinho, comprar e pagar”, sublinha o ‘assistant brand manager’.
As ruturas de stock são mais um fator crítico. A tecnologia terá certamente também um papel muito importante na reposição dos produtos nas prateleiras. “Em 2040, provavelmente haverá um mecanismo automático que permitirá ir ao armazém buscar o produto e repô-lo no linear”. Difícil será gerir a maneira como a palete sai do armazém central. “Se a palete é montada com a mesma sequência da loja, quando chega à placa de venda basta arrastar e colocar os produtos no sítio certo. Isto não é feito hoje. Se um programa de robot, por exemplo, conseguir identificar os artigos e a sequência que devem ter para uma reposição eficaz” é provável que assim seja feita a reposição no futuro. “Mas é preciso já hoje garantir que o produto está sempre disponível para o cliente, o que às vezes não acontece”, defende José Louro.
Acrescentar valor ao online
Apesar de as pessoas serem fundamentais no atendimento, “no futuro pode fazer sentido que existam máquinas no ponto de venda que indiquem a localização dos produtos, as suas propriedades ou a informação nutricional, por exemplo. A grande dúvida é quem terá de fazer esse investimento, as marcas ou os retalhistas?”, questiona o assistente de gestor de marca na JMD, sem, no entanto, dar resposta à pergunta.
Apesar de não fazer hoje compras online nem se ver a fazê-lo futuro, José Louro reconhece o valor do comércio eletrónico. Uma pessoa que “não tenha disponibilidade para se deslocar à loja, deve ter a possibilidade de fazer uma compra rápida online, em minutos”. As pessoas têm e querem perder cada vez menos tempo nas compras. “Mas tem de haver uma forma de acrescentar valor a este processo. Na loja somos bombardeados com folhetos e campanhas promocionais. Luz, som e imagem que nos chamam a atenção. No online é preciso captar os consumidores que vão diretos à lista habitual de compras. Este trabalho deve ser feito pelas marcas presentes para dar a conhecer a inovação. Não é tarefa fácil, pode ser através da oferta de amostras e produtos”, por exemplo.
Neste contexto, só vão “sobreviver os retalhistas que conseguirem realmente antecipar as necessidades dos consumidores e reunir o máximo de serviços próximo ou dentro dos espaços comerciais, como a banca dos jornais ou os restaurantes, para trazer pessoas à loja”.
Paixão pelo marketing e vendas
José Louro tirou uma licenciatura e mestrado em gestão, na Universidade Nova de Lisboa, com uma especialização em negócios marítimos. “Na especialização acabei por fazer uma tese muito ligada ao marketing”, através do desenvolvimento de uma marca para os produtos da ria de Aveiro. “Criámos um logotipo para identificar os produtos pertencentes à região ou ligados à ria ou ao mar e desenvolvemos o posicionamento da marca”. Começa aqui a sua paixão pelo marketing e pela área comercial.
Terminado o mestrado, o jovem profissional participou durante seis meses num projeto de voluntariado em África, ligado ao empreendedorismo, gestão e desenvolvimento de negócios. Quando regressou ao País, há cerca de dois anos, entrou no Grupo Jerónimo Martins (JM), como estagiário na área do marketing, na insígnia de distribuição grossista Recheio. Uma vez na empresa, tomou conhecimento do programa de ‘trainee’ e candidatou-se. Ao abrigo deste programa, todos os anos, entram 15 jovens para o grupo e estão ao longo de 12 meses a percorrer as diversas áreas de negócio. “Passei pelo Pingo Doce, pelas várias lojas e departamentos, pelo Recheio, onde experimentei todas as secções, desde a peixaria aos produtos frescos. No fundo, esta experiência serve para percebermos o grupo como um todo e identificar quais as nossas potencialidades na empresa mais a longo do que a curto prazo. Conseguimos ter a visão completa: desde as operações, passando pelo marketing e logística e terminado nas finanças. Neste momento, estou na minha primeira função na área do marketing”.
Nesta primeira função é ‘assistent brand manager’ de cinco marcas de duas categorias: chocolate (Lindt, Merci e caramelos Werther’s Original) e bebidas (sumo Sunquick e água Evian). “Apesar de ser assistente de gestor de produto, tenho uma marca, dita mais pequena, para desenvolver a capacidade de trabalho em gestão de marca. Tenho alguma autonomia e sou já o contato direto com a marca”, explica.
Novas e velhas gerações
O que faz na prática no dia a dia? “Sou o intermediário entre as empresas que representamos, localizadas em Espanha e na Dinamarca, e a JMD. Não tenho ligação com os canais de distribuição alimentar. Mostrar à equipa de vendas o que existe de produto, inovação e ‘pricing’ é uma das tarefas. Depois, as vendas dão o passo final para chegar ao operador de retalho ou grossista. Além disso, tenho a responsabilidade de gerir a relação com as vendas, a logística, o serviço de apoio ao cliente e o departamento financeiro. Lidamos com a gestão da marca diariamente, nomeadamente no controlo do orçamento da marca, na definição dos planos anuais e na estratégia de marketing”.
Para um jovem que começou a estagiar há cerca dois anos no mercado da distribuição alimentar e que atualmente gere de marcas de grande consumo, quais são as principais diferenças geracionais na forma de trabalhar? “Entrei para um grupo antigo onde a maior parte dos colaboradores já estão na empresa há algum tempo. Logo no início fomos treinados para falar com todos os colaboradores, identificando as suas funções. Tive a oportunidade de fazer uma apresentação aos CEO do Pingo Doce, Recheio e JMD. O que isto implicou? Uma preparação sobre cada uma das áreas dessas empresas e depois uma apresentação formal com algumas novidade e ideias para o grupo”. Sendo “novo” no negócio, os ‘inputs’ são “bem-vindos”. Mesmo que seja algo que já ouviram, “é sempre uma perspetiva nova de alguém que está a entrar de fresco”. Embora também haja casos em que prevaleceu a liderança do mais velho porque não queria mudar. “A resistência à mudança é normal num negócio com muitos anos e com pessoas com muita experiência”.
Em matéria de novas tecnologias, as pessoas mais velhas manifestam muito interesse em ouvir os jovens. Então “se, através de gráficos e imagens, formos capazes de mostrar as vantagens e impactos reais para a empresa”, rapidamente as ideias se fazem valer, remata José Louro.
Questões como a inconveniência da deslocação à loja, as condições de atendimento e o conhecimento dos colaboradores no ponto de venda, no caso das lojas físicas, e a privacidade e a consistência do serviço, como as características fidedignas dos produtos e a consistência de preço, no canal online, são fundamentais já nos dias de hoje, resume João Sousa.
A capacidade de adaptação das empresas a novos desafios de forma constante, desde logo medindo bem os investimentos que fazem, é um dos principais desafios do setor do retalho, considera o estudante da Católica. “Todo o investimento em novos processos deve possuir um plano de saída/desinvestimento bem delineado à partida, seja em matéria de recursos humanos, marketing, distribuição de produtos, entre muitos outros”, vaticina.