“Angola is not for sissies”, por Pedro Miguel Silva (Deloitte)
“Em alguns sectores, Angola tem evoluído a um ritmo quase exponencial, saltando etapas e aprendendo com a experiência de outros países. O sector da Distribuição é um exemplo: a dinâmica deste sector nos últimos cinco anos tem sido impressionante, impulsionada pelo aumento do rendimento disponível da população e pelos esforços públicos e privados para formalizar as estruturas de comércio”
Rita Gonçalves
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Por Pedro Miguel Silva, Associate Partner da Deloitte*
Quem tem a oportunidade de ir conhecendo, frequentando e vivendo Angola tem experienciado, nos últimos anos, um país diferente e que se reinventa regularmente. Um país que esteve cerca de 27 anos em guerra civil, que herdou muitas dificuldades próprias deste contexto, mas que tem investido na criação de condições para o seu desenvolvimento.
Um país extenso em área, população e juventude e que cresce a um ritmo superior a muitas economias africanas, muito alavancado no desempenho do sector petrolífero, mas consciente da necessidade de desenvolver e investir noutros sectores para o desenvolvimento de uma economia sustentável.
Em alguns sectores, Angola tem evoluído a um ritmo quase exponencial, saltando etapas e aprendendo com a experiência de outros países. O sector da Distribuição é um exemplo: a dinâmica deste sector nos últimos cinco anos tem sido impressionante, impulsionada pelo aumento do rendimento disponível da população e pelos esforços públicos e privados para formalizar as estruturas de comércio.
O recente abrandamento das receitas do petróleo gerou uma crise de divisas e uma necessidade premente de reformas com vista a atingir um excedente orçamental de médio prazo e uma maior diversificação económica. No curto prazo, e enquanto as reformas não produzirem os resultados esperados, as dificuldades macroeconómicas deverão continuar.
Neste quadro de menor optimismo, haverá um abrandamento das importações e uma dificuldade em manter o ritmo de expansão do sector da Distribuição. O sector apresenta um maior risco mas os fundamentos de mercado mantêm-se.
Comércio informal: um subproduto da guerra civil
A experiência da guerra desenhou padrões de consumo que se encontram ainda hoje profundamente entranhados no país. A escassez e incerteza do abastecimento de bens criaram na população o hábito de comprar produtos alimentares em grandes quantidades e a armazená-los até novo fornecimento. Neste contexto emergiram os grandes grupos grossistas que, através de uma estrutura de sourcing internacional verticalmente integrada e de uma rede de armazéns distribuída pelo país, ainda hoje dominam o comércio alimentar, em particular fora de Luanda.
A venda ambulante e informal, vulgo “zungueiras”, assegurava a distribuição de proximidade, tornando o mercado um pouco mais fluído. À medida que os fluxos de mercadorias estabilizam, em resultado da maior estabilidade política e cambial e da normalização dos processos alfandegários, e que o crescimento económico do país se começa a materializar numa classe média mais informada e exigente, tornam-se viáveis novos conceitos de retalho mais familiares à Distribuição Moderna, diminuindo a dependência do comércio grossista e do mercado informal.
O advento da Distribuição Moderna
Restabelecida a paz, assiste-se também a uma maior consciencialização pública para a necessidade de formalizar o comércio alimentar e desenvolver infraestruturas de suporte, materializada em programas estatais como o PRESILD – Programa para Reestruturação da Rede Integrada de Logística e Distribuição. Embora a eficácia deste programa tenha sido limitada, evidenciou contudo a existência de uma procura latente do consumidor angolano por uma maior variedade e diversidade de oferta que não era endereçada pelas estruturas de comércio presentes à data no país.
É sobretudo a partir de 2011 que o formato retalhista se começa a credibilizar como alternativa ao comércio informal para o consumidor angolano. A entrada da insígnia angolana Kero traz uma nova dinâmica ao formato hiper, o qual não sofria desenvolvimentos desde a abertura quase 40 anos antes do Jumbo. Quatro anos volvidos, o Kero conta hoje com 10 lojas, das quais 8 hipers, nas províncias de Luanda e Benguela.
O crescimento do formato hiper resultou também num maior investimento nas categorias não alimentares, com destaque para o têxtil, electrónica e decoração.
Neste período o ritmo de expansão da Distribuição Moderna intensificou-se, particularmente em Luanda, via a expansão de cadeias de retalho como o Kero, Nosso Super, Casa dos Frescos e Shoprite, assim como de operadores com um formato de venda menos especializado que combinam a venda a retalho com uma oferta e um ambiente de loja mais próximos de um cash & carry. Enquadram-se nesta categoria insígnias como Maxi, Mega, Alimenta Angola, Deskontão e USave.
Sendo o formato dominante ainda o das grandes lojas, começa-se também a assistir a alguns esforços para desenvolver uma oferta de proximidade orientada para os bairros de Luanda onde residem as famílias com menor rendimento e menor mobilidade para se deslocar e abastecer nas redes existentes. Num exemplo de um salto geracional alimentado pela experiência em outros países, o Mega tem vindo a desenvolver a rede Bem Me Quer, composta por pequenas lojas de bairro abastecidas em exclusividade a troco do investimento inicial na remodelação da gama e visual da loja.
Um novo consumidor angolano
Se a oferta tem vindo a sofrer um significativo processo de actualização, a procura também sofreu uma importante transformação resultante do crescimento demográfico, traduzido numa pirâmide etária larga na base em que perto de 60% da população tem 21 anos ou menos, e do incremento do rendimento médio das famílias, o qual mais que duplicou em termos reais nos últimos 10 anos.
A maioria dos angolanos acredita que o seu futuro vai ser melhor que o dos seus pais e quer aproveitar os dividendos que a paz oferece. Esta jovialidade e ânsia de viver gera algum culto da aparência e novas formas de consumo e lazer. Há igualmente um desejo latente de ascensão social que faz de Portugal, Brasil e outros países culturalmente mais próximos uma referência. O novo consumidor angolano valoriza não só a disponibilidade e o preço mas também progressivamente a experiência de compra proporcionada pelo ambiente de loja e variedade de oferta da Distribuição Moderna.
Com 13,5 vezes a área de Portugal e 2,5 vezes a sua população, Angola é contudo um país demasiado extenso e diverso para ser resumido a um único padrão de consumo. O consumidor de Luanda é diferente do consumidor do Namibe. E em Luanda, o consumidor do Cazenga é com certeza diferente do consumidor de Talatona.
Sendo o retalho um negócio de proximidade, muito sensível ao contexto local, nomeadamente às preferências e gostos da população, é importante conhecer-se o mercado e o seu consumidor para melhor se adaptar a oferta às características locais e optimizar a operação face à constante actualização do mercado. Não é possível agir apenas pelos media e por alegorias sobre os movimentos do consumidor. É necessário desenvolver “insights” relevantes e accionáveis com recurso a equipas locais capazes de entrar nos bairros e nas novas centralidades e captar em primeira mão os hábitos e aspirações do consumidor.
Um caminho ainda longo a percorrer
Se o sector tem vindo a evoluir a um ritmo significativo nos últimos anos, acreditamos que existe ainda potencial de evolução e oportunidades significativas a capitalizar através de uma abordagem eficaz aos principais desafios que se colocam ainda ao sector.
Um dos principais desafios de Angola, transversal a todos os sectores, é o desenvolvimento e retenção de pessoas, ampliado no contexto da distribuição pelas necessidades específicas de eficiência e dedicação. Sendo, do ponto de vista da remuneração, um sector pouco atraente para quadros qualificados face à indústria petrolífera e aos serviços financeiros, por exemplo, é também dos que mais lhes exige em termos de produtividade, disciplina e rapidez de aprendizagem.
A dependência das importações é também uma barreira ao desenvolvimento sustentável do sector, reflectindo-se num acréscimo significativo de custos para o consumidor final, os quais são agravados pela actual escassez de divisas e desvalorização da moeda local. A Distribuição Moderna leva neste momento vários anos de vantagem sobre a produção nacional e tem por isso a responsabilidade acrescida, tornada necessidade premente pela actual conjuntura, de actuar como vector de desenvolvimento desse sector através da partilha de investimentos e transmissão de competências. O Estado tem também um papel importante a desempenhar na promoção de um ambiente económico e fiscal favorável à entrada no país de investimentos e competências nos sectores primário e secundário, não bastando combater as importações via elevadas tarifas alfandegárias ou imposição de quotas.
Por último, e tendo em conta que outros centros populacionais com alguma dimensão não dispõem ainda de estruturas adequadas de comércio formal, importa endereçar alguns desafios específicos do abastecimento às províncias por forma a potenciar o investimento nessas localizações. O transporte de mercadorias mantém-se como uma das principais dificuldades do sector e uma das principais rubricas de custo da operação em Angola, em resultado das significativas limitações das redes viária e ferroviária do país.
Perspectivas favoráveis a um investimento selectivo e de longo prazo
Apesar dos riscos inerentes ao mercado Angolano e, em particular, ao sector da Distribuição, acreditamos que persistem um número significativo de oportunidades relevantes que resultam sobretudo da capacidade de identificar soluções criativas para mitigação dos riscos identificados e da aposta em segmentos de procura ainda não suficientemente satisfeitos pela oferta local.
Neste contexto, e sendo expectável que se mantenha a expansão das cadeias existentes como Kero, Nosso Super e Deskontão/ Mel e a entrada de novas cadeias, acreditamos que as maiores oportunidades estarão no retalho não alimentar, nomeadamente moda, lar e electrónica. A classe média emergente, mais afluente, urbana e conectada que a geração anterior, aliada ao surgimento de novos espaços comerciais nos principais centros populacionais, constitui o principal motor para a expansão e diversificação da oferta nestes segmentos.
No retalho alimentar, mantém-se insuficiente a oferta de estruturas formais de comércio nas principais cidades fora de Luanda em particular Benguela, Lobito, Huambo e Lubango pelo que, endereçados os constrangimentos específicos de servir cada uma destas cidades, as mesmas poderão constituir um mercado atractivo para operadores novos ou existentes. Já o mercado de Luanda deverá ser abordado de forma mais selectiva, sob risco de se enveredar por uma lógica de pura imitação dos conceitos existentes aliada a uma guerra de preços sem sentido. Sendo óbvio que a competição de preço favorece o consumidor angolano, acreditamos que este procure também uma maior diversidade e variedade de oferta servida por redes de distribuição cada vez mais distintivas, próximas e ajustadas aos hábitos e atitudes locais.
A redução do preço do petróleo colocou muita pressão na economia angolana e em particular no sector da Distribuição. A economia passou de um crescimento real anual de 7 a 8% para taxas em redor dos 3%, ainda assim superior à generalidade das economias mais desenvolvidas. Acreditamos contudo que, no médio e longo prazo, este mercado continuará a ser um dos mais apetecíveis para a produção e distribuição de bens de consumo, não só pela sua dimensão e perspectivas de crescimento, mas também pela abertura do consumidor angolano à novidade e à experimentação.
Caberá a cada um ter o engenho para encontrar o seu caminho e a persistência necessária para percorrê-lo.
Nas palavras imortais de Whitey Basson, CEO da Shoprite, “Africa is not for sissies”.
*com Diana Barcelos e Filipe Charters de Azevedo
Os autores escrevem segundo o antigo acordo ortográfico