“Administração pública continua a secundarizar o comércio em Portugal”
O comércio em Portugal continua a ser secundarizado por parte das administrações – central e local, defende em entrevista ao HIPERSUPER João Barreta, autor do livro “Comércio de Proximidade e Regeneração Urbana”
Rita Gonçalves
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Entrevista a João Barreta, autor do livro “Comércio de Proximidade e Regeneração Urbana”
O comércio em Portugal continua a ser secundarizado por parte das administrações – central e local, defende João Barreta, autor do livro “Comércio de Proximidade e Regeneração Urbana”.
É urgente a regeneração urbana das áreas comerciais em Portugal?
A regeneração urbana das áreas comerciais será uma urgência, ainda maior, desde que se perceba que é pouco inteligente querer regenerar as áreas centrais das cidades sem ponderar a importância e os potenciais contributos do comércio instalado nessas zonas. Sem enveredar por esse tipo de discussão, o conceito de regeneração urbana, bem mais vasto do que a revitalização, a requalificação ou a reabilitação, remete-nos para uma abordagem mais integrada (social, cultural, patrimonial, económica, …, e política) e multidisciplinar (arquitectura, economia, gestão, engenharia, ambiente, geografia, …, e política), daí que seja, no mínimo, incompreensível a postura dos vários poderes em relação à matéria, seja ao nível da administração central, seja ao nível das autarquias. Uns e outros, pura e simplesmente, não têm concedido ao comércio a atenção que este justifica merecer. Infelizmente em Portugal perde-se muito tempo a discutir aspectos de forma e depois quase sempre chega-se demasiado tarde à discussão dos conteúdos.
A urgência, e não querendo ser alarmista, é por isso extrema, quando todos já terão percebido que estará em causa o próprio futuro do centro das nossas cidades. Há que saber pensar o conjunto (áreas centrais das cidades e as actividades económicas), e trabalhá-lo como tal.
Qualquer autarca que reflicta sobre a importância dos principais núcleos comerciais da sua cidade e verifique, entre outros, o respectivo valor do IMI cobrado, o IRC cobrado (às empresas instaladas), o emprego gerado, a animação e a vida urbana, os fluxos produzidos, a atracção exercida, os consumos, entre outros, decerto passará a ver com outros olhos a necessidade imperiosa de agir, reunir vontades e captar capital e competências com vista a regenerar o seu comércio e o espaço urbano em que o mesmo se integra.
Qual o estado de arte deste sector?
Tem-se apostado mais em algumas derivações, chamemos-lhe assim, da regeneração urbana, isto é, temos exemplos de projectos de revitalização, de requalificação e de reabilitação urbana, com bons resultados ao nível da qualificação e funcionalidade dos espaços públicos, em várias cidades de Portugal, mas ao nível das áreas comerciais e da sua revitalização, apenas há que destacar o trabalho realizado no âmbito do PROCOM e do URBCOM.
Têm faltado as tais intervenções de cariz integrado e integrador que contemplem as várias valências das áreas centrais das cidades, incluindo as actividades económicas locais instaladas, como parceiro e promotor de projecto.
Uma das lacunas mais focadas na década de 90, aquando da implementação de projectos ao abrigo do PROCOM, referia-se ao facto de se modernizar as lojas, deixando os restantes pisos do respectivo prédio a aguardar por qualquer outro programa de incentivos (RECRIA, por exemplo). Muitas vezes, esse programa “complementar” até existia (embora de âmbito distinto, como o PROSIURB, por exemplo), mas a máquina da administração central sempre se encarregou da exclusão, da não elegibilidade, da falta de fundos, enfim, de uma burocracia sempre castradora.
Costumo dizer que ao sector do comércio, dito de proximidade, desde que não o empatem, já seria decerto uma boa ajuda. Facto que não tem ocorrido.
Ainda que se trate de matéria, no mínimo, discutível, o comércio como sector de actividade económica justificará que os poderes e/ou parceiros públicos acompanhem a dinâmica evidenciada por actores privados, facilitando a instalação, regulando o funcionamento, acompanhando a actividade, incentivando o empreendedorismo, fomentando a inovação, promovendo a criatividade, enfim, reconhecendo-lhe importância e o seu papel estratégico na economia local, regional e nacional. Podendo não ser suficiente, decerto é necessário para que o estado da arte não se mantenha “estático” e se possa vir a revelar mais dinâmico, sob pena de continuarmos a fazer mais diagnósticos e nunca chegarmos a planos de acção efectiva.
O que está a ser feito actualmente em Portugal nesta matéria?
Como referi, parece continuar-se a trabalhar de forma pouco integrada. Além do facto do comércio continuar a ser secundarizado, seja por parte das Administrações – central e local, há factos indesmentíveis que nos fazem pensar.
Cito apenas duas situações – por exemplo, atente-se na esfera de competências, em matéria de comércio, da Administração central e das Câmaras Municipais, e veja-se, depois, a sua tradução efectiva nas orgânicas dos respectivos serviços. Um verdadeiro deserto. Esta situação lamentável tem contribuído igualmente para uma desmobilização dos vários actores (envolvidos e/ou a envolver) nestas questões. Quantas autarquias prevêem na sua orgânica uma unidade orgânica que “trabalhe” o comércio? Quantos os presidentes de câmara que detêm o pelouro das actividades económicas/comércio (quando este existe!)?
Uma outra situação relaciona-se com o “desenho” de programas de incentivos, onde se tem verificado (e mantém-se) uma total falta de sensibilidade para ligar os incentivos ao comércio a outros incentivos direccionados para intervenções nos espaços públicos – foi assim no passado com o POLIS e o PROCOM/URBCOM, é assim, no presente, com o Comércio Investe, e caso nada seja feito, continuará assim até ao fim do novo QREN.
Quais os principais desafios?
Centrando-me mais no sector do Comércio, partindo do princípio que o inovador, o empreendedor e o criativo terá de ser, em primeiro lugar, o comerciante/empresário/investidor, o desafio residirá na criação das condições de partida, por parte da Administração (central e local). Se permanecerem dificuldades e/ou entraves ao nível de financiamentos (e/ou incentivos) ao tecido empresarial, ao nível dos licenciamentos das actividades económicas, ao nível do quadro legal contabilístico-fiscal, ao nível do mercado laboral, ao nível do próprio funcionamento da justiça, entre outras situações sobejamente conhecidas, a capacidade de inovar e empreender surgirá, claramente, prejudicada, pelo que o desafio é quase insuperável.
Julgo que ainda vamos a tempo de conseguir conectar novos incentivos à regeneração urbana e novos incentivos ao comércio de proximidade, articulando-os, fomentando a sua complementaridade e premiando os projectos que tenham subjacente uma estratégia para as áreas comerciais do centro das nossas urbes.
Face às actuais características da procura, suas necessidades e exigências, as áreas comerciais das nossas cidades têm de ser dotadas não só daquilo que os centros comerciais têm para oferecer (diversidade e complementaridade da oferta, serviços, estacionamento, vigilância, segurança, limpeza, animação e gestão comum), mas também ter uma estratégia definida e um plano de acção que as suporte. As áreas centrais das nossas cidades são únicas e não replicáveis pelos centros comerciais, pelo que o esforço deve ser no sentido de atrair oferta(s) novas, distintivas e, obviamente, procuradas pelo cliente.
O dilema actual é – ou as áreas centrais com dimensão comercial relevante se afirmam pela qualidade da sua oferta global (comércio, serviços, espaço público, eventos, entre outros) ou perdem definitivamente a competição com as outras áreas comerciais (da periferia ou de outros concelhos de regiões vizinhas).
No entanto, neste campo faz todo o sentido saber tirar partido daquilo que tem sido o trabalho desenvolvido noutros países. Apesar de se apelar, tantas e tantas vezes, à inovação, ao empreendedorismo e à criatividade, talvez seja chegado o tempo de assumir que não importa fazer apenas o diferente, mas sim fazer aquilo que é raro (e desejado).
Qual é o principal entrave ao desenvolvimento do comércio de proximidade em Portugal, quer para os operadores já instalados quer para os potenciais investidores?
Actualmente, o principal entrave será o próprio mercado. A forte retracção do consumo não abre espaço para a instalação de novos operadores que obviamente demonstram algum receio em apostar em novos investimentos. Mas, há outros entraves que são conhecidos e em relação aos quais pouco se tem feito no sentido de os eliminar ou atenuar.
Além das questões apontadas anteriormente), há outras que importa realçar. A inexistência de políticas públicas para o sector do comércio, sejam elas provenientes da Administração central ou local, o facto de não se ter avançado (sequer pensado!) num plano global estratégico para o comércio ou planos regionais (locais) de desenvolvimento comercial, é revelador da completa ausência de se “pensar o comércio” no nosso país. O sucessivo adiamento de uma verdadeira política de ordenamento das actividades económicas (incluindo, naturalmente, o comércio) é outra evidência do facto de se relegar o sector para segundo plano, seja ao nível do ordenamento do território, da definição da política económica, e outras.
São entraves sérios e geradores de desconfiança e desincentivo.
Aponta soluções na sua obra para ultrapassar essas dificuldades?
O objectivo do trabalho não é propriamente a apresentação de soluções, uma vez que para cada situação, para cada cidade, para cada centro de cidade, haverá soluções específicas mais adequadas do que outras. Felizmente, não há duas cidades iguais, sendo que nem se poderá incorrer nessa tentação, ao nível da definição de soluções, sob pena de se perderem factores distintivos que se constituem como chave para a competitividade entre territórios. Há no entanto, princípios orientadores que têm demonstrado que a procura de equilíbrios e a crescente sensibilização dos actores para os problemas existentes, principalmente, para aquilo que deve ser o contributo do comércio de proximidade para a regeneração urbana do centro da cidade, a saber, “Grandes ruas necessitam de grandes campeões”, “(De)Ter uma visão (para o centro da urbe e para o comércio de proximidade)”, “Pensar a vertente residencial / habitação”, “Honrar o peão”, “Estacionar é poder”, “Negociar e melhorar pró-activamente”, “Fazer Acontecer”, “Ser limpo, seguro e amigável”, “Prolongar o dia pela noite” e “Gerir para a mudança”.
Saber distinguir entre “Gerir a Mudança” e “Gerir para a Mudança”, já se constituirá como um bom indício do conhecimento dos princípios enunciados e tidos como uma espécie dos dez “mandamentos” (apesar de tudo há que continuar a ter fé em quem assume responsabilidades na Administração) com vista à “regeneração” do comércio de proximidade. Não constituindo verdadeiras soluções, poderão constituir-se como parte das mesmas, ou pelo menos algo de inspirador.
A distribuição moderna – Sonae e JM – e o comércio organizado (SPAR, Covíran) estão a apostar na abertura de lojas de proximidade e conveniência nas principais cidades. Acredita que este dinamismo pode ajudar à regeneração do comércio tradicional em Portugal? Porquê?
Sim. Trata-se de uma resposta competente da distribuição, que apelida de moderna, e a que eu acrescentaria adaptada, na medida em que demonstra saber adequar-se aos tempos actuais e às respectivas exigências e necessidades da procura. Um dos aspectos para os quais este trabalho chama a atenção é o facto de que o comércio de proximidade é o comércio que está próximo, seja qual for o seu enquadramento ao nível de formato e/ou detentor do mesmo. Por vezes, exagera-se na atribuição de “rótulos” à actividade do retalho, basta recordar que andámos décadas a falar de um comércio tradicional, se bem que poucos saberão o que isso queria dizer. O que é que tradição tem de mal? Alguns até chegavam a contrapor a palavra modernidade à palavra tradição! Julgavam-nas incompatíveis? O tempo provará que não o são. Serão, mesmo, complementares. As novas e emergentes apostas da dita distribuição moderna, encarregar-se-ão de o demonstrar. A replicação de boas experiências, ao nível da abertura de lojas (ou conjunto de lojas) de conveniência (também pela sua proximidade) poderá constituir-se como factor indutor de uma nova dinâmica conducente a processos de regeneração do comércio nas áreas centrais das principais cidades. A distribuição moderna estuda os problemas, tira daí as consequências e faz por aproveitar as oportunidades. O comércio de proximidade tem os problemas, estuda as causas e ao que parece perde oportunidades.