Deolinda Silva, PortugalFoods, entrevista ao Hipersuper, Frame It
“O próximo grande desafio da indústria é capacitar as empresas para a sustentabilidade”
Capacitar as empresas para a sustentabilidade e o cumprimento das regras ESG é um grande desafio mas também um caminho sem retorno para a indústria agroalimentar nacional, sublinha Deolinda Silva, diretora executiva da Portugal Foods, em entrevista ao Hipersuper.
Ana Grácio Pinto
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Capacitar as empresas para a sustentabilidade e o cumprimento das regras ESG é um grande desafio mas também um caminho sem retorno para a indústria agroalimentar nacional, alerta Deolinda Silva, em entrevista ao Hipersuper. “É fundamental que as nossas empresas não percam o seu lugar na cadeia de abastecimento, porque quem não cumprir as exigências vai estar fora”, alerta a diretora executiva da PortugalFoods, a marca umbrella do agroalimentar nacional. Um setor que conseguiu na pandemia manter a postura de crescimento dos anos anteriores e que prevê fechar 2023 com números acima do ano anterior.
Fotografias Frame It
Formada em 2008 por empresas, entidades do sistema científico e tecnológico e associações regionais e nacionais, a PortugalFoods promove a inovação e a internacionalização das empresas de todo o agroalimentar português. É, portanto, a marca umbrella do setor e líder do Portuguese Agrofood Cluster, o cluster para o agroalimentar nacional, reconhecido publicamente pelo Governo em 2017. “É uma entidade que veio mudar um pouco a forma de trabalhar o setor, sobretudo a indústria alimentar e bebidas”, define Deolinda Silva, nesta entrevista ao Hipersuper, em que dá a conhecer algumas das atividades e projetos e mercados prioritários definidos para 2024.
Em que aspetos a PortugalFoods veio apoiar o setor agroalimentar nacional e alterar procedimentos e formas de trabalhar a produção?
A PortugalFoods celebrou 15 anos, uma data que muito nos orgulha pelo contributo ao setor agroalimentar. É uma entidade que veio mudar um pouco a forma de trabalhar o setor, sobretudo a indústria alimentar e bebidas. Propôs-se desde o início a reforçar a competitividade do setor, muito apoiada em dois eixos fundamentais: a inovação e a internacionalização.
Esta maneira de trabalhar estes dois eixos, faz com que a PortugalFoods seja diferenciadora e permita que as empresas, durante estes anos, tenham vindo a posicionar-se, a tornar-se mais resilientes e mais capazes de estar presentes nos mercados internacionais. A melhorar muito a qualidade dos seus produtos, a eficiência dos seus processos e a ter capacidade de estar em mercados onde já não se coloca a questão da sua qualidade. A excelência dos produtos portugueses é perfeitamente percetível, atualmente.
Portanto, demos o nosso contributo para a evolução extremamente positiva que tem acontecido no setor. Nomeadamente nos números da exportação.
Que papel tem tido na visibilidade e no posicionamento internacional do setor agroalimentar português e no seu crescimento na exportação?
Desde a primeira feira internacional que fizemos, em 2012, e que foi um processo de aprendizagem brutal, a evolução da nossa presença nos eventos internacionais tem sido incrível. Quer seja nas grandes feiras – como a Anuga ou a SIAL Paris onde estamos com uma mancha portuguesa de produtos que já marca a posição de Portugal como produtor de excelência – quer em outras ações. Temos um calendário bastante ambicioso de cerca de 20 ações por ano, desde missões empresariais a vários países a missões inversas com a vinda de compradores a Portugal. Tentamos inovar em ações em determinados mercados.
Por exemplo, foi bastante marcante este ano uma ação que dinamização no estado do Texas (EUA) junto de uma cadeia de retalho específica, e onde Portugal esteve presente durante 15 dias com uma oferta de produtos como nunca vi. Foi uma ação muito particular, voltada para o que aquele retalhista e aquele mercado pretendem. Os EUA é um dos mercados prioritários, sempre foi importante mas tem-se vindo a posicionar sobretudo no pós pandemia, e não pode ser pensado como um mercado único: tem vários mercados, várias cadeias de retalho, várias forma de trabalhar. E pensamos que essa capacidade de trabalhar caso a caso, ação a ação, será mais eficaz para as nossas empresas.
O facto de irem aos mercados debaixo do ‘chapéu’ de uma associação agregadora como a PortugalFoods, é um elemento facilitador?
Em qualquer ação, seja uma missão internacional ou um grande evento, a participação agregada é potenciadora da presença das empresas nesses mercados. Temos empresas com uma maturidade grande nestes processos de exportação e que, mesmo assim, preferem ir de forma agregada. Por outro lado, temos micro, pequenas e médias empresas que têm muito a ganhar em ir juntamente com outras empresas que já têm mais experiência nos mercados externos.
O Portuguese Agrofood Cluster, de que a PortugalFoods é promotor líder, é o cluster do agroalimentar nacional. O foco está na inovação do setor?
O Portuguese Agrofood Cluster foi reconhecido pelo Governo português em 2017. A PortugalFoods é a entidade gestora e este é o único cluster que é um consórcio, formado ainda pela Portugal Fresh – que trabalha muitíssimo bem a internacionalização das frutas, legumes e flores, o InovCluster, do Centro, e o AgroCluster, do Ribatejo. Tem uma dinâmica transversal ao setor que permite e permitirá no futuro, otimizar os recursos.
Tentamos ter um posicionamento homogéneo, concertado, para que não haja duplicação da utilização de recursos. Por exemplo, sabemos o que cada um está a fazer acerca da presença em feiras e noutro tipo de projetos.
Sem dúvida, na Portugal Foods e nas outras entidades do cluster, trabalhamos de forma muito específica a inovação, que é a base para que as empresas estejam presentes nos mercados com produtos novos, com processos mais eficientes. Tivemos dois grandes projetos mobilizadores muito interessantes, o MobFood e o Clean Label (cLabel+) que estão terminados mas esperamos continuar a poder concorrer aos mobilizadores porque são projetos que têm realmente um impacto muito grande no setor.
O projeto MobFood foi o primeiro e costumamos dizer que houve um antes e um pós MobFood. Teve um investimento total de cerca de 10 milhões de euros e agregou 44 empresas e universidades num consórcio que durante quatro/cinco anos esteve a desenvolver produtos, processos e criou sinergias que serão duradouras no tempo. Há um intangível deste projetos que faz com que todo o setor se movimente em termos de inovação, e no fundo também prepara melhor as empresas para os mercados externos.
Nesta dinâmica de colaboração e inovação, podia destacar ainda que fomos dinamizadores do pacto de inovação VIIAFOOD, uma agenda mobilizadora do PRR que tem um investimento total de 113 milhões de euros e que agrega 49 entidades – 29 empresas e 20 entidades do sistema científico e tecnológico nacional, universidades e centros de investigação.
É um projeto de grande dimensão e muito ambicioso, com quase dois anos de funcionamento e conclusão em 2025. Tem uma componente de investigação e desenvolvimento tecnológico, mas há, sobretudo, uma investimento grande em inovação produtiva.
Ter uma produção sustentável é e terá que ser um goal para as empresas produtoras nacionais. A PortugalFoods acompanha as empresas nesse ‘caminho sem retorno’?
O próximo grande desafio da indústria é capacitar as empresas para a sustentabilidade, para o cumprimento das regras ESG. É fundamental e estamos a trabalhar nisso com muito cuidado e muito rigor. É preciso capacitar primeiro as empresas em termos de informação e há bastantes verbas disponíveis através da Secretaria de Estado da Internacionalização e da AICEP. Inicialmente para a formação dos quadros das empresas, para a capacidade de uma empresas em fazer o seu diagnóstico e perceber como está em relação aos indicadores fundamentais para cumprir com as regras. E, a partir de 2025, apoios concretos para as empresas investirem e melhorarem os seus processos a nível do EGS.
É fundamental que as nossas empresas não percam o seu lugar na cadeia de abastecimento, porque quem não cumprir as exigências vai estar fora. As empresas exportadoras estão mais bem preparadas porque têm vindo a sentir esta pressão por parte dos retalhistas internacionais. Mas a partir de agora, não há só ‘pressão’, há regras e há metas. Por exemplo, o Green Deal na Europa (Pacto Ecológico Europeu), que tem metas muito ambiciosas, é algo a que temos que estar atentos. É, conforme referiu, um ponto sem retorno.
Num país maioritariamente de micro, pequenas e médias empresas, alterar procedimentos para uma produção mais sustentável acarreta investimentos, às vezes difíceis de comportar sem os apoios…
Exatamente. No fundo, o nosso papel é também esse, enquanto entidade facilitadora e dinamizadora que tem uma rede grande. Em termos de capacitação, promovemos workshops, eventos que transmitam, sobretudo às micro, pequenas e médias empresas, a informação necessária para começarem a agir. E com os projetos, montarmos dinâmicas que lhes permitam aceder a ferramentas para, por exemplo, criarem o seu relatório de sustentabilidade e apresentá-lo perante uma instituição de crédito, uma seguradora, um retalhista. No campo da exportação também são muito importantes as certificações, e a sustentabilidade está também presente nessa questão.
Escassez de mão de obra, fatores climáticos, aumento de inflação, problemas que se juntaram à já recorrente questão da burocracia e da carga fiscal… 2023 pode ser classificado como um ano desafiante para o setor agroalimentar exportador?
Todos os anos têm sido muito desafiantes. Podemos marcar a pandemia como o início de anos ainda mais desafiantes. As próprias exportações têm vindo a ter um comportamento muito interessante apesar de todas estas crises, na pandemia e no pós pandemia, a recuperar muito bem em 2021 e 2022, já com números bastante interessante, e a continuar a crescer em 2023.
Mas diria que a pandemia mostrou que o setor teve a capacidade e a flexibilidade de corresponder ao que lhe foi pedido, sobretudo em Portugal. Também tornou essas empresas mais resilientes, e é essa resiliência que está a permitir que o setor, apesar das dificuldades – do aumento da energia, do aumento dos combustíveis, da escassez de recursos humanos – esteja a ser capaz de manter números de produção e de exportação interessantes.
Na PortugalFoods há a preocupação com a formação de mão de obra na produção, na indústria?
Sim, temos vindo a pensar essa questão e em 2024 poderemos arrancar com a formação, se vier a existir um apoio aos clusters nestas áreas. Era algo que estava já previsto no Pacto Setorial para a Competitividade e Internacionalização que foi firmado, em tempos, com o Ministério da Economia. O objetivo é criar capacitação e formação específica. E num setor como o agroalimentar, que é composto por tantas fileiras, essa formação é ainda mais específica.
É claro que haverá sempre formação mais transversal, para a digitalização, para a sustentabilidade, mas há necessidade nalguns setores de haver formação específica. Por exemplo, no setor das carnes a questão dos cortes. Se houver essa capacitação, vamos poder melhorar ainda mais a qualidade.
É possível fazer uma avaliação de 2023 em termos de exportações? Relativamente a 2022 houve aumento de exportações?
Tentamos fazer sempre um paralelo com os números de 2019, o ano anterior à pandemia e quando as exportações no setor alimentar estavam a crescer a dois dígitos. Apesar da pandemia, o setor continuou a crescer, embora nos anos de 2020 e 2021 com uma desaceleração mas mesmo assim com números acima de 2019.
Em 2022 houve um fechar de ano com um valor em torno dos 8.6 mil milhões de euros e pensamos fechar 2023 com um número superior. De janeiro a setembro tivemos 6.6 mil milhões de euros, quando no mesmo período de 2022 representaram 6.2 mil milhões de euros.
Que produtos lideram as exportações portuguesas na indústria agroalimentar?
Normalmente, há pouca variação. O grupo mais exportado é sem dúvida o do vinho – onde entram também outro tipo de bebidas, como águas, os sumos, etc, mas com o vinho a ter o grande peso. Também o azeite, os frutos, peixe e crustáceos. Estes são os quatro grandes grupos exportadores. Depois, temos os produtos de padaria e pastelaria e as conservas de peixe. O setor conserveiro tem tido um comportamento incrível, tem crescido imenso e tem tido uma presença forte nas feiras. O azeite é outro setor que tem crescido muito a nível de exportação, porque Portugal tem-se afirmado como um produtor de excelência, com práticas agrícolas consideradas também de excelência a nível mundial.
Quais são os mercados internacionais em que Portugal mais poderá crescer? E por outro lado, quais são os que mais preocupam?
Nós queremos ter uma estratégia ainda mais específica para os mercados, em 2024. Queremos ser o ‘key account manager’, a referência do setor nos mercados onde estamos a trabalhar e em mercados de referência. Conforme foi lançado por Jorge Henriques, da FIPA e presidente do conselho estratégico do Portuguese Agrofood Cluster, ambicionamos alcançar os 10 mil milhões de euros em exportações, até 2030. Esperamos conseguir fazê-lo antes, mas é um número.
Para isso, estamos a atualizar a nossa estratégia de internacionalização e em 2024, durante o primeiro trimestre, iremos ter uma nova estratégia para apresentar ao setor. Em relação aos mercados mais promissores, manteria os EUA e iria para Japão, Coreia do Sul e outros mercados asiáticos, não descurando a Europa. O Reino Unido, apesar da crise que atravessa, continua a ser bastante interessante porque é um mercado que paga.
Depois, há várias preocupações. A Europa está a passar por um momento complicado, com a diminuição do poder de compra por causa da inflação, com uma diminuição do consumo, por exemplo, nos países nórdicos, na Alemanha. Preocupa-nos também Angola, um mercado importante para Portugal e que parecia estar a recuperar a capacidade de investimento das empresas portuguesas, mas com a questão cambial voltou a haver muita cautela.
A Ucrânia, a Rússia e Israel são mercados importantes?
Havia e existe exportação para a Ucrânia, assim como havia para a Rússia. Recordamos o célebre embargo da carne, numa altura em que estávamos com o mercado russo perfeitamente aberto para crescer e, de repente, se fechou.
Israel é um mercado muito interessante e continuamos a exportar para lá. Nós exportamos cerca de 30 milhões de euros para Israel. A grande maioria é referente a animais vivos, mas também há pequenas exportações importantes, como o arroz e as conservas. Apesar do que estamos a viver, os portos continuam abertos. Haverá mais ou menos dificuldades para chegar a determinados territórios, mas continuamos a exportar para Israel.
Muitas vezes, nestes tempos de guerra, há também algumas oportunidades para vários tipos de produtos, sobretudo os de cabaz básico como as conservas, que permitem criar stock.
E o Brasil, que foi um dos países com mais crescimento no 1º semestre de 2023? É um grande mercado, mas também muito protecionista…
É o nosso terceiro maior mercado de exportação, a seguir a Espanha e França. É um mercado muito complexo, mas no qual apostamos fortemente. Temos feito várias ações no Brasil, onde há uma grande feira, a APAS Show, em São Paulo. Gostaríamos de marcar presença nessa feira, em breve, com uma participação alimentar agregada.
É realmente um mercado excecional, mas onde tem que se ter muita resiliência porque é muito protecionista. Cria vários entraves na entrada dos produtos, mas uma vez entrando é um mercado com um potencial brutal pela sua dimensão.
O aparente regresso à estabilidade política em Espanha foi uma boa notícia…
Três quartos das nossas exportações vão para Espanha. Todas essas questões de contingência pontuais de mercado criam alguma apreensão, mas a dinâmica exportadora manteve-se e mantém-se e não será pela questão política que irá diminuir. Poderá ser, mais pelas questões económicas que têm assolado todos os países da Europa, nomeadamente Portugal. É um imenso mercado e muito apetecível. Marcamos presença nalgumas feiras.
A PortugalFoods esteve na Anuga, Alemanha, com 43 empresas debaixo do seu ‘chapéu’. A presença em certames no exterior vai continuar a ser uma aposta em 2024? Quais estão confirmados?
Os dois maiores eventos do setor alimentar, a nível mundial, são a Anuga, em Colónia, e a SIAL, em Paris. A Anuga é a maior feira do setor, mas onde não conseguimos crescer em espaço, senão levaríamos mais empresas. À SIAL levamos 65 empresas e esta acaba por ser a maior feira que fazemos. Está já confirmada a nossa presença na edição deste ano, que decorre em outubro.
Fechamos já a participação na Alimentária em Barcelona, em março, com a presença de pelo menos 20 empresas. Temos também já confirmada a presença da PortugalFoods na PLMA Amsterdão, em maio, que é sempre muito interessante: é a maior feira mundial de private label e altamente eficaz.
Vamos repetir, em março, a ida à Foodex Japan. Participação que queremos complementar com uma missão, com reuniões com compradores. Estamos a trabalhar com a embaixada, com o embaixador Vítor Sereno e o delegado da Aicep, Miguel Malheiro Garcia. O Japão é um mercado longínquo, difícil, mas com enorme potencial: é um mercado que paga, que procura sofisticação e produtos premium e nós temos muitos produtos que se diferenciam não pelo preço, mas pela qualidade e pelo posicionamento. Queremos ter, pelo menos, um recurso humano que irá ajudar as empresas no mercado. E depois, alavancar as nossas idas com eventos, porque o investimento que se faz tem que ser otimizado.
Como referi, estamos com uma dinâmica específica para EUA, Coreia do Sul e Japão, e queremos ter uma presença física nesses mercados. Vamos criar unidades de negócio nesses mercados, vamos querer estar sentados à mesa com retalhistas e a ajudar as empresas na entrada, nos seus processos de exportação, nas oportunidades de negócio.
Qual é a perceção junto dos importadores, acerca dos produtos ‘Made in Portugal’?
Os importadores conhecem muito bem os mercados e nos últimos 10,15 anos já somos reconhecidos como produtores de excelência. Somos um parceiro de confiança. A qualidade e a flexibilidade da nossa indústria é conhecida e muito apreciada pelos importadores. Somos capazes de nos adaptar a várias tipologias de encomendas, o que nem sempre acontece noutros mercados.
Já se me falasse nos consumidores, diria que temos ainda um trabalho brutal a fazer porque somos um pequeno país. Estamos a dar passos acelerados nesse processo, muito graças ao turismo porque permite que os milhares de milhões de pessoas que vão passando por Portugal, levem a nossa gastronomia, os nossos produtos. Posso dizer-lhe que durante uma ação em setembro no estado do Texas, estive em loja a apreciar e as pessoas tinham curiosidade pelos produtos, sabiam onde era Portugal e o que era produzido no país. Da minha apreciação, percebi que quatro em cada cinco pessoas já tinham estado em Portugal ou estavam para vir.
Eu não me canso de dizer que o nosso célebre pastel de nata é um staple, um produto de referência da indústria alimentar portuguesa. A qualquer mercado onde eu vá atualmente há pastel de nata, é vendido como ‘pastel de nata’ e não como ‘portugueses egg tart’ como era há três, quatro anos atrás.
O Go Global é o projeto de internacionalização que a PortugalFoods lançou para o período 2023/24. A que se propõe, de que forma alcança os objetivos?
O Go Global é o projeto que está em execução e o seguimento de todos os que estiveram antes dele. Normalmente apoiamos as nossas ações em duas tipologias: os projetos conjuntos de internacionalização, que é o caso do Go Global, e os SIAC (Sistema de Apoio a Ações Coletivas) que têm outra tipologia de trabalho.
No Go Global há um apoio direto às empresas com um conjunto de ações em 2023 e 2024: as feiras, as missões internacionais, as missões inversas, ações de capacitação para os mercados, elaboração de estudos de mercado. Há também ações de prospeção, com uma ida da PortugalFoods primeiro a determinado mercado para perceber se há viabilidade, se há compradores interessados em visitar Portugal porque as empresas apreciam também esta tipologia de missão inversa, é uma missão que não tem praticamente custos. Nós detetamos um bom comprador – uma cadeia de retalho, um distribuidor – e ele vem ao nosso país tendo já selecionadas as empresas com as quais quer reunir. Vamos diversificar muito a nossa presença nessas missões inversas pelo país todo.
Que atividades e projetos estão já programados para 2024?
Importantíssima será a atualização da estratégia de internacionalização para o setor, na qual estamos a trabalhar juntamente com a FIPA e vamos trabalhá-la também junto das associações setoriais. Queremos ouvir todo o setor para podermos ter uma estratégia concertada para trabalhar os mercados prioritários, de consolidar mercados, de trabalhar as estatísticas do setor por forma a perceber o comportamento das várias categorias de produto nos vários mercados.
Temos também a novidade da presença física nos mercados com unidades de negócio, sobretudo nos EUA e no Japão, que sejam o showroom da oferta alimentar nacional e ajudem a ultrapassar questões que as empresas têm e que nem sempre são fáceis de resolver.
Na área da inovação, a execução da VIIAFOOD, a agenda mobilizadora do setor agroalimentar, é para nós muitíssimo importante. Sabemos as dificuldades que estão a existir de implementação das verbas do PRR, são processos complexos, mas as empresas estão a ter um comportamento de investimento interessante. Estamos numa fase de pedidos de pagamento e o dinheiro ainda não está a chegar às empresas. Esperamos que chegue rapidamente em 2024, são estas verbas que permitem às empresas terem liberdade para funcionar.
Prioritária é também a questão da sustentabilidade. Temos estado a desenvolver uma série de contatos concretos com entidades que nos vão ajudar a trabalhar sobretudo com as PME’s, muito em articulação com a Secretaria de Estado da Internacionalização, Aicep e outros parceiros. Para ajudar as empresas a terem mais informação, a fazerem o seu próprio diagnóstico e a trabalharem esta questão para poderem estar presentes nas cadeias de abastecimento de uma forma normal, como os seus pares internacionais.
Até onde Portugal e as empresas do setor podem crescer em termos de exportações agroalimentares? Qual é o caminho?
Em primeiro lugar, tentar aumentar o número de empresas de base exportadora. Ainda há muitas empresas que terão capacidade para exportar e temos muitas empresas a começar. Temos um ecossistema de startups e empresas muito inovadoras, com produtos também inovadores per si e que, no fundo, serão futuros exportadores.
Depois, as empresas têm ainda muito caminho a percorrer em termos de crescimento das suas exportações. Não podemos aumentar a produção indefinidamente, mas há muitos mercados ainda mal trabalhados e de difícil entrada. Diria que é fundamental otimizar. As entidades governamentais estão a fazer o seu trabalho com os recursos que têm, e entidades como o Ministério dos Negócios Estrangeiros, a Secretaria de Estado da Internacionalização e, sobretudo, a DGAV (Direção-Geral da Alimentação e Veterinária), têm aqui um papel fundamental.
A DGAV é uma estrutura com pessoas muito válidas, mas tem uma escassez de recursos atroz. E é a entidade que nos permite ajudar e otimizar a abertura de mercados, muitos onde temos ainda que vencer várias restrições. Por exemplo a exportação de carne e de frescos, sobretudo frutas e vegetais, enfrenta dificuldades em muitos países, por questões sanitárias. Nós não podemos exportar charcutaria para os EUA, mas a Espanha pode. Para o Brasil há a questão das sobretaxas de importação por causa do Mercosul. Todos estes dossiers estão a ser trabalhados de forma séria pelas entidades, mas temos que ter capacidade de fazer melhor e tentar quebrar estas barreiras difíceis nos processos de exportação.
Por outro lado, continuar a explorar novos mercados, por exemplo, no sudeste asiático e no Médio Oriente. Olhamos muito para os Emirados Árabes Unidos e para o Dubai, mas a Arábia Saudita neste momento é incontornável. Na Anuga, tivemos a oportunidade de reunir com pessoas ligadas ao reino da Arábia Saudita porque há uma grande apetência por produtos portugueses. Também em África há países com comportamentos muito interessantes, que podem e devem ser trabalhados. E temos empresas a trabalhá-los bem.
Entrevista publicada na edição 419 do Hipersuper