Frederico Falcão – Fotografias Frame It – Entrevista Hipersuper
“Há claramente um antes e um depois da ViniPortugal”
“Ano após ano temos vindo a bater recordes na exportação”, destaca Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, em entrevista ao Hipersuper, onde aborda as estratégias de promoção externa, lembra o seu primeiro mandato que coincidiu com os anos de pandemia, destaca a visibilidade dos vinhos portugueses nos vários mercados e a força de marca Wines of Portugal.
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“Ano após ano temos vindo a bater recordes na exportação”, destaca Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, a associação interprofissional criada para promover a qualidade e a excelência dos vinhos portugueses no estrangeiro e que atua, neste momento, em 21 mercados. Em entrevista ao Hipersuper, Frederico Falcão fala das estratégias de promoção externa, do seu primeiro mandato que coincidiu com os anos de pandemia, da visibilidade dos vinhos portugueses nos vários mercados e da força de marca Wines of Portugal. “Vejo outros países a olharem para nós como um exemplo, como um país que se soube organizar e criar uma instituição que representa todo o setor vitivinícola nacional. Isto não existe na maior parte dos países”.
A ViniPortugal foi fundada há 27 anos. Em que aspetos veio alterar a visibilidade e o posicionamento internacional dos vinhos portugueses? Há um antes e depois da ViniPortugal?
Há claramente um antes e um depois da ViniPortugal. Foi fundada em 1996 com o intuito de juntar todo o setor na promoção internacional e mais tarde surgiu a nossa marca bandeira, ‘Wines of Portugal/Vinhos de Portugal’, que nos trouxe uma importância grande em termos de reconhecimento internacional. Ou seja, o facto de começarmos a juntar-nos, a aparecer lá fora debaixo de um único chapéu, contribuiu muito para a imagem e notoriedade dos vinhos portugueses e continua a contribuir.
É com alguma satisfação que vejo outros países a olharem para nós como um exemplo, como um país que se soube organizar e criar uma instituição que representa todo o setor vitivinícola nacional. Isto não existe na maior parte dos países.
Assumiu a presidência da ViniPortugal no primeiro ano da pandemia. Foi uma ‘prova de fogo’ para a sua equipa e para a ViniPortugal, trabalhar o setor, particularmente entre 2020 e 2022? Em termos de consumo, haverá um voltar ao tempo pré-pandemia?
Eu diria que foi uma satisfação ter começado em pandemia. Eu tenho um gosto especial por analisar tudo. Ou seja, quando entramos num sítio há muito a tendência de chegar e dizer mal do que estava antes. Eu não tenho essa tendência. Gosto sempre de analisar, perceber porque é que as coisas se fazem e depois fazer igual ou diferente.
Chegar em tempo de pandemia foi um ótimo desafio porque permitiu-nos, a todos, olhar para o que estávamos a fazer. E nesses anos tivemos de nos reinventar. De facto, toda a nossa forma de promover, até ao ano 2020, teve de ser mudada: não era possível viajar, juntar pessoas nos vários países, e tivemos que repensar toda a promoção. Claro que foi temporário, terminados os tempos de pandemia conseguimos regressar a muitas das ações que eram habituais, mas mantivemos algumas que criamos. Foi um ótimo desafio, acho que ganhámos todos com ele, conseguimos encontrar novas formas de promoção, algumas delas mais eficientes. Aliás, Portugal cresceu mais nas exportações durante a pandemia, a um rácio maior do que vinha a crescer até aí.
Houve um trabalho em termos de promoção externa dos vinhos portugueses, nos canais online?
Houve algum trabalho que, entretanto, abandonámos. Observámos um crescimento muito grande do online durante a pandemia. Houve países onde o online cresceu 400 por cento, caso da Dinamarca, outros onde cresceu quase 200 por cento, como os EUA. Na China o mercado online também tem uma importância muito grande, mas em outros países não resultou. Muita dessa forma de venda acabou por regredir no pós-pandemia. O canal online é sempre um pouco mais difícil, nós fizemos alguma promoção colocando Portugal em destaque nas plataformas de venda de vinhos, mas já pouco fazemos dessa promoção.
Há uma alteração no consumo?
O consumo em si, tem vindo a mudar. Durante a pandemia, o consumo total de vinhos terá muito provavelmente aumentado em todo o mundo, e Portugal conseguiu crescer até mais do que os outros exportadores, na maior parte dos países. Depois, o consumo começou a baixar e o que vemos, neste momento, é um consumo mundial com uma tendência decrescente – aqui muito influenciado negativamente pela China, que desde 2018 tem vindo a cair em termos de importação e consumo de vinhos. O que a nós, Portugal, não tem causado grandes problemas, mas a muitos países, nomeadamente França, tem causado enormes problemas. Vimos também alguma retração neste momento nos EUA e no Canadá, países grandes consumidores de vinho. Mas, felizmente, há outros mercados que estão a crescer e a recuperar.
No mercado nacional, a grande distribuição é o principal parceiro de vendas ou a restauração e a hotelaria têm ganho espaço?
A restauração e a hotelaria têm um peso importante sobretudo em valor. Mas estão muito assentes no turismo, e a distribuição não está tanto.
O que temos notado nos últimos tempos é um crescimento do preço médio na distribuição. Ou seja, as pessoas estão a comprar menos vinho nos supermercados, mas a adquirirem vinhos de gamas mais altas. No fundo, pessoas com mais dificuldades financeiras abandonaram o vinho. Dos vinhos de gama de entrada, alguns não se estão a vender bem, mas os de gama média e alta, ou seja, o preço médio, têm vindo a aumentar em venda.
Em termos de restauração, o preço é ainda maior porque entram as margens dos restaurantes. Mas o que vemos com alguma preocupação é o crescimento dos vinhos sem denominação de origem ou indicação geográfica. Os vinhos não certificados continuam a ter um peso muito grande e estão a crescer, essa é a parte mais negativa. Porque muitos desses vinhos não são portugueses, são comprados a granel fora de Portugal, embalados e vendidos na restauração. Isso, para nós, é preocupante e traz um problema estrutural ao setor porque muitos desses vinhos não são produzidos em território nacional.
O aumento na compra de vinhos de gama média e alta na grande distribuição é indicador de que os consumidores estão a evoluir no gosto e conhecimento dos vinhos nacionais…
Isso claramente acontece. Muitas vezes as pessoas começam a comprar vinhos de gamas mais baixas e à medida em que vão evoluindo no gosto e no conhecimento, vão procurando vinhos de maior qualidade.
O que vemos com alguma preocupação são os vinhos de entrada de gama, que estão a deixar de ser comprados. Não porque os seus consumidores migram para as categorias mais altas, mas porque não têm muitas vezes disponibilidade financeira para comprar vinho.
E esses vinhos de entrada de gama têm grande importância para os vitivinicultores…
São muitos importantes porque muitas vezes são, aquilo que costumamos dizer, os que pagam as contas.
O que pretende a ViniPortugal com o Referencial Nacional de Certificação de Sustentabilidade do setor vitivinícola?
Em muitos países onde estamos presentes sentimos que os consumidores têm uma palavra na cabeça: sustentabilidade. Ou seja, querem que os fornecedores dos produtos que consomem estejam a produzir de uma forma sustentável. E embora muitos produtores o fizessem, não havia uma evidência, uma garantia, de que estivessem de facto a produzir de uma forma sustentável. Por isso, foi urgente criar um referencial nacional que levasse um selo associado a essa certificação e fosse, para os consumidores, uma evidência de que aquele produtor está a cumprir as regras de sustentabilidade. Foi o que fizemos há um ano e pouco. A ViniPortugal levantou esse problema em 2020, quando tomei posse. Depois, em conversações com o Instituto da Vinha e do Vinho acabou por ser o próprio instituto a avançar para a construção do referencial, com um grande envolvimento da ViniPortugal – tivemos cinco pessoas envolvidas na sua criação.
Nós queríamos que o referencial fosse privado, à semelhança do que acontece com todos os outros que existem no mundo e, portanto, neste momento é a ViniPortugal que o gere e está a implementar, e há já vários produtores a aderir. Sobre a certificação em si, não é feita por nós nem por CVRs. É feita por várias entidades externas, acreditadas pelo ISO 1765.
A que obriga, por parte dos produtores?
O referencial tem 86 parâmetros e os produtores têm de se adaptar a esses parâmetros. Falamos não só em sustentabilidade ambiental, mas também social e económica à qual acrescentamos uma quarta área: melhoria contínua, que une as outras três. Ou seja, um aumento contínuo da exigência e da preocupação, que têm de ser controlados. Os produtores têm de cumprir esses parâmetros e atingir uma pontuação mínima, de 50 por cento. Depois, há alguns critérios obrigatórios a que têm de obter pontuação positiva, caso contrário não recebem a certificação.
Quisemos construir um referencial que fosse credível, relativamente simples mas não simplista e que pudesse ser abrangente. Porque temos, por exemplo, no Alentejo produtores com centenas de hectares e uma adega e nos Açores temos produtores com cem metros quadrados de vinha. O referencial teria que olhar para as várias vertentes em Portugal e conseguir ser abrangente o suficiente para englobar todos estes produtores nas suas várias formas de produzir.
É mais um selo de qualidade na exportação…
É mais um selo de qualidade e uma garantia para os consumidores de que aquele produtor está a cumprir as regras de sustentabilidade. É uma mais-valia para os vinhos portugueses. E um dos trabalhos da ViniPortugal na gestão deste referencial é mostrá-lo ao mundo. Nas nossas várias ações divulgamos bastante este nosso selo de sustentabilidade. Ao mesmo tempo que estamos em contato com vários compradores nos países nórdicos, Canadá e outros países, apresentamos o nosso referencial que é avaliado por eles.
Por falar em sustentabilidade, alertou recentemente para o risco de abandono de vinha na mais antiga região demarcada do mundo. O que está a acontecer no Douro? É urgente a reforma do quadro regulamentar da região?
O Douro está com um grande problema estrutural. Não é de agora, é algo que tem vindo a acontecer numa região muito assente na produção de Vinho do Porto. Há 20 anos, o Vinho do Porto representava 65% das nossas exportações totais em valor e no ano passado representou menos de um terço. Se analisarmos o preço médio de venda de Vinho do Porto, há 20 anos era superior ao preço de venda do ano passado. Isto traz, naturalmente, problemas à região.
É público que este ano tem sido mais preocupante, o preço da uva está muitas vezes abaixo do custo da produção. E, portanto, quando a região enfrenta um problema cabe-nos alertar para esse problema e cabe à própria região encontrar os seus caminhos. Têm que ser os agentes económicos e quem está a trabalhar na região, a encontrar as soluções e a resolver um problema que se não for resolvido poderá acarretar outros muito maiores à região, do que aqueles que neste momento enfrenta.
Na sua opinião, do que necessitam os vitivinicultores nacionais? De mecanismos de apoio?
Eu acho que o caminho passa sempre por encontrar saídas comerciais. Ao logo da minha vida profissional tenho encontrado muitos produtores que se preocupam em plantar vinha, construir uma adega e depois não se preocupam com a parte comercial. Cruzei-me com várias pessoas na vida que estavam a fazer investimentos e, quando lhes perguntava pelas saídas comerciais a resposta era: ‘primeiro vou produzir e depois logo se vê a quem vendo’. O setor dos vinhos ainda tem disto. Ainda falta esta visão estratégica de que é preciso encontrar um comprador, uma saída, e depois produzir para aquele comprador.
E, muitas vezes, quando há problemas estruturais tendemos a olhar para as formas mais simplistas de os resolver, mas são soluções de curto prazo. Temos de olhar para as soluções de longo prazo e estas passam por encontrar saídas comerciais para os produtos a um preço justo, razoável e que traga sustentabilidade económica.
A produção vai mesmo aumentar este ano? Onde se irá sentir mais esse aumento?
É um pouco cedo, mas há várias regiões a aumentar a produção. A estimativa que o IVV fez ao início creio que não se irá confirmar. Porque desde quando foi feita e até à vindima aconteceram vários fatores climáticos que afetaram a produção. Problemas com doenças, com granizo, enfim, várias situações trouxeram um declínio de produção. A Norte vamos ter um aumento, creio que o Alentejo também terá. Os Açores previam um grande aumento na produção, mais de 200%. Vão crescer, mas para metade ou menos de metade, porque tiveram outros problemas. Portanto, eu preferia não estar neste momento a fazer previsões muito rigorosas e errar. O que estou plenamente convencido é que vamos crescer, mas não na percentagem estimulada inicialmente..
Falemos agora das exportações. Em 2022 atingiram 941 milhões de euros, um valor recorde. Há previsões quanto ao volume para este ano? Os números chegarão ao objetivo traçado de mil milhões de euros em exportações de vinho?
Sim e não. Sim, os valores são esses. Sim, batemos o recorde – aliás temos vindo a bater os recordes, ano após ano na exportação, o que é bastante positivo para Portugal.
Este ano talvez cheguemos perto dos 970 milhões, ou seja, não vamos atingir o objetivo traçado dos mil milhões de euros no final de 2023. Para isso contribuíram vários fatores. Isto vai parecer um pouco estranho, mas a pandemia acabou por nos ser favorável porque conseguimos crescer a um ritmo maior. A nível internacional estamos menos na restauração e mais nos canais de distribuição. Quando veio a pandemia os restaurantes fecharam e que que permaneceu aberto? Os supermercados, onde temos uma presença mais forte e ganhamos aí quota.
No pós-pandemia estimámos que continuaríamos a crescer, mas depois surgiu a questão da invasão da Rússia à Ucrânia e agora o conflito em Israel pode escalar para níveis preocupantes. Estes conflitos afetam as economias, estão a afetar o consumo de vinho a nível mundial e estamos a crescer a um ritmo menor do que poderíamos. Nós queríamos crescer acima dos 6% e deveremos crescer, deduzo eu, até ao final do ano, perto dos 3%. Portanto, não vamos atingir o objetivo de mil milhões de euros, mas há fatores nos mercados mundiais e nas economias mundiais que nos ultrapassam e não conseguimos controlar por muito que façamos. E fizemos muito.
No primeiro semestre de 2023, face a período homólogo, houve um crescimento das exportações para Reino Unido, Brasil e Angola: três destinos extracomunitários. Haverá uma aposta maior em mercados fora da UE? Sabendo, por exemplo, que França ainda lidera o ranking das exportações portuguesas de vinhos…
Estamos sempre a procurar mercados onde valorizem mais os nossos produtos e onde temos um preço médio mais alto.
França ainda é o nosso principal mercado, mas é um mercado muito assente em Vinho do Porto e, infelizmente para nós, em vinhos do Porto de gamas mais baixas. Ou seja, aqueles onde o consumo se tem feito sentir a nível decrescente.
Também nos outros vinhos, França tem um preço médio de importação de vinhos portugueses relativamente baixo. Portanto, não é um mercado estrategicamente importante para nós. Ainda no que toca a Vinho do Porto, as categorias mais altas continuam relativamente saudáveis.
De facto, nos últimos anos, temos vindo a crescer mais nos países terceiros do que dentro da Europa, que tem sofrido alguma instabilidade. E este ano, com o aumento das taxas de juro, claramente fez-se sentir muito a retração de consumo no continente. A Alemanha é um grande consumidor e ali a retração é evidente, assim como em França.
Em 2023 o nosso crescimento está de facto assente nos mercados que referiu, mas para onde olhamos com alguma preocupação. Inglaterra estabeleceu novos impostos sobre o vinho, que entraram em vigor em agosto e fizeram antecipar as importações sobretudo durante os meses de maio, junho e julho. E estimamos que nos meses finais deste ano haja alguma retração nas importações de vinho no Reino Unido. Angola era um país com grande crescimento, mas está com um problema de desvalorização cambial e temos quase a certeza de que isso levará a uma retração das importações até ao final do ano. Aqui, salva-se o Brasil porque está a correr bastante bem.
Curiosamente, a Ucrânia e a Rússia também estão a importar bastante vinho. Na Europa ‘salva-se’ ainda a Polónia, um mercado que nos está a correr bastante bem, sobretudo na grande distribuição.
Por falar no Brasil, esteve este mês na ProWine, em São Paulo, e disse que Portugal pode voltar a ser o segundo maior exportador de vinhos para aquele mercado. Mas partimos em desvantagem em relação aos países do Mercosul, por conta dos impostos de importação…
Sim, os países do Mercosul – neste caso Uruguai e Argentina e o Chile que não estando com ‘os dois pés’ no Mercosul tem acordos com aquele mercado para baixar impostos para os seus produtos – têm no Brasil vantagens competitivas em relação aos vinhos de outros países. Os nossos sofrem essa desvantagem competitiva porque pagam mais impostos. Mas há uma ligação forte, emocional, dos consumidores brasileiros a Portugal e aos vinhos portugueses. E o grande aumento do turismo do Brasil em Portugal tem ajudado a criar esses laços afetivos. Há uma expressão que já lá ouvi várias vezes: os nossos vinhos têm rótulos que falam a mesma língua. Apesar desta nossa desvantagem competitiva, estivemos à frente da Argentina até há dois anos, depois a Argentina ultrapassou-nos. Mas estamos agora a sentir no mercado brasileiro os vinhos do Chile e da Argentina a caírem. E Portugal é dos poucos países que está a conseguir crescer naquele mercado.
O que fazer para tornar essa ‘competição’ mais equilibrada?
Altamente vantajoso para nós seria avançar o acordo entre a União Europeia e o Mercosul, que está a ser negociado há muito tempo e tem que ser ratificado por todos os países da UE. Sabemos que alguns países têm fortes resistências a que seja feito, não pelo vinho mas por outros produtos, e anunciaram publicamente que não têm intenções de o ratificar. Por isso não foi ainda assinado nenhum acordo entre UE e Mercosul.
De qualquer maneira, o Brasil está a fazer uma nova reforma fiscal e não sabemos até que ponto poderá afetar os impostos sobre os vinhos, sobretudo nos produtos importados. É algo que temos que esperar para ver, mas neste momento estamos em desvantagem. Quem nos dera a nós, setor dos vinhos, que o acordo UE/Mercosul fosse ratificado.
Quais serão então os mercados externos a que a ViniPortugal vai apontar baterias no triénio 2023-2025? Tanto no reforço de já existentes como em novos potenciais mercados?
A ViniPortugal está atualmente em 21 mercados. Construímos um Plano Estratégico de 2024 a 2030 que irá a Assembleia Geral, para ser aprovado, juntamente com a nossa proposta para 2023-2025. Esse plano estratégico tem uma linha de orientação: reduzir o número de países onde estamos presentes e entrar noutros.
Foram identificados três países onde seria interessante a ViniPortugal estar presente e identificados alguns onde, provavelmente, já não fará sentido. Isto terá que ser aprovado em Assembleia Geral, mas, de qualquer forma, o nosso plano de investimentos para 2024 já contempla pelo menos um dos países que está identificado.
Qual será?
Israel. Mas, entretanto, escalou um conflito no país que esperemos, por todos os motivos, não se prolongue. Temos vindo a crescer muito em Israel nos últimos anos e mantém-se um grande potencial de investimento. E não apenas nos vinhos kosher. Hoje em dia percebemos que aquele mercado está a crescer muito também nos outros vinhos e poderá vir a ser muito importante para Portugal.
Quais serão os outros dois mercados?
Cazaquistão e Moçambique. O Cazaquistão pela zona onde se insere, por estar a crescer muito e a comprar pelo preço médio e alto. Já Moçambique foi um mercado que nós, Vinhos de Portugal, abandonamos há alguns anos porque eles voltaram-se mais para os vinhos sul-africanos. Mas, olhando para o mercado e o seu comportamento concluímos que pode ser muito interessante voltar a investir.
Nos mercados onde vão investir e/ou reduzir o investimento, incluem países da Europa?
Alguns na Europa, sim. A China será um mercado que não iremos abandonar, mas a estratégia passará por desinvestir um pouco, porque está a cair desde 2018. Alguns analistas internacionais preveem que a China pode vir a inverter a tendência de queda de consumo em 2025, mas não deixa e ser uma estimativa. A realidade é que tem vindo a cair a pique, e, sem o abandonarmos, vamos desinvestir um pouco as nossas ações porque elas não trazem uma consequência direta.
Para além da concorrência, o setor tem que saber adaptar-se às alterações económicas de cada país…
Estamos atentos ao que se passa nos mercados onde atuamos e também a outros onde não estamos. Não são as nossas ações que vão inverter as tendências de consumo. Se um mercado está a crescer, e muito rapidamente, o que temos que fazer é investir para tentar ganhar mais quota nesse mercado do que os outros países. Mas quando o mercado está a cair muito, não são as nossas ações que vão fazer com que aquele país comece a consumir mais vinhos. Portanto, temos que estar muito atentos ao que se consome nos mercados e irmos ajustando a nossa estratégia.
E quais são os grandes entraves à exportação de vinhos portugueses? De competição, burocráticos, ‘barreiras’ protecionistas, aumento do imposto sobre os vinhos?
Em termos de consumo de vinho em geral, estamos a sentir a criação de barreiras comerciais, seja através de burocracia, seja através de aumento de impostos sobre os produtos importados.
Por exemplo, no Brasil temos uma presença forte mas sentimos muito a carga burocrática nas importações de vinhos. Eu cheguei a reunir com a ministra da Agricultura do Brasil, chamando a atenção para estas dificuldades burocráticas. Não tem sido impedimento ao nosso crescimento, mas gera algumas adversidades e, muitas vezes, aumento de custos, porque quando se criam burocracias, os vinhos têm que ficar parados em armazéns e pagam diariamente, enquanto não se resolvem esses problemas.
O aumento de impostos é outro entrave. Temos o caso da Inglaterra e o da Rússia que em setembro criou um novo imposto para os ‘países hostis’.
Outra grande preocupação do setor neste momento é o fundamentalismo de algumas organizações internacionais, em atacar o consumo de álcool. Atacam de forma ‘cega’, sem distinguir álcool e forma de consumo. Defendem que beber um copo de vinho é tão mau como apanhar uma bebedeira e isso é completamente errado. Todos sabemos que o consumo abusivo é mau, todos o combatemos e tentamos estimular o consumo moderado porque conhecemos inclusive os seus benefícios para a saúde. Mas esta escalada da OMS com a proteção da União Europeia é, claramente, uma preocupação, porque poderá trazer grandes retrações de consumo e burocracias, seja por via de impostos, seja por tentativas de alertas nos próprios produtos, que não são razoáveis e nem cientificamente defensáveis.
Particularmente em relação aos nossos vinhos, tínhamos um problema estrutural relacionado com o desconhecimentos dos consumidores internacionais. A ação concertada da ViniPortugal sob o chapéu da Wines of Portugal tem ajudado muito ao reconhecimento dos nossos vinhos e a que as pessoas saibam que Portugal é um pais produtor e produz vinhos de muito boa qualidade. Este trabalho que a ViniPortugal faz – muito dele invisível até ao próprio setor – junto de jornalista e líderes de opinião internacionais, divulgando e promovendo os nossos vinhos, leva a que haja muitas notícias nos mercados mundiais. Notícias que chegam aos consumidores estrangeiros e apresentam Portugal como um país que produz vinhos de excelente qualidade a preços razoáveis.
Quem nos visita também tem essa perceção?
O turismo ajuda-nos muito nas exportações. Muitos turistas são surpreendidos pela qualidade e pelo preço e isso faz com que, quando regressem, fiquem com uma ligação afetiva a Portugal e aos nossos produtos, como o vinho. Vão consumi-lo e divulgá-lo mais. Temos sentido essa ligação direta entre os turistas de um determinado país e as nossas exportações para esse país.
Sendo este um país pequeno será competitivo em termos de qualidade. Nesse sentido, o que trouxe a marca Wines of Portugal ao conhecimento dos nossos vinhos no exterior?
Às vezes caímos na tentação de nos compararmos com Espanha, França, Itália. Esses três países têm, juntos, mais de metade da produção mundial de vinho. Naturalmente, não podemos ter a mesma presença de mercado, nem é essa a nossa ambição. Porque não temos quantidade para aumentar, de repente, as nossas exportações de uma forma desmesurada.
Queremos continuar a crescer, sim, mas em preço e em valor médio. E o facto de sermos mais pequenos ajuda-nos. Porque, por exemplo, Espanha não tem uma Wines of Spain que englobe todo o setor, eles não aparecem lá fora de uma forma única. E o mesmo em França e Itália. Nós conseguimos ter essa presença unida lá fora, todos debaixo do mesmo chapéu, Wines of Portugal, e isso tem-nos ajudado a conquistar notoriedade.
Tenho tido relações de proximidade com CEO’s de ‘Wines of…’ de regiões, como por exemplo da Califórnia, e fui surpreendido pelos elogios que fazem a Portugal, à forma como estamos organizados e como nos apresentamos. Basta ir a feiras internacionais. Estivemos agora na ProWine, no Brasil, país onde somos o terceiro no ranking de exportação, e o símbolo/stand Wines of Portugal era metade da feira e localizado no melhor sítio do certame. Porque? Porque a nossa presença é forte, a nossa imagem atrai. E quando a organização da ProWine São Paulo começa a organizar a feira do ano seguinte, o primeiro país a que pergunta onde quer ficar é a Portugal. Isso aconteceu também na Vinexpo, em Paris, onde temos o pavilhão de Portugal com um destaque incrível.
De alguma forma, olham para nós com reconhecimento e elogiam o trabalho que todo o setor dos vinhos de Portugal tem vindo a fazer, debaixo desta marca e com a preciosa ajuda da ViniPortugal.
O que é exatamente o Observatório dos Mercados Internacionais?
É algo que fazia falta ao setor. Tínhamos poucos dados e o que o Observatório dos Mercados Internacionais faz é estudar os 21 mercados onde estamos presentes para perceber o comportamento de cada um. Não podemos criar estratégias para determinado mercado sem saber o que está a ali a acontecer. Analisamos as importações, os consumos, o crescimento dos vários países que para lá exportam. Em relação aos EUA, por exemplo, tínhamos apenas as importações totais do país e neste momento já sabemos as importações por cada estado. No caso dos monopólios, sejam nórdicos sejam do Canadá, até sabemos por marca, quem está a vender no país.
O conhecimento dos mercados é importante, por isso fazemos esses estudos e os divulgamos ao setor. E já vários produtores me disseram que mudaram a sua estratégia para determinados mercados depois de lerem o estudo sobre esses mercados. Foi dado um passo enorme, porque temos acesso a dados que não tínhamos, mas sabemos que temos muito mais a fazer.
Outra ação que ajuda o setor é a formação de agentes económicos. Apontou o seu reforço como uma das prioridades no novo mandato…
Foram ações que fizemos em grande número durante a pandemia, em 2020 e 2021 e até em 2022. Em 2023, culpa minha, descuidamos um pouco esta formação, mas em 2024 queremos reforçá-la. Ou seja, dar-lhes formação sobre a presença em feiras, como lidar com possíveis clientes e com os atuais, como construir preço para um produto. Passar-lhes o máximo de informações possíveis, dadas por formadores especialistas de várias áreas, para ajudar o próprio setor a ser mais profissional, a trabalhar melhor.
Em 2016, ainda como presidente do Instituto da Vinha e do Vinho, referia numa entrevista que os consumidores ocasionais mundiais ainda não estavam despertos para os vinhos portugueses. Sete anos depois, esta realidade que já não existe…
De facto, a nossa presença contínua lá fora, e também aqui em Portugal, tem tido a importância de fazer chegar a mensagem aos jornalistas e aos líderes de opinião que depois espalham a notícia. E, como referi há pouco, o próprio turismo de Portugal tem-nos ajudado muito.
Se há sete anos eramos pouco conhecidos, hoje em dia somos cada vez mais. No mundo inteiro muitos consumidores já ouviram falar e já provaram vinhos portugueses. Este é um trabalho contínuo, mas estamos a crescer em notoriedade e, se tudo correr bem, vamos continuar a crescer nos próximos anos. E trazer sustentabilidade económica.
Fotografias Frame It
Entrevista originalmente publicada na edição 417 do Hipersuper