Chorão do Mar
Como incluir as algas na rotina dos portugueses? Conheça duas estratégias
Portugal é um dos países pioneiros na Europa em produção de micro e macroalgas. O Hipersuper foi ouvir a história de dois produtores que procuram desbravar este mercado em Portugal e lá fora, tirando partido do potencial de crescimento previsto para os próximos anos
Rita Gonçalves
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Portugal é um dos países pioneiros na Europa em produção de micro e macroalgas. O Hipersuper foi ouvir a história de dois produtores que procuram desbravar este mercado em Portugal e lá fora, tirando partido do potencial de crescimento previsto para os próximos anos
Apesar de já serem presença assídua nos pratos dos grandes chefes de cozinha, as algas começam lentamente a entrar na casa dos portugueses mais sensíveis ao tema da alimentação saudável e mais propensos à degustação de novos produtos. Mas, ao contrário do que se possa pensar, estes vegetais marinhos não são uma estreia à mesa dos portugueses. Diogo Lopes, fundador da marca de macroalgas Wissi, conta, em entrevista ao Hipersuper, que ainda hoje existe a tradição de utilizar algas marinhas na alimentação no Arquipélago dos Açores. Em Portugal Continental, nos anos de 1960, utilizavam-se algas na culinária, mas essa tradição perdeu-se a partir da década de 70, afirma o responsável. Quando fundou a marca Wissi, Diogo Lopes ouviu relatos de muitos pescadores cujos avós e bisavós apanhavam algas para consumo alimentar.
Este alimento super nutritivo é, no entanto, utilizado há séculos como alimento na China, no Japão, na Escócia, na Irlanda, entre outros países nórdicos. Em Portugal, ganha especial importância a partir de 1930 no abastecimento da indústria de ágar-ágar, sobretudo na zona de Peniche, um ficocolóide utilizado como aditivo na indústria alimentar, e também nas indústrias de cosmética e farmacêutica, embora com menor expressão, lê-se no site da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural.
Na costa portuguesa, encontram-se cerca de 400 variedades de algas e a produção em aquacultura está em desenvolvimento. Um exemplo vem da Secil que, em 2005, lançou a Allmicroalgae, empresa que se afirma como a maior produtora europeia de microalgas em sistema fechado e estima fechar este ano com uma produção de 72 toneladas, adianta, em entrevista ao Hipersuper, Joana Laranjeira Silva, Plant and R&D manager da Allmicroalgae.
O valor nutricional das algas impressiona. Segundo o Instituto Macrobiótico de Portugal, são ricas em minerais, particularmente cálcio, em oligoelementos, como cobre e zinco, em proteínas, e têm ainda um elevado teor em hidratos de carbono e vitaminas.
Segundo a empresa de estudos de mercado MarketsandMarkets, o mercado global de algas marinhas representou no ano passado vendas de 4,7 mil milhões de dólares e deverá registar uma taxa de crescimento anual composta de 6.3% para 6,4 mil milhões de dólares até 2026.
Em Portugal, não existem atualmente dados que determinem o valor do mercado das algas aplicadas à alimentação humana, animal e cosmética. Apesar de não existir um ponto de partida, a Plant and R&D manager da Allmicroalgae considera que existe “muito potencial” para aplicação na indústria alimentar e na suplementação. “Portugal é um dos países pioneiros na Europa em produção de micro e macroalgas e existem várias empresas a tentar explorar estas categorias com resultados muito positivos”, salienta Joana Laranjeira Silva.
Um dos grandes desafios dos operadores deste mercado passa por fomentar a procura. A responsável da Allmicroalgae acredita que este trabalho se faz através da educação de consumidores e fabricantes no que diz respeito quer à qualidade quer às vantagens da utilização de microalgas no dia-a-dia. E que as indústrias de alimentação humana, animal e cosmética mostram cada vez mais interesse em conhecer as potencialidades deste vegetal marinho e as suas aplicações.
Além do desafio de difundir o conhecimento sobre o produto, os operadores enfrentam outros, sobretudo a concorrência da produção oriunda da Ásia, “com preços extremamente competitivos”, acrescenta a responsável.
O Hipersuper foi conhecer a história e a estratégia de dois produtores portugueses que procuram desenvolver este mercado em Portugal e tirar partido do potencial de crescimento previsto para os próximos anos.
Wissi: a marca que conseguiu entrar na grande distribuição
O projeto de produção e comercialização de macroalgas da marca Wissi arrancou em janeiro de 2021, mas demorou cerca de ano e meio a sair do papel. O fundador da marca, Diogo Lopes, arregaçou as mangas e conseguiu um licenciamento para a pesca de algas pioneiro no País, junto da Direção-Geral de Recursos Marinhos e da Direção-Geral Marítima. “Não existia enquadramento legal para a apanha de algas em Portugal”, conta o fundador da Wissi, acrescentando que obteve uma licença experimental. A apanha é feita de duas formas: apeada [das algas que se encontram mais à superfície do mar] e em mergulho.
Diogo Lopes tem a ambição de democratizar o consumo deste alimento pouco explorado e que existe em abundância na costa portuguesa. E já deu um passo de gigante para concretizar o objetivo: conseguiu entrar com alguns produtos nos lineares de 41 hipermercados Continente (Sonae) e 19 lojas da Auchan, e em restaurantes de “fine dining”, sobretudo da zona de Lisboa. Com a entrada nas cadeias de distribuição a trazer visibilidade e notoriedade à marca, “a intenção passa por crescer na distribuição moderna, em cadeias gourmet e ligadas a segmentos premium e nos hotéis”, antecipa.
Com um investimento de 180 mil euros, alicerçado em fundos próprios, apoios do Mar2020 e linhas de startups, construiu uma fábrica no concelho de Cascais, onde trabalha as espécies Alface do Mar, Chorão do Mar, Wakame, Combu e Esparguete do Mar. Com a pandemia a adiar os planos iniciais para o retorno do investimento, Diogo Lopes estima agora atingir o “break even” em três anos.
Sendo um produto de apanha sazonal – as algas só podem ser capturadas entre fevereiro e novembro – a Waves Raphdody, dona da Wissi, tem de fazer stock. “Para vender fresco durante todo o ano adicionamos flor de sal para conservar, o que permite estender o prazo de validade por quatro meses”, conta o responsável. As algas são capturadas por embarcações subcontratadas e licenciadas pela marca, em Cascais, Sines, Lagos e também na zona norte do País.
Instalada numa área de 500 metros quadrados, a fábrica da Wissi é dotada de uma área de receção, onde as algas são pesadas e é feito o controlo sensorial. Como não podem estar expostas à temperatura ambiente, seguem rapidamente para a área de produção, concretamente para a câmara de frio, que funciona com parâmetros entre os zero e oito graus. Para fazer a gama de desidratados, as algas seguem para a câmara de secagem, onde são desidratadas a temperaturas baixas. Este processo de secagem confere ao produto uma validade de 24 meses. De seguida, as algas são colocadas em embalagens forradas e dotadas de um fecho zip de abertura fácil.
No ano passado, a fábrica produziu 300 quilos de produto acabado, mas este ano deverá atingir uma tonelada. A Wissi prevê chegar ao final de 2022 com um volume de negócios de 100 mil euros.
Allmicroalgae: produção de microalgas de Portugal para o mundo
A produtora de cimento Secil começou por explorar, em 2008, o conceito da utilização de microalgas como parte da solução para a mitigação do dióxido de carbono nos gases de emissão de duas unidades de produção. O projeto avança com “um estudo à escala laboratorial colocando armadilhas de bioprospecção de microalgas nas áreas adjacentes” das fábricas de Outão e Pataias, em Setúbal e Alcobaça, respetivamente, lembra Joana Laranjeira Silva.
Selecionada a microalga, a empresa avança, em 2008, com uma unidade demostrativa e, cinco anos depois, abre as portas da unidade de produção, um investimento de 22 milhões de euros. No final de 2015, a Secil toma a decisão de avançar com uma empresa autónoma dedicada à produção de microalgas e cria a Allmicroalgae com o objetivo de entrar no mercado global de microalgas.
A empresa produz e comercializa microalgas para a indústria de alimentação humana, animal e cosméticos. Em grande escala, produz oito variedades: quatro tipos de Clorela, dois tipos de Spirulina, Nannochloropsis e Tetraselmis Chuii. Os principais canais de distribuição são a indústria alimentar e a nutracêutica.
Em 2020, produziu 45 toneladas, cifra que este ano deverá chegar às 72 toneladas. Cerca de 80% do volume de produção segue para o exterior, sendo a Alemanha e a França os principais mercados. Estes dois países são os maiores consumidores europeus de microalgas.
A capacidade instalada para 2023 é superior a 120 toneladas. revela a responsável. “Estamos a investir em reatores cobertos de produção tipo raceway tendo em vista o aumento significativo da capacidade de produção da unidade e a redução dos custos variáveis por quilo de biomassa”.
Como funciona a produção? Sendo as algas seres vivos que se multiplicam por divisão celular, a Allmicroalgae reuniu as condições necessárias à multiplicação rápida destes seres marinhos, e de forma natural, através de luz solar. “Tudo começa na fase de inóculo [semente] que, depois de crescer, inocula reatores cada vez maiores até chegarmos aos reatores de produção que são colhidos e concentrados diariamente para produção de biomassa de microalgas desidratadas ou em formato de pasta congelada”, resume a responsável.
*Artigo originalmente publicado na edição 404 do Hipersuper