O meu talento é melhor que o teu
A análise de um currículo, por mais que se estenda em formações e experiências, não é hoje suficiente para o recrutamento das empresas. Privilegiam-se as “soft skills” e as próprias organizações assumem-se como escolas. Está aberta a caça ao talento
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A análise de um currículo, por mais que se estenda em formações e experiências, não é hoje suficiente para o recrutamento das empresas. Privilegiam-se as “soft skills” e as próprias organizações assumem-se como escolas. Está aberta a caça ao talento.
O número de estudantes que encerram o seu percurso académico em Portugal com ânsia de ingressar no mercado de trabalho aumenta ano após ano. Entre licenciaturas, mestrados e doutoramentos, os diplomas entregues pelas instituições de ensino superior portuguesas multiplicaram-se a partir dos 18 671 certificados concedidos em 1991 para os 76 892 em 2015, de acordo com dados da Pordata.
Atualmente, a elevada abundância de novos talentos à espera de serem esculpidos é tanta que dificulta a tarefa dos departamentos de recursos humanos de encontrar o perfil certo para encaixar numa determinada função e dar continuidade ao negócio. “Vivemos num contexto de inflação académica. Há muitas licenciaturas que são uma chave de fendas que só por si não têm valor”, defende numa das suas intervenções nas palestras motivacionais TEDx Miguel Gonçalves, fundador da Spark Agency. A agência de recrutamento e gestão de talento criou em 2013 a iniciativa Pitch Bootcamp em Portugal, a qual funciona como uma “feira” de recursos humanos que, durante dois dias, põe frente a frente recém-formados ou jovens prestes a concluir os estudos académicos com responsáveis de potenciais entidades empregadoras como, por exemplo, a Jerónimo Martins, a Ikea e a Vodafone. Este tipo de iniciativas é cada vez mais recorrente na confluência entre os mundos académico e de trabalho, uma vez que permitem conhecer o carácter pessoal que vai determinar a aplicação prática dos conhecimentos adquiridos. A averiguação das chamadas “soft skills”, como a atitude e a capacidade de resiliência ou de trabalhar em equipa, pesam cada vez mais nos processos de escrutínio e seleção dos candidatos a um posto de trabalho. Depois, é preciso moldar o “mindset” dos potenciais colaboradores, incutindo a filosofia de crescimento e a forma de estar de uma organização.
Para capitalizar a “expertise” dos colaboradores, as empresas vão-se tornando elas próprias em escolas. A título de exemplo, a Sonae criou há cerca de oito anos o projeto “Retail School”, uma espécie de “universidade do retalho” interna do grupo para formar profissionais do setor, a qual em 2015 alargou à comunidade em geral através de um protocolo assinado com o Ministério da Educação e Ciência.
Os recursos humanos são hoje considerados os melhores ativos das empresas e apostar na formação dos colaboradores é investir no futuro. Neste sentido, como atuam as empresas de diferentes setores? Quais os melhores programas para responder às necessidades de um determinado negócio? Ficam aqui alguns exemplos das estratégias de diferentes departamentos de gestão de talento.
15% dos gestores da Jerónimo Martins foram “trainees”
A Jerónimo Martins (JM) oferece há “quase 30 anos” um programa de primeiro emprego que, dada a sua longevidade, já deu azo a histórias de carreiras bem-sucedidas dentro da empresa, como é o caso dos atuais diretores-gerais do Pingo Doce, Isabel Pinto, e da cadeia operada pelo grupo na Polónia (Biedronka), Luís Araújo. O “programa-bandeira” da empresa chama-se “Management Trainee Programme”, pelo qual já passaram mais de 600 jovens. Trata-se de uma iniciativa de primeiro emprego, na área de gestão, destinada aos jovens que detém o grau académico de mestre ou que estão prestes a adquiri-lo. Apesar de durar um ano, “o desenvolvimento dos Management Trainees é pensado no longo-prazo, começando desde logo por promover a aceleração de carreira durante os seus primeiros três anos no grupo”. O programa combina formação “on-the-job” e experiências para desenvolver “competências transversais de gestão e liderança”, dá conta em entrevista Luz Zwolinski, responsável de Talent Programmes e Employer Branding do grupo JM. “Mais de 15% dos nossos gestores, em Portugal, na Polónia e na Colômbia, integraram o grupo através do Management Trainee Programme”. A edição de 2017 do programa terá início em julho, dispondo de “cerca de 20 vagas”.
Sonae é “melhor empresa do mundo” para estudantes de MBA
No início deste ano, a Sonae venceu a primeira edição do prémio “MBA Employeer”, lançado pela Associação Internacional de MBA (AMBA), que posiciona a empresa como “a melhor do mundo” para estudantes de MBA (Master of Business Administration). O programa que está por trás da distinção chama-se “Contacto”. Apesar de não ser específico para estudantes de MBA, abrangendo também licenciados, este plano de formação mostra “uma aposta customizada para ambos os graduados”. Somos das poucas empresas em Portugal que promove um programa para integrar estudantes com esta habilitação e a fazê-lo com mais consistência, talvez da forma mais profissional e com melhores resultados”, comenta em entrevista Isabel Barros, diretora de Gestão e Desenvolvimento de Talento da Sonae MC, a divisão de retalho alimentar.
Além deste, o grupo da Maia apresentou no último ano o “Future Leaders at Retail”, programa de gestão e liderança para jovens talentos cujo objetivo é captar interna e externamente os futuros líderes do retalho alimentar. São programas de nove meses, em que os jovens “passam por todas as áreas ‘core’ da organização, desde as operações, passando pelas áreas comerciais e de marketing até à logística, e têm também um grande enfoque no desenvolvimento das ‘soft skills’. Assim, as competências de liderança, de trabalho em equipa, entre outras, são muito aprofundadas neste programa”, explica Isabel Barros. “Além de um grupo multinacional de formandos, temos licenciados em áreas tão distintas como economia, engenharia ou zootecnia”. Em finais de outubro passado, foram acolhidos 35 talentos e, em fevereiro deste ano, outros 20 potenciais líderes ingressaram na segunda edição da formação. “Estamos a pensar em 2017 introduzir mais jovens porque são estes profissionais que fazem o futuro ‘pipeline’ para nos ajudar a fazer face à expansão de lojas que vamos abrir no futuro. Quando saem das universidades, demonstram muita vontade de trabalhar e têm muitas ideias, e até mitos, em torno da função que podem desempenhar. Só em contacto com um grupo privilegiado de líderes, que estão na empresa há 20 ou 30 anos, podem conhecer e perceber um conjunto de formas de atuar e pensar”, remata Isabel Barros.
Lidl impulsiona mobilidade interna
As métricas próprias do Lidl para avaliar o retorno do investimento feito nos programas de gestão de talento levaram a retalhista alemã a concluir que “são necessários cerca de dois anos de atividade para que cada colaborador comece a compensar o valor investido”.
A cadeia apresenta programas de captação e desenvolvimento individual, assumindo-se como uma “escola que forma os colaboradores consoante os seus gostos e aptidões”, diz ao HIPERSUPER o diretor de Recursos Humanos da filial portuguesa, Helge Hachenberg. Os diferentes departamentos do negócio promovem iniciativas de gestão de talento como o “Junior Buyer”, para a divisão de Compras, ou o mais recente programa, que arrancou em outubro do ano passado, “Junior IT”, para a área de Tecnologias de Informação.
Não obstante, os formandos passam pelos vários departamentos da empresa, de forma a “dar a perceber ao candidato qual o mais indicado para assumir funções”. Premissa válida “não só para recém-licenciados como para toda a empresa”. Para os que acabam de sair das universidades, o mais indicado programa da retalhista é o “International Trainee”, que assegura “acompanhamento e planos de formação personalizados” durante 18 meses, além de uma experiência internacional num país onde a cadeia está presente. Aplicável a todos os colaboradores, por sua vez, o ciclo de “Talent management” promovido pelo Lidl permite desenhar “medidas de desenvolvimento individual, de acordo com as necessidades identificadas para cada indivíduo e o percurso de carreira que deseja seguir”. Sendo “a mobilidade interna uma clara realidade que a empresa impulsiona, um candidato que comece num departamento pode sempre mudar para outro, se for do seu interesse e lhe forem reconhecidas capacidades para tal”, sublinha o diretor.
AKI aposta no “mentoring” para chefes de departamento de loja
A retalhista AKI desenha um Plano de Desenvolvimento Individual para todos os colaboradores. Adicionalmente, tem identificados os que considera “Jovens Talentos, Evolutivos e Altos Potenciais”, para os quais o acompanhamento é “ainda mais próximo”, revela Rita Clemente, responsável de Desenvolvimento de Talento da insígnia de decoração e bricolage. “Neste âmbito, além de tutoria por parte de um elemento do Comité de Direção, temos também formações, organizadas pelo AKI ou pela ADEO [grupo ao qual pertence a insígnia] e, em alguns casos, a proposta de projetos específicos que permitam ao colaborador desenvolver outras competências, fora da sua zona de conforto”.
Para fazer face ao plano de expansão, com o qual ambiciona “duplicar o número de lojas até 2020” captando recém-licenciados que pretendam tornar-se chefes de Departamento das lojas, a retalhista constituiu a Academia de Trainees. No entanto, o projeto de “mentoring” alargou este ano também ao talento interno. “Na edição atual contamos com 12 trainees e três dos mesmos são colaboradores da empresa”, aponta Rita Clemente.
IKEA transforma colaboradores de loja em consultores de decoração
Os programas de gestão de talento da IKEA estão focados essencialmente na liderança, sendo que “cerca de 80% das novas posições de gestão que foram surgindo com o crescimento da cadeia no País foram preenchidas por colaboradores internos”, dá conta Cláudio Valente, diretor de Recursos Humanos da IKEA Portugal que recentemente integrou um responsável pela gestão de talento. No final deste mês de março, abre no Algarve a quinta loja da retalhista no mercado nacional, o que fez a cadeia sueca lançar o programa “Fast Track Loulé”, como forma de preparar os “colaboradores com maior potencial para assumirem funções na nova loja”, revela por sua vez a escocesa Lynn Walker, vice-diretora da IKEA Portugal.
Apesar de ter loja online disponível desde novembro de 2016, é no serviço em loja que a empresa sente mais necessidade de apurar competências para se adaptar à nova realidade multicanal. “Ainda que tenhamos um negócio ‘cash and carry’, queremos transformar a loja num espaço de experiências, como assistir a um showcooking ou receber indicações para depois comprar online, em casa. Para isso, é essencial transformar o mindset dos operadores de loja”, explica a vice-presidente. Neste sentido, o projeto “Home Furnishing Competence” é uma iniciativa que pretende fazer dos colaboradores consultores de decoração para os clientes. Os programas da multinacional sueca direcionam-se sobretudo aos recursos humanos internos, mas a empresa “está a discutir formas de recrutar talento externos – talvez acolher mais estagiários -, para atrair os nativos digitais”, sugere a vice-presidente.
Vodafone aproxima-se do ensino profissional
O programa Vodafone Graduates já integrou nos quadros da empresa 125 colaboradores, desde a primeira edição, em 2009. Além de iniciativas destinadas a jovens recém-diplomados pelas universidades lusas, das quais são exemplo o “Columbus”, programa que dá acesso a experiências internacionais de dois anos em um dos países onde opera, a empresa apresenta iniciativas para o ensino profissional. O projeto “Bright Future”, criado em parceria com as Escolas Secundárias de Fonseca de Benevides, em Lisboas, e Fontes Pereira de Melo, no Porto, aposta na formação em Gestão de Equipamentos Informáticos e Eletrónica e Telecomunicações. “A integração de colaboradores de novas gerações cria uma dinâmica essencial para a renovação, desenvolvimento e crescimento da empresa. Cada nova geração traz consigo novas perspetivas e conceitos desafiadores, que promovem o confronto de ideias e provocam mudanças”, conta em entrevista ao HIPERSUPER Sandra Santana, Talent Manager Vodafone Portugal.
“Foi a 3M que fez nascer a regra dos 15%. Não a Google”
“Desde 1948 que está implantada na cultura da 3M a regra dos 15%. Muitas pessoas pensam que nasceu na Google, mas foi na 3M onde primeiro se concedeu a investidores e cientistas a liberdade de dedicar 15% do seu tempo no trabalho à exploração das suas próprias ideias. Deste modo, trabalham em projetos que acreditam que podem ter um valor real e que não fazem parte dos objetivos quotidianos”, indica ao HIPERSUPER Alejandra Baissan, responsável de Recursos Humanos da empresa para a região ibérica, onde está presente há 25 anos. A multinacional de tecnologia para a indústria canaliza “todos os anos 6% as vendas de I+D [Investigação e Desenvolvimento] para investir nos colaboradores”. No ano passado, lançou o programa “Patilha Talento” em Espanha, o qual promove uma economia colaborativa entre empresas, uma vez que há um intercâmbio de colaboradores entre organizações. “O nosso objetivo para este ano é replicar a mesma iniciativa em Portugal, depois dos excelentes resultados obtidos nesta experiência”.
3 perguntas a… Maria Margalha, Human Resources Manager da UPS Portugal e Espanha
1. Que métodos são utilizados na UPS para a captação de talentos?
Além dos métodos tradicionais de busca, atração e seleção de candidatos, a UPS marca sempre presença em feiras de emprego e em universidades.
2. Qual o perfil dos jovens que procuram para integrar a empresa?
Para identificar o talento numa empresa que emprega mais de 444 000 pessoas em todo o mundo, os nossos procedimentos de seleção têm de ser cuidadosamente adaptados às necessidades de cada área. Temos uma grande amplitude de funções diferentes: condutores, engenheiros, financeiros, agentes aduaneiros, empregados de armazém, agentes de call center, entre outros. Ter uma mentalidade internacional e dominar línguas são vantagens significativas para as pessoas que procuram um posto de trabalho na UPS ou que ambicionam uma promoção interna.
3. Por outro lado, como acompanha o desenvolvimento dos colaboradores?
A empresa investe energicamente na formação e desenvolvimento dos colaboradores, efetuando de forma periódica avaliações formais sobre o desempenho e dando seguimento aos resultados de todas as avaliações para garantir o desenvolvimento contínuo. Temos ferramentas de desenvolvimento interno, que são organizadas quer pela própria empresa quer por iniciativa própria do colaborador.