Cada português desperdiça 97kg de alimentos por ano
O Fórum de Inovação Agro-Alimentar deu conta de novas plataformas de comunicação online para uma melhor repartição dos alimentos excendentários
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Num ano, cerca de um milhão de toneladas de produtos perecíveis acabam no lixo, em todas as fases da cadeia de valor, com consequências para a economia e para o ambiente.
“O problema não é só administrativo, mas também doméstico, e deve ser encarado como uma responsabilidade social”, disse Isabel Mota, administradora da Fundação Gulbenkian, por ocasião do Fórum de Inovação Agro-Alimentar, em Lisboa. A responsável da fundação, envolvida na luta contra o desperdício alimentar em projectos como “Fruta Feia” e “Desperdício 0”, abriu os discursos iniciados na manhã do Dia Mundial da Alimentação, assinalado a 16 de Outubro.
Enquanto um terço dos alimentos são perdidos entre os vários momentos de passagem da cadeia de abastecimento, a restante fatia pertence aos consumidores finais. Apesar de “Portugal estar na linha da frente no combate ao desperdício”, como revelou o representante da FAO, organização da ONU, cada português desperdiça, em média, “97 quilos de alimentos por ano, sendo o pão, o leite e a fruta fresca, os produtos mais desperdiçados pelas famílias portuguesas”, destacou Isabel Mota. A responsável pela fundação que deu tecto à iniciativa destacou a natureza social do problema, alertando que as “soluções têm gerado falhas e, por vezes, até novos problemas”.
O Fórum surgiu pela mão da Secretaria de Estado da Alimentação e da Investigação Agro-Alimentar, em conjunto com a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), a FAO – Organização da ONU para a Alimentação e Agricultura, a Federação das Indústrias Portuguesas Agro-alimentares (FIPA), a Fundação Calouste Gulbenkian e a INOVISA, também representadas nas várias sessões, que deram conta das oportunidades e desafios no combate ao desperdício.
Segundo Isabel Mota, “cerca de um milhão de toneladas de alimentos são desperdiçados por ano, em todas as fases da cadeia alimentar”. Concordando que este é um tema que necessita de grande controlo e gestão por parte dos envolventes na produção, distribuição e consumo dos produtos, responsáveis ligados ao sector, desde a área da investigação até às áreas comerciais e relacionadas com a solidariedade, marcaram presença no fórum, onde assumiram a responsabilidade por um futuro mais equilibrado. No final dos debates, os intervenientes assinaram, um documento onde se comprometeram a desenvolver práticas especializadas na redução do desperdício.
Distribuição faz 5% do desperdício
Novas plataformas online vão permitir no futuro um melhor aproveitamento dos alimentos. A CAP está a desenvolver para os agricultores portugueses uma rede virtual que permite a partilha do excesso de produção, registando os produtos, de modo a que o Banco Alimentar ou as ONG (Organização Não Governamental) e empresas possam ter acesso ao excedentário. Também o Governo espanhol disponibiliza um meio de comunicação entre os profissionais, via net, de modo a que desviem os produtos para os parceiros mais carenciados, compensando uns aos outros.
A directora-geral da APED, uma das associações responsáveis pelo fórum, referiu, por sua vez, um estudo feito em 2010 que aponta uma média de 179 quilos de alimentos desperdiçados por pessoa, na Europa, durante um ano. “Ao contrário do que se supõe, a distribuição é apenas responsável por 5% do desperdício, enquanto 47% vem das famílias, na Europa”, evidenciou Ana Isabel Morais.
A nível europeu, inseridas na iniciativa Europa 2020, para um crescimento “inteligente, sustentável e inclusivo”, estão medidas que promovem a segurança e a gestão de recursos. No que diz respeito ao desperdício, o objectivo proposto é o de reduzir para metade, até 2020, os alimentos inutilizados em toda a cadeia de valor. A necessidade é a de uma governação com políticas e instrumentos ajustados, por exemplo, a partir do novo Quadro Comunitário Europeu, como sugeriu o Presidente da CAP.
Em Portugal, a APED investe na sensibilização, com dicas para o dia-a-dia e apela à comercialização de proximidade, com vista a evitar o desperdício na deslocação. A associação posicionou-se a favor de medidas políticas que recompensem as empresas quando estas praticam a doação de alimentos, com o objectivo de facilitar e desburocratizar a acção.
No entanto, é unânime entre os oradores a intenção de apostar em mais estudos para uma visão mais fidedigna sobre o problema, da qual possam partir soluções mais acertadas, já que o último estudo consta de dados relativos a 2012. “Apenas com a monitorização da situação se consegue ir buscar soluções para prevenir o desperdício, que é responsabilidade de toda a sociedade”, sublinha a directora da APED, dando conta da urgência deste controlo, uma vez que “até 2050, haverá a necessidade de aumentar em 70% a produção alimentar, devido ao aumento da população em todo o mundo”.
Por outro lado, João Machado defendeu que “não há terra suficiente no mundo para aumentar a produção, entre os próximos dez ou vinte anos”. A representar os agricultores portugueses, o presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal deu conta que a única forma de proporcionar o aumento da produção passa pela aquisição de tecnologias competentes, aliada a um melhor aproveitamento dos espaços, mais eficácia e segurança. As tendências de produção passam pela modificação genética e pela manipulação de alimentos, reguladas por uma política europeia que “não permite o avanço dos produtos manipulados cientificamente para o mercado, enquanto não for comprovado que não traz constrangimentos para a saúde pública”, sublinhou João Machado, enfatizando a necessidade de uma colaboração entre o público e o privado, orientados em volta de um objectivo comum.
Portugal na linha da frente
O bem-estar animal e vegetal está entre as preocupações dos agricultores. Segundo o presidente da CAP, “a inclusão dos números de animais que morrem durante a criação, ou mesmo as colheitas perdidas no meio do ciclo de vida natural, nos dados do desperdício, geram uma ilusão estatística”. Para os agricultores, estes indicadores formam uma ideia errada dos valores e não devem ser tomados em conta para as contas totais do desperdício. Num plano até 2020, a aliança dos agricultores aposta numa maior produção, respeitando as condições definidas pela União Europeia, no bem-estar animal, na sustentabilidade e gestão de recursos.
“Quando os alimentos são desperdiçados, os recursos utilizados na produção também são”, lembrou o Presidente da Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA). Jorge Henriques, representou, com a assinatura do documento “Desperdício Alimentar – Um problema de todos!”, realizada no final do evento, a indústria alimentar e de bebidas de Portugal. O presidente falou em “prejuízo para todos os sectores económicos”, em relação ao problema que afecta todo o sector agro-alimentar. Além disso, tudo o que não é aproveitado para consumo resulta numa “perda na cadeia de valor” e na “insustentabilidade da cadeia alimentar”.
O Fórum do Desperdício contou ainda com a presença do Secretário de Estado Nuno Vieira e Brito, que assinalou a necessidade de sensibilização da faixa etária escolar, uma vez que “750 milhões de dólares correspondem ao prejuízo que resulta do desperdício, a nível global”.
Na linha da frente no combate ao desperdício estão ONU, o Governo espanhol, as misericórdias portuguesas e o Banco Alimentar.
A FAO, organização da ONU para a alimentação e a agricultura, representada em Portugal por Hélder Muteia, produziu o relatório Sofi, dando conta dos níveis de fome no mundo. O representante revelou que o número “diminuiu de 2013 para 2014, passando dos 842 milhões para os 805 milhões de pessoas” . Evocando um outro estudo, concluiu que “o estilo de vida praticado nos países desenvolvidos, ultrapassa os recursos do planeta, que já regista uma flora dizimada em 80%. Os países desenvolvidos desperdiçam mais do que o que é produzido em África”. Com a perda de alimentos aumentam os preços, o que restringe o acesso e sobrecarrega o meio ambiente. “Devem ser ajustados modelos de desenvolvimento para que o dinheiro não seja o único objectivo”, afirmou Hélder Muteia. Face ao “comodismo, ignorância e preguiça”, é urgente ajustar “atitudes e valores morais nos países mais desenvolvidos, de forma a eliminar assimetrias e contrastes em todo o mundo”.
A FAO participa no projecto “Comissariado Municipal de combate ao desperdício”, apresentado para Lisboa, também, durante o fórum. Além desta medida, a organização da ONU sugere que se desenvolvam mercados de aproveitamento, que podem ser direccionados para alimentar animais, por exemplo, e embalagens menores para dinamizar a distribuição. A plataforma online ‘Safefoods’ é outra medida já criada, que promove a internacionalização das boas práticas. Hélder Muteia revelou ainda que Portugal acompanha países como a Dinamarca, França e EUA, na linha da frente no combate ao desperdício.
Para revelar dados sobre o país vizinho, o Conselheiro da Agricultura, Alimentação e Ambiente, do Governo espanhol, viajou até à capital portuguesa. José Martin evidenciou a posição de Espanha, onde tem estado a decorrer um projecto, que teve início em Abril de 2013, que promove a transparência, coordenação, sistemas de trabalho e redução das pressões ambientais. Para o efeito, foram realizados um conjunto de acordos voluntários, no país que ocupa o sétimo lugar dos que mais desperdiçam. Mais uma vez, foi frisada a importância de conhecer primeiro os números de desperdício. Além de apostar na inovação e na colaboração com outros agentes, o conselheiro deu a conhecer que uma das medidas do governo espanhol foi a produção de uma série de documentos que facilitam a distribuição do desperdício entre os produtores.
Coimas para as famílias?
“Acções voluntárias de ajuda podem significar uma solução que reduz significativamente os números do desperdício”, diz Susana Branco. A assessora do presidente da União das Misericórdias Portuguesas referiu as várias formas de aproveitamento que são praticadas nas 398 unidades espalhadas por Portugal, que “suportam diariamente mais de 300 mil refeições por dia, através de uma rede de cozinhas e de um reservatório agrícola e pecuário”. A oradora destacou a actividade de algumas das misericórdias, pela sua gestão sustentável de produtos, apostando na qualificação e integração social dos recursos humanos, que são, na maior parte pessoas com dificuldades monetárias ou portadores de alguma doença. Um bom exemplo é uma das casas, no Alentejo, que organiza cortejos, nos quais entregam os excessos da produção à comunidade. Com isto, Susana Branco destacou que é importante não esquecer a herança patrimonial, com “valores humanos de solidariedade que não há tecnologia que supere”.
A Federação Europeia dos Bancos Alimentares também teve uma palavra a dizer em relação ao desperdício. A presidente, Isabel Jonet, revelou que um quarto da população mundial vive no limiar da pobreza e que “a luta contra o desperdício faz-se recuperando os excedentes e distribuindo-os pelos mais carenciados”. Os 21 Bancos Alimentares distribuem “28 mil toneladas de alimentos pelas 2 400 instituições associadas. Apenas 12% dos produtos provêm das campanhas de solidariedade”. Isabel Jonet volta a puxar o tema do desperdício nos lares, afirmando que “é na educação que tudo começa e acaba”. A sugestão deixada pela gestora passa por coimas que sejam aplicadas quando as famílias não aproveitam os alimentos. O Banco Alimentar tem, “há já 10 anos, planos de educação nas escolas”.
Estado deve intervir?
O presidente da CONFAGRI, Manuel dos Santos Gomes, deixou a ideia da necessidade de haver uma política de valorização da produção nacional e que “o Estado deve intervir através de estratégias de consumo regionais e locais”.
Neste sentido, o presidente do Conselho de Administração Executivo da Caixa Central de Crédito Agrícola evidenciou a importância da banca no apoio aos agricultores. Licínio Pina afirmou que “dos bancos de retalho espera-se uma participação activa na disseminação de conhecimento prático, na utilização dos fundos comunitários, que integram o Programa Horizonte 2020, e no apoio a projectos de investimento sustentáveis e inovadores para a optimização dos excedentes e resíduos alimentares”.
O evento terminou com a assinatura do Guia “Desperdício Alimentar – Um compromisso de todos!”, apresentado pela Ministra da Agricultura e do Mar, Assunção Cristas. O documento prevê um conjunto de acções que garantam a potencial redução do desperdício alimentar, ao longo de toda a cadeia. Todos os que estiveram presentes no evento contra o desperdício alimentar, representando a agricultura, indústria, distribuição e, ainda, a Associação Nacional de Municípios Portugueses e entidades ligadas à educação, economia, saúde, agricultura e solidariedade social, subscreveram o documento, no qual assumiram o compromisso de contribuir para um futuro sem desperdícios.