Susana Costa e Silva
“Que efeitos da globalização no marketing: etnocentrismo? Ou etnocentrismo invertido?, por Maria Madalena Costa e Susana Costa e Silva (Católica Porto)
“Promover uma boa imagem do país como “casa” de um produto passa a ser uma necessidade imediata. É o que acontecem com a marca Fly London que de Londres tem apenas o nome já que é uma marca bem portuguesa”
Rita Gonçalves
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Por Maria Madalena Costa e Susana Costa e Silva, respectivamente aluna e professora da disciplina de Marketing do Mestrado em Gestão da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa, Porto
No contexto actual de globalização, a rápida circulação de produtos e marcas pelo planeta tornou o mercado cada vez mais global e muito menos local. Neste sentido, é de esperar que sejam provenientes de localizações cada vez mais dispersas as influências que afectam o comportamento do consumidor. Todavia, isso nem sempre é o que acontece. Há casos em que, pese embora seja possível ir cada vez mais longe em termos de conhecimento do que o que se passa noutros lugares, dos produtos ali produzidos e ali desenvolvidos, os consumidores continuam a preferir o que é nacional.
Segundo Shimp e Sharma (1987), o conceito de etnocentrismo diz respeito a “… uma tendência individual em considerar produtos fabricados no próprio país como superiores, considerando-se pouco patriótico e mesmo imoral comprar produtos estrangeiros por gerar desemprego e consequências negativas à economia.”, ou mais sintetizado “… a preferência por produtos e marcas de seu próprio país a produtos e marcas de outros países.” (Mooij-2004, p. 120). O facto do meio envolvente, neste caso o país de origem do produto, poder influenciar a qualidade, não real, mas a percebida do produto ou marca, resulta numa escolha favorável em relação àquilo que é nacional.
Contudo, também se pode verificar o efeito contrário, numa lógica completamente contrária à anteriormente referida. A este fenómeno chama-se etnocentrismo invertido. Neste contexto, o consumidor idealiza como óptimo ou de qualidade superior todos ou alguns produtos e marcas estrangeiras, tendo uma ideia bastante depreciativa dos produtos do seu próprio país. No limite, pensa-se que tudo o que é carimbado “nacional” é um obstáculo ao desenvolvimento e prosperidade individual, idolatrando o não nacional, que é comparativamente superior. Assim, podem inclusivamente seguir-se modelos de vida e cultura opostos aos do país/cultura de que se é originário.
Estes dois pólos opostos têm em comum a influência cultural no comportamento e escolhas do consumidor. E resultam ambos do fenómeno da globalização: um por dar preferência ao esbater de diferenças entre os vários países do globo e suas culturas. O outro enaltecer esses arquétipos estandardizados. Em ambos os casos, mas por razões diversas, é crucial e decisivo o efeito do “made in”, presente em todas as etiquetas e embalagens.
“Efeito País De Origem”
O “Efeito País De Origem” caracteriza-se pela importância significativa do país em que o produto ou marca foram elaborados, contribuindo para uma qualidade percebida – superior ou inferior – e interferindo directamente, e até quase exclusivamente, na decisão de compra. O efeito etnocêntrico é registado em países cujo sentimento de pertença cultural e valores são intrínsecos ao consumidor, optando sempre ou quase sempre pelo que é nacional. De notar que em regimes proteccionistas/comunistas este comportamento é frequentemente observado. Se, pelo contrário, o consumidor se identifica com uma cultura global, isto já não se verifica. Em ambos os casos, os estereótipos influenciam fortemente as preferências de compra do consumidor. Interessa portanto às empresas conhecê-los para melhor ajustarem as suas ofertas.
Sendo o etnocentrismo academicamente mais abordado comparativamente ao etnocentrismo invertido, a importância deste último e suas consequências não devem deixar, porém, de ser tidas em conta. Até que ponto está o consumidor disposto a pagar pelo que é “importado”? Faz sentido desvalorizar os produtos e marcas nacionais em prol de estrangeiras? Qual o impacto desta crença na economia nacional?
Conceito de “importado”
Geralmente, o conceito de “importado” é conotado como algo que apenas certos grupos privilegiados e de rendimentos superiores podem adquirir. Além disso, são estes grupos que pela interacção que usufruem com marcas globais e com outros países, em viagens, por exemplo, são os mais informados em termos de conhecimento das características de determinados países e suas vantagens específicas. A idade é também relevante nesta avaliação, dado que a população mais idosa tende a ser mais etnocêntrica por crenças enraizadas. Já no que diz respeito ao preço, é comparativamente mais elevado em produtos importados, tanto pelos custos que acarretam (transporte, por exemplo) como também a notoriedade da marca, caso seja uma marca global (Louis Vuitton, por exemplo).
O facto de o consumidor preferir marcas e produtos não produzidos no seu país tem geralmente a ver com estereótipos ou ideias pré-concebidas de uma determinada cultura ou país (miopia cultural). Como exemplos: os produtos de etiqueta “Made In Germany” são atribuídos geralmente a grande qualidade certificada, tal e qual como os suíços e os franceses. No entanto, etiquetas como “Made In Taiwan” ou “Made In Bangladesh” transportam o consumidor para um contexto de mão-de-obra barata e não qualificada, reflectindo-se negativamente na qualidade percebida do produto em questão. Estes são atributos das “marca-país”, em que o consumidor atribui características que tem do país directamente para o produto, reflectindo-se na qualidade percebida do mesmo.
Devido ao fenómeno anterior, certas marcas, cientes do peso e qualidade atribuída aos produtos e marcas do país, transferem para o nome da marca o nome do país de origem (British Airlines, por exemplo). Promover uma boa imagem do país como “casa” de um produto passa então a ser uma necessidade imediata. É o que acontecem com a marca Fly London que de Londres tem apenas o nome já que é uma marca bem portuguesa.
Alemanha: país etnocentrista
Para evidenciar os dois pólos distintos (etnocentrismo e etnocentrismo invertido), vejamos os exemplos de alguns países. Assim, como exemplo de país etnocentrista temos a Alemanha. Os alemães, de uma forma geral, costumam manifestar uma extrema protecção a todos os produtos e marcas de origem alemã, não tanto numa tentativa de travar a entrada de produtos importados para o país, mas pela crença de que os produtos e marcas alemãs são efectivamente superiores. Este é sem dúvida sinal de um forte nacionalismo. Igual comportamento tem também a República Checa. Já na Turquia esta atitude, também marcante, deve-se, sobretudo a um sentimento generalizado de patriotismo. Segundo dados de 2006, o país com o maior índice de etnocentrismo dos consumidores era a Coreia do Norte, seguida pela Indonésia e Polónia. Pelo contrário, o país com menor índice etnocêntrico do consumidor era a Bélgica, seguida de Inglaterra.
As preferências do consumidor em adquirirem produtos importados têm normalmente a ver com ideias pré-concebidas dos produtos de origem desse país. Por exemplo: a Alemanha destaca-se em campos como a engenharia, os fármacos e as instituições financeiras competentes e de elevada qualidade, enquanto que o Japão é conotado positivamente com um cunho de forte inovação tecnológica e electrónica. Já França possui uma notoriedade maior em produtos de luxo e com glamour. Podemos assim dizer que certas categorias de produtos são influenciadas directamente pelo “made in”, de acordo com a especificidade do país de origem, o que, em diversos casos, irá ser decisivo no processo de compra do consumidor. Isto resulta num comportamento etnocêntrico invertido, que leva o consumidor a preferir adquirir um Mercedes alemão, um telemóvel Samsung ou um perfume Chanel, atribuindo-lhe maior qualidade, e logo mais valor, do que aos produtos e marcas similares do seu próprio país. No limite, a crença de superioridade de outros países pode ser tão forte que se alarga a todos os produtos, havendo uma forte relutância do consumidor em comprar seja o que for de carimbo nacional.
O Brasil, por exemplo, é um país com um forte índice etnocêntrico invertido e com uma forte inclinação para a aquisição do “importado”. Pensa-se que o consumidor poderá apenas colocar reticências em relação à superioridade dos produtos estrangeiros nos campos do desporto e da beleza. Aqui o sentimento parece ser exactamente o oposto. No entanto, nas demais áreas, o consumidor brasileiro toma consciência da superioridade dos produtos dos demais países face ao seu, optando geralmente por estes em categorias específicas e técnicas, tais como a engenharia automóvel ou vinhos.
A falácia do “importado” pode ter por base um objectivo de status e a sua escolha não se pautar tanto pelas características intrínsecas do próprio produto. A globalização é o grande responsável deste processo. Cada vez mais os mercados são globais e cada vez mais se perdem as diferenciações regionais e locais em prol de um consumidor mundial médio, de preferências e gostos semelhantes, contribuindo para uma uniformidade da procura. No limite, a perda do particularismo e de singularidade de produtos pode levar a uma perda da própria identidade nacional de cada consumidor. Assim, depois de alertados para o fenómeno do etnocentrismo invertido, a questão que se coloca é: Será que um mercado cada vez mais global é razão directa para um desvio de comportamentos e escolhas do consumidor em prol de tudo aquilo que “vem de fora” e que os outros, todos os outros por esse mundo fora, também adquirem?
Em último caso podemos dizer que o etnocentrismo invertido apenas reflecte uma hierarquização pré-definida pelo consumidor, em que todos estão sempre acima de si. É o espelho de uma desvalorização, com diversas causas e antecentes possíveis, do nacional face à magnitude e supremacia do importado. O que não sabemos é quanto deste fenómeno que tem muito de mimetismo, pode ser ultrapassado por sentimentos de apreciação do que é feito dentro-de-portas. É que, apesar do fenómeno de globalização a que temos vindo a assistir nas últimas décadas, a verdade é que muitas pessoas continuam a valorizar o que é diferente, a valorizar aquilo que apenas está acessível a alguns e a apreciar de uma outra forma as suas próprias origens.