Tudo sobre a Negociação na cadeia de abastecimento, por José António Rousseau (Parte II)
Um bom dossier de negociação deve conter uma apresentação concisa da empresa, expondo as capacidades de produção, logística, conhecimento do mercado, qualidade e respectivas características dos produtos, entre outros, sublinha o especialista em Distribuição
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9º Gene do ADN da Distribuição – A NEGOCIAÇÃO (Parte II)
De um modo geral, no sector da Distribuição, os grandes objectivos negociais comuns a ambas as partes, distribuidores e produtores, são o relacionamento comercial duradouro, a experimentação e teste de novos produtos, a obtenção de informação, o aumento das vendas, a obtenção de lucro e, naturalmente, a satisfação do consumidor final.
Para conseguir atingir estes objectivos, existem algumas regras básicas de negociação que nunca devem ser esquecidas, tais como, separar as pessoas dos problemas, insistir em critérios objectivos, criar opções de ganho mútuo, saber até onde se pode ir, não quebrar as pontes de entendimento, ouvir mais do que falar e, por fim, confirmar sempre e claramente os acordos estabelecidos.
Também para maximizar as hipóteses de êxito e não perder tempo, as negociações devem ser preparadas com rigor e seriedade, de modo a proporcionar aos interlocutores o conhecimento de todas as informações necessárias e de todos os assuntos abordados.
Para tal, os fornecedores devem preparar dossiers de apresentação a utilizar nas negociações que não devem revestir a natureza de panegíricos das respectivas empresas, mas antes constituírem-se como verdadeiros instrumentos de trabalho. Devem ser elaborados à medida de cada distribuidor, em função das suas realidades, características e necessidades e conter, de forma sintetizada, os números-chave que os distribuidores necessitam de conhecer e que respondam às questões essenciais por eles colocadas.
Um bom dossier de negociação deve conter uma apresentação concisa da empresa, expondo as suas capacidades de produção, logística, conhecimento do mercado, qualidade e respectivas características dos produtos, referindo, nomeadamente, a notoriedade e a imagem, o seu posicionamento face à concorrência e ainda os orçamentos promocionais previstos, os meios a utilizar e o planeamento dessas acções; uma síntese de dados de mercado e de consumo, tais como a sua importância, a sua evolução e o seu volume de vendas; Indicadores do posicionamento dos concorrentes no mercado, em termos de quotas e canais utilizados; as fichas dos produtos, com referência à sua qualidade segundo critérios objectivos, a matérias-primas utilizadas, condições de fabrico, grau de inovação tecnológica, informação ao consumidor e factores de diferenciação face a produtos similares; Indicadores de desempenho, reais ou previsíveis, por tipo de ponto de venda, tais como volume de vendas por metro quadrado, rentabilidade por metro linear, índice de rotação, etc.
Infelizmente, por ignorância ou falta de organização, ainda existem fornecedores que esquecem ou desconhecem estas regras elementares, facto que muito tem contribuído para aumentar ainda mais as dificuldades e os problemas negociais.
Elementos fundamentais
Quanto à negociação propriamente dita, os seus elementos fundamentais são os seguintes:
– Os preços – Sabendo-se o peso que na estrutura de custos da distribuição representam o custo dos produtos destinados à venda e a formidável concorrência horizontal cada vez maior entre distribuidores, pode compreender-se bem a importância crescente desta componente negocial. Porém, também a qualidade dos produtos se encontra cada vez mais ligada ao preço, fazendo resvalar o núcleo fundamental de negociação pura do preço para a melhor relação preço/qualidade, de tal forma que os distribuidores são compelidos a dar preferência, perante produtos de qualidade idêntica, aos que apresentam preços mais baixos.
– Os prazos de pagamento – É fundamental para os distribuidores que os prazos de pagamento sejam tão longos quanto possível (30, 60, 90 dias) e sempre, mas sempre, superiores aos períodos de rotação dos stocks de modo a obter as vantagens decorrentes de um bom índice de rotação.
– Os descontos – São formas de reduzir os preços de custo unitários dos produtos e subdividem-se basicamente em dois tipos: a) O rappel, que é um tipo de desconto fixado em percentagem do montante total de encomendas efectuadas num determinado período de tempo, geralmente um ano. Visa compensar a fidelidade do distribuidor e premiar a obtenção dos objectivos quantitativos previstos inicialmente; b) Descontos diversos assentes sobre o preço-base, que podem estar relacionados com quantidades de produtos, prazos de pagamento ou serviços prestados, tais como por exemplo, descontos de quantidade em função de encomendas volumosas. A justificação económica para estas reduções de preço deriva do facto de as grandes quantidades reduzirem os custos unitários dos fornecedores. Estes descontos podem ainda ser cumulativos, se admitirem a acumulação de encomendas num mesmo período de tempo, ou não cumulativos, se forem baseados apenas numa encomenda; Descontos de pronto ou de rápido pagamento ou descontos sazonais, por antecipação da encomenda relativamente ao período em que deveria habitualmente ser feita.
– Modalidades de entrega – Os distribuidores, particularmente os que trabalham com entrepostos centralizados, são cada vez mais exigentes e rigorosos na fixação das modalidades de entrega dos produtos, nomeadamente quanto às suas embalagem e paletização e no cumprimento dos respectivos horários de entrega, progressivamente mais curtos e com cada vez mais frequentes penalizações por incumprimento.
– Modalidades de colaboração comercial e participação nos custos no âmbito da logística, da publicidade, da abertura de lojas, etc.
– Remuneração de serviços – Com a transferência de algumas das funções de marketing para os distribuidores, estes começaram a cobrar aos seus fornecedores alguns serviços prestados no ponto de venda e, por sua vez, a remunerar alguns serviços prestados pelos fornecedores. Entre os primeiros, podem apontar-se as chamadas slotting fees ou allowances (a entrada em linha, o referenciamento e os alugueres de espaço) e entre os segundos a reposição de produtos no linear.
Há quem discuta se alguns destes pagamentos exigidos pelos distribuidores, principalmente a entrada em linha ou o referenciamento, serão legalmente possíveis ou eticamente admissíveis. Alguns fornecedores consideram-nos mesmo uma forma de extorsão, na medida em que este tipo de pagamento não lhes confere o direito de permanecerem para sempre em linha nem preclude o direito de os distribuidores os poderem retirar de linha.
O montante destes pagamentos varia com a natureza ou as características dos produtos e o poder negocial dos distribuidores e fornecedores. Daí que o pequeno retalho tradicional, sem poder negocial para os exigir (excepto se organizado através de formas associativas que também os exigem e obtêm) os considere uma forma de concorrência desleal.
No entanto, os distribuidores argumentam que tais pagamentos fazem parte integrante dos “pacotes negociais” onde se integram também a couponagem, as promoções, as quantidades, etc., e que, contribuem, em regra, para reduzir o custo unitário das mercadorias e vendê-las em condições de preço mais atractivas para o consumidor final. Ora, é precisamente neste aspecto, ou seja, quando estes pagamentos excedem os custos que lhes estão directamente associados, contribuindo para reduzir não só as margens dos fornecedores, mas também os próprios custos dos distribuidores, que se poderá levantar a questão da conformidade da sua natureza com os valores da ética comercial.
Na verdade, considerando as transformações estruturais, a evolução que têm sofrido os sectores da actividade económica ligados aos produtos de grande consumo e respectivos mercados e os importantes processos de modificação do tecido empresarial entretanto ocorridos, tem-se afirmado, de forma cada vez mais imperiosa, a necessidade de constituição de um novo quadro de relacionamento comercial entre a produção e a distribuição.
Para além das experiências de trade marketing e de ECR que já materializam um novo quadro de relacionamento, este poderá ainda ser configurado através de um conjunto de princípios de ética comercial adoptado e praticado pelas empresas produtoras e distribuidoras. Em primeiro lugar, o princípio da transparência, através do qual as empresas, no decurso do processo negocial, aceitam colocar à disposição dos seus potenciais parceiros comerciais um ou mais documentos de que constem as suas condições básicas de negociação, que servirão de ponto de partida para o desenrolar das negociações, sendo válidas por um período determinado de vigência. As condições acordadas deverão ser formalizadas, delimitando-se o seu âmbito, e cumpridas pontualmente pelas partes outorgantes.
Em seguida, o princípio da não-discriminação exige que as empresas se comprometam a oferecer as mesmas condições de partida para a negociação de produtos ou serviços iguais ou em condições de compra equivalentes para todos os seus clientes classificados dentro da mesma tipologia ou do mesmo canal. Depois, o princípio da reciprocidade dita que as empresas baseiem os seus acordos e negociações na existência de contrapartidas efectivas e proporcionais decorrentes das suas transacções comerciais de fornecimento de produtos ou prestação de serviços. O princípio da maximização do valor exige às empresas a cooperação, no sentido de proporcionarem um maior benefício ao consumidor, quer através da partilha de informações, quer por outros meios que contribuam para assegurar a maior eficácia possível à cadeia logística. E, por fim, temos o princípio do cumprimento do acordado, em que as empresas se comprometem, dentro dos limites da boa fé negocial, a cumprir pontual e integralmente os acordos celebrados e as eventuais alterações supervenientes que, por acordo, deles possam decorrer.
Não resolvendo em absoluto todos os problemas existentes, a aceitação e a aplicação recíprocas e empenhadas destes princípios poderão contribuir para eliminar à nascença muitos deles e criar as bases de um melhor e mais profícuo relacionamento futuro.
Leia aqui a primeira parte da Crónica sobre o 9º Gene do ADN da Distribuição – A NEGOCIAÇÃO
Por José António Rousseau
Consultor e docente IPAM/IADE
www.rousseau.com.pt