ADN da Distribuição: Localização (II)
A segunda parte do 6.º gene do ADN da Distribuição: Localização.
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Uma das conclusões mais interessantes de um estudo efectuado sobre as práticas de localização de retalhistas ingleses, apresentado por McGoldrick, é a de que a maior parte das técnicas sofisticadas existentes acabam por não ser usadas pelos retalhistas, tendo estes preferido usar listas dos factores de localização (checklists) que consideram mais adequados e práticos para avaliar o potencial comercial de novas áreas comerciais. Sem pretender invalidar a utilidade deste método prático, considero, no entanto, que a checklist deve ser apenas um ponto de partida de um processo de avaliação de uma localização e nunca um fim em si mesmo, uma vez que, embora fornecendo as perguntas, raramente dá as respostas.
Sendo a geo-demografia o estudo das características da população de uma determinada região, logo dos seus consumidores, o conhecimento das suas variáveis será fundamental para seleccionar os segmentos do mercado-alvo que os distribuidores pretendem atingir.
A primeira dessas variáveis é constituída pela zona de influência, ou seja, toda a área geograficamente delimitada que contenha potenciais consumidores de bens e serviços, reportada a um ponto de venda ou a um conjunto de pontos de venda. A sua delimitação implica uma relação espaço-tempo que ainda a subdivide em zonas de influência primária, secundária e terciária. A zona primária inclui 50% a 80% dos potenciais consumidores do ponto de venda e fica compreendida por uma linha isócrona que circunscreva uma distância máxima de 10 minutos em trajecto automóvel dentro dos limites de velocidade previstos na lei. É a zona envolvente mais próxima da loja, a que possui a mais elevada densidade populacional e compreende uma percentagem adicional de 15% a 20% de potenciais clientes mais dispersos e situados a uma distância compreendida entre 10 e 20 minutos em percurso automóvel, enquanto a zona terciária inclui os restantes clientes potenciais e estende-se por uma área de percurso automóvel compreendida entre 20 e trinta minutos.
Existem diversos métodos de delimitação destas zonas, nomeadamente o designado por Lei de Reilly ou Teoria da Atracção do Retalho ou do Ponto de Indiferença, sendo este último considerado o ponto geográfico situado entre duas localidades face ao qual seja indiferente para os consumidores deslocarem-se às lojas de uma ou de outra localidade para se abastecerem. Esta teoria, baseada num modelo gravitacional (e também chamada, por isso, Lei de Gravitação do Comércio Retalhista), deve o seu nome a William I. Reilly e foi posteriormente desenvolvida por Paul Converse. É a seguinte a sua formulação: “Em condições normais, o comércio situado em duas localidades atrai os consumidores na razão directa das respectivas populações e na razão inversa do quadrado das distâncias”.
Um outro método conhecido é a Lei de Huff, ou Teoria da Atracção do Consumidor, que assenta nas variáveis de sortido, tempo de deslocação e tipos de produtos mais procurados pelos consumidores. Foi desenvolvido em 1962 por David L. Huff e funda-se no princípio de que a probabilidade de escolher uma certa loja é igual ao valor de utilidade dessa loja em relação à soma total das utilidades de outras lojas possivelmente consideradas pelos consumidores.
Após a delimitação da zona de influência, é necessário identificar e conhecer o potencial de mercado dessa zona, ou seja, o seu volume total de vendas e de consumo; para o conhecer, devem ser efectuados estudos de mercado, que vão avaliar o potencial de vendas das novas lojas a localizar nessa zona de influência, determinando a procura que nesse mercado poderão suscitar os bens e serviços que comercializam junto dos consumidores nela residentes.
Este mercado teórico ou potencial pode respeitar a determinados bens específicos ou a um conjunto variado de bens e serviços, consoante o ponto de venda em apreço seja especializado ou generalista. Para calcular o valor do mercado potencial dessa zona comercial é fundamental determinar o número de possíveis consumidores que nela residem ou trabalham e o valor gasto por esses consumidores na aquisição de um produto concreto, numa linha de produtos ou num determinado cabaz de produtos.
Mas, como há e muita concorrência, sempre que mais do que uma loja compete no mesmo mercado ou segmento de mercado, o valor desse mercado potencial terá de ser dividido pelas outras lojas que, na mesma zona de influência, comercializam igual produto.
Daí que o estudo de mercado deva também abranger o estudo da concorrência levantando e analisando as características comerciais de todos os estabelecimentos similares situados na zona de influência (ou fora dela, mas com suficiente capacidade de atracção) de modo a conhecer com o maior rigor possível, por um lado, a quota de mercado, ou seja, a relação entre o mercado da loja e o mercado real dos produtos (e que pode ser medida e expressa em quantidade ou em volume de vendas) e, por outro, a quota de mercado disponível, ou seja, a parte da clientela potencial total que cada loja retém, ou pode vir a reter, como sua clientela real.
Para o conseguir, há que atender ao nível e à actividade comercial de cada loja, à distância a que se encontram umas das outras, às respectivas superfícies de exposição e venda, assim como à imagem que cada uma possui perante a clientela, em função da apreciação que esta faz dos factores de atracção oferecidos.
O estudo da concorrência deverá ainda fornecer resultados que permitam aferir o limiar de saturação, ou seja, o nível de implantações dos pontos de venda a partir do qual toda e qualquer nova implantação implicará a curto ou médio prazo, mantendo-se as mesmas condições concorrenciais, a cessação de actividade de um ou mais concorrentes. Para o determinar, dever-se-á dividir o volume de negócios médio por metro quadrado do conjunto total de pontos de venda pelo valor do mercado potencial da zona de influência (consumo/habitante vezes total/habitantes) e multiplicar o valor obtido pela superfície total de pontos de venda existentes.
Existe, porém, o fenómeno do outshopping, que actua como um elemento crítico desvirtuador da análise do mercado potencial e que ocorre sempre que os potenciais consumidores duma zona de influência se deslocam para lojas situadas fora dessa zona para efectuar as suas compras, por considerarem que aí são melhor servidos em termos de sortido, qualidade ou preço. O outshopping afecta sobretudo as lojas de comércio tradicional e os seus efeitos negativos só poderão ser reduzidos ou eliminados se este tipo de comércio souber minimizar a importância do preço diferenciando-se por meio de uma aposta firme na qualidade do sortido e dos serviços.
Por fim, a localização do ponto de venda pode ser excelente sob todos os pontos de vista, mas os seus custos, sendo excessivos, podem inviabilizar a sua rentabilidade. Entre esses custos, contam-se, nomeadamente, o custo do terreno ou, se o imóvel já existir, o do valor da renda, do trespasse ou da compra respectivos; os custos do projecto e da construção, que inclui eventuais demolições, terraplanagens, obras de construção civil (como criação de parques de estacionamento e acessos rodoviários); as despesas com indemnizações ou contrapartidas a outras entidades, tais como autarquias locais e associações desportivas, sociais ou culturais.
Naturalmente que, nos últimos anos, com a evolução tecnológica que permitiu desmaterializar a loja física, a questão da localização perdeu alguma da sua importância, mas continuamos a assistir hoje às grandes marcas internacionais como a Zara e muitas outras, a só abrirem as suas lojas em localizações privilegiadas fazendo do factor localização o eixo principal da sua estratégia de expansão.
E nem é necessário sair de Lisboa para o constatar. Já tiveram oportunidade de ver quais são as novas lojas do Chiado ou da Avenida da Liberdade?
José António Rousseau, Consultor e docente no IPAM/IADE, www.rousseau.com.pt