João Baluarte, sócio responsável pelos estudos financeiros na OnStrategy
João Baluarte: “A existência de marcas verdadeiramente globais continua a ser um dos calcanhares de Aquiles do nosso crescimento económico”
João Baluarte, sócio responsável pelos estudos financeiros na OnStrategy, evidencia a força crescente de algumas marcas nacionais que têm conseguido afirmar-se num mercado altamente competitivo, impulsionadas pela consolidação, internacionalização e um contexto económico mais favorável. E aponta: “a existência de marcas verdadeiramente globais continua a ser um dos calcanhares de Aquiles do nosso crescimento económico. Com algumas exceções, continuamos a ter marcas, na sua grande maioria orientadas ao mercado nacional”.
Ana Rita Almeida
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A consultora OnStrategy apresentou recentemente os resultados do estudo anual das Marcas Portuguesas Mais Valiosas de 37 setores de atividade, desenvolvido recorrendo à metodologia de Royalty Relief, uma metodologia em conformidade com as normas ISO20671 (avaliação de estratégia e força) e ISO10668 (avaliação financeira), em que todas as marcas são auditadas e avaliadas com base em informação pública, nomeadamente relatórios e contas, dados de mercado e indicadores de força de marca.
Entre as 37 marcas líderes setoriais, identificadas a partir da totalidade das 100 marcas portuguesas mais valiosas, a CGD (+47%), o Pingo Doce (+38,4%), a Parfois (+34,12%), os CTT (+29,6%), a Wells (+29,4%) e a Portugalia (+28,6%) destacaram-se como as marcas que mais valorizaram face a 2023, sendo que a Distribuição/Retalho e Banca foram os setores que mais valorizaram.
Relativamente aos setores de produção, distribuição e retalho alimentar, as marcas líderes em 2024 foram o Pingo Doce no segmento de “Retail Food”, cuja proprietária Jerónimo Martins se destacou também como a marca de Holdings mais valiosa, a Delta, no segmento de “Beverages Non Alcohol”, a Super Bock, no segmento de “Beverages Alcohol”, a Lactogal, no segmento de “Food”, e a Portugália, no segmento de “Retail Restaurants”.
O estudo revela um crescimento significativo em várias marcas de retalho. Olhando para o mercado, quais os principais fatores que contribuíram para a valorização de marcas como o Pingo Doce ou a Parfois?
De uma forma geral, temos vindo a observar uma clara recuperação pós pandemia nas marcas no setor da distribuição e do retalho, com um claro reforço nos índices de força de marca. Por outro lado, o efeito inflacionista dos últimos anos permitiu um reforço nos volumes de negócio das principais marcas de retalho, conjugado com a manutenção ou reforço das suas margens operacionais, bem como o contexto altamente competitivo deste setor e dos seus subsetores e também da implementação ou reforço de fenómenos de consolidação e internacionalização. Adicionalmente, beneficiaram também de uma melhoria de risco da nossa economia. Todos estes efeitos resultaram numa melhoria no valor financeiro das marcas destes setores onde, são exemplos, a Parfois e o Pingo Doce.
No setor da distribuição e retalho alimentar, o Pingo Doce destacou-se com uma valorização de 38,4%. Neste setor, como tem observado o posicionamento e crescimento das marcas? É um setor forte e com muita concorrência. Como é que podem se diferenciar junto dos consumidores?
Mais do que destacar marcas, penso que é importante entender a tendência. O retalho e a distribuição em geral, são setores maduros e onde existe muita concorrência. Aquilo que temos vindo a observar é que o trabalho de marca neste setor tem vindo a revelar-se muito consistente, com os índices de força de marca a terem uma tendência de crescimento nos últimos cinco anos. A entrada de novos players no mercado e alguns fenómenos de consolidação também têm obrigado as marcas a serem muito competitivas e a terem, obrigatoriamente o posicionamento de marca correto, bem como ferramentas e mensagens consistentes e coerentes para as suas audiências. Aliado a um contexto inflacionista e a alguma ressaca do pós-covid, resultaram num crescimento bastante considerável nos dois últimos anos, beneficiando de um contexto atual e de um outlook económico positivo, em particular aquelas marcas que atuam maioritariamente no mercado português.
A marca Wells registou um aumento de 29,4% no seu valor. É uma marca que tem apostado na proximidade com o consumidor. Será também um fator de crescimento desta marca no segmento de “Retail Health & Wellness”?
Sim, sem dúvida. Neste caso, para além dos aspetos já referidos, beneficia também da situação específica do setor de retalho de saúde, ou seja, do crescimento da oferta de produtos farmacêuticos e dermocosméticos e também do aumento da oferta de prestação de cuidados de saúde.
A Parfois lidera no segmento de “Retail Specialist”. Quais são as principais tendências no setor de retalho especializado que a Parfois soube capitalizar para alcançar esta posição de destaque?
A Parfois tem um posicionamento de marca muito claro, uma segmentação de produto e de canais de distribuição muito assertiva e consistente, que aliada a uma estratégica de internacionalização permitiram alcançar essa posição de destaque. Diria mesmo que tem sido um exemplo no seu setor e no panorama das marcas portuguesas.
Como vê o posicionamento das marcas portuguesas nos vários setores? A inovação e o eixo da sustentabilidade fazem a diferença?
A existência de marcas verdadeiramente globais continua a ser um dos calcanhares de Aquiles do nosso crescimento económico. Com algumas exceções, continuamos a ter marcas, na sua grande maioria orientadas ao mercado nacional. O facto de um grande número das nossas empresas serem de pequena e média dimensão e, consequentemente a maioria das suas marcas, é um inibidor do seu crescimento, qualitativa e quantitativamente. Aquelas que por seu lado têm a escala que lhes permite sair fora de portas e alavancar a sua notoriedade e relevância, conseguem ombrear com as melhores nas suas indústrias. Nestas, a inovação e a sustentabilidade, seja ela ambiental, social ou económica, são fatores que têm cada mais relevância e pesam cada vez mais no total das dimensões e atributos que constituem a sua força de marca.
Considerando o contexto económico atual, quais são as suas previsões para a evolução das marcas de retalho e distribuição em Portugal, particularmente em termos de valorização e impacto no mercado interno e externo?
Quanto aos aspetos quantitativos que impactam a valorização, acredito que dependerá muito da economia internacional, mais do que da nossa economia. As tensões na Ucrânia e Médio Oriente, as eleições norte americanas e os seus impactos na economia europeia podem a ter algum impacto no seu crescimento e, inevitavelmente na portuguesa. Estes fatores podem ter impacto quer na evolução dos negócios quer na perceção de risco que poderá afetar o valor. Quanto aos aspetos comportamentais, de relação das marcas com os seus stakeholders, acredito que as principais marcas, sejam elas dos sectores do retalho e distribuição, ou dos restantes sectores continuarão a mostrar a resiliência e a consistente evolução que têm mantido nos últimos 10 anos, no rescaldo do pós Troika.
A metodologia Royalty Relief utilizada na avaliação das marcas baseia-se em dados públicos e indicadores de força de marca. Como é que esta metodologia se diferencia de outras formas de avaliação de marcas?
De uma forma geral, esta metodologia é aquela que é mais comumente aceite por auditores, banca e em disputas judiciais. É uma das metodologias recomendadas nas normas ISO 10668 e 20671, que definem os guidelines quantitativos e qualitativos de avaliação de marcas. De uma forma geral, é um processo que incorpora uma análise comportamental, definida por um Índice de força de marca, uma análise financeira, que incorpora projeções de volume de negócios, margens operacionais, royalties e taxas de desconto e uma análise legal, que inclui uma análise sobre a forma como a marca se encontra registada e protegida. Para cada uma destas dimensões recorremos a fontes de informação externas e a estudos de mercado, que permitem aferir da sua força nos segmentos e nas geografias onde atua. Nesse sentido, elimina muitos critérios de subjetividade que outras metodologias, como por exemplo o earnings split incorporam.
Esta entrevista foi publicada na edição 427 do Hipersuper