Empresas e instituições mobilizam-se para criar indústria de insetos em Portugal
Produtores, distribuidores, autoridades públicas, academias e centros de investigação estão alinhados para desenvolver uma indústria de insetos competitiva em Portugal. Para este efeito, um grupo de empresas está a candidatar […]
Rita Gonçalves
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Produtores, distribuidores, autoridades públicas, academias e centros de investigação estão alinhados para desenvolver uma indústria de insetos competitiva em Portugal. Para este efeito, um grupo de empresas está a candidatar uma agenda de investimento de 57,4 milhões de euros aos fundos do PRR e retalhistas e produtores mostram avanços na comercialização de alimentos à base de insetos. O que vem aí?
A ideia de colocar o país no mapa da produção mundial de insetos para alimentação humana e animal começou a ganhar forma quando, em novembro do ano passado, um consórcio de 38 empresas e centros de investigação anunciaram o lançamento de uma agenda de investimento de 57,4 milhões de euros para erguer uma indústria de insetos competitiva e tecnologicamente avançada em Portugal, ao abrigo de uma candidatura ao maior programa de financiamento, designado “Agendas Mobilizadoras”, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que tem um período de execução até 2026.
No final do ano passado, o projeto da Agenda Mobilizadora InsectERA passou a primeira fase do programa com nota positiva, revela em entrevista ao Hipersuper Daniel Murta, CEO e fundador da Ingredient Odyssey e porta-voz da InsectERA. “[o projeto] reuniu elevado interesse junto das entidades promotoras e junto do setor agroalimentar em Portugal”, garante. A empresa promotora da Agenda InsectERA criou já certamente a equipa de base que irá promover o desenvolvimento da segunda fase da candidatura, cujos resultados deverão ser conhecidos em abril ou maio.
O consórcio envolve três produtores de insetos em Portugal (Ingredient Odissey, Thunderfoods e The Cricket FarmCo), a consultora de inovação tecnológica INOVA+, os laboratórios colaborativos B2E CoLab, Colab4Food, FeedInov CoLab e IplantProject CoLab e as empresas Auchan, Mendes Gonçalves, Agromais, Silvex, Mesosystems, Sorga, Savinor, Nutrifarms, PetMaxi, Sensetest, Solfarco, entre outras.
O objetivo é desenvolver a industrialização, comercialização e exportação de produtos inovadores à base de insetos, com soluções para a área alimentar (animal e humana), indústrias da cosmética e dos bioplásticos, assim como para o setor biorremediação, através da criação de soluções de valorização de resíduos orgânicos.
Da defesa do consumo pela ONU à aprovação da DGVA
Foi lá longe, em 2013, que a Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO) defendeu o consumo de insetos como solução estratégica para o aumento da sustentabilidade alimentar e de alternativas nutricionais.
Em Portugal, em 2018, a DGVA (Direção-Geral de Alimentação e Veterinária) publica um Manual de Boas Práticas na Produção e Processamento de Insetos para Alimentação Animal e, em junho de 2021, ao abrigo do Regulamento Europeu para Novos Alimentos, autoriza o consumo de sete tipo de insetos.
“Esta alteração legal, promovida pela DGAV, permitiu que a produção e utilização de insetos para alimentação humana em Portugal se tornasse uma realidade, tendo entrado produtos alimentares produzidos à base de insetos produzidos no nosso país no mercado nacional ainda no verão passado”, conta o porta-voz da InsectEra. Na opinião de Daniel Murta, o trabalho da DGAV permitiu que “os desenvolvimentos técnico-científicos não perdessem o impacto por ausência de acompanhamento legal e regulamentar, o que muitas vezes condena projetos de elevado valor”.
O Continente, a primeira marca de retalho alimentar no país a comercializar produtos alimentares à base de insetos, acredita que esta categoria de produtos alimentares tem “uma grande margem de crescimento”, salienta fonte da Sonae MC, em entrevista ao Hipersuper. “O consumo de insetos é uma tendência mundial, com um perfil nutricional muito interessante e, sobretudo, com um impacto ambiental muito mais reduzido quando comparado com os de outras fontes proteicas animais”.
A insígnia comercializa barras cruas e snacks de tenebrio molitor desidratado, da Portugal Bugs (a primeira empresa portuguesa a desenvolver e comercializar produtos alimentares à base de insetos) em corners de dez lojas Continente (em espaços dedicados aos novos produtos) e na loja Continente Labs. Ao Hipersuper, fonte da Sonae MC adianta que as vendas têm vindo a superar as expetativas. Os Continente de Matosinhos, Colombo, Oeiras e Vasco da Gama, são, até ao momento as lojas com mais unidades vendidas. “Cerca de 10% dos clientes repetiram a compra mais do que uma vez, um valor muito positivo, tendo em conta o caráter disruptivo [destes produtos]”.
As barras cruas, disponíveis em quatro combinações de sabor (chocolate e amêndoa, figo e laranja, maça e canela, manteiga de amendoim e mel), que incluem insetos na composição, embora os animais não sejam visíveis no produto final, são as referências mais comercializadas nos espaços da Sonae. Por outro lado, “na segunda semana em loja, no total das 11 lojas que disponibilizam os produtos, foram vendidas cerca de 140 unidades de snacks de tenebrio molitor desidratado”, partilha a fonte da Sonae, estes, sim, com os insetos visíveis ao olho humano.
Tendo em atenção que os produtos mais vendidos são aqueles nos quais os insetos não são visíveis, a Sonae acredita que os consumidores “estão prontos para incluir insetos na sua alimentação, de forma gradual, e incorporada em alimentos que já façam parte do seu dia-a-dia”.
Será a crescente exposição a diferentes produtos com insetos que vai permitir eliminar, aos poucos, as barreiras ao consumo num setor ainda com uma grande margem de crescimento, conclui o porta-voz da empresa da Maia.
Mais tarde, foi a vez da Auchan Portugal apresentar um espaço dedicado à alimentação do futuro e à democratização da inovação alimentar, em loja, designado Future Taste, primeiro em Alfragide e, entretanto, já disponível em Aveiro, Gondomar e Almada. A primeira marca a ocupar este espaço de exposição foi a Portugal Bugs, com quem a a Auchan já trabalhava há algum tempo. “O uso de insetos como fonte de alimento tem-se revelado uma excelente fonte de proteína que, quando comparada com outras fontes proteicas animais, apresenta a vantagem de ter menor impacto ambiental e, como tal, estes farão parte do futuro da alimentação”, adivinha Vera Fernandes, responsável de oferta e compra na Auchan Retail Portugal, em entrevista ao Hipersuper.
A insígnia já introduziu permanentemente uma gama de alimentos à base de insetos nos seus lineares. Comercializa atualmente um portefólio constituído por snacks, massa proteica, chocolate com tenebrio e farinha de inseto proteica da marca Portugal Bugs.
Guilherme Pereira, fundador da Portugal Bugs, estima, em declarações ao Hipersuper, que o mercado português de produção e venda de insetos comestíveis represente no final de 2022 cerca de dois milhões de euros.
A estratégia de entrada dos produtos da Portugal Bugs nos lineares do Continente foi programada em parceria com a retalhista, com o objetivo de “alcançar uma percentagem considerável de consumidores” que foram impactados de “forma positiva” e consciencializados para o consumo de insetos. Depois, com a entrada na Auchan, a empresa alargou a distribuição a todo o país e lançou novos produtos. Ao fim de seis meses do lançamento dos produtos nas duas cadeias de distribuição alimentar, Guilherme Pereira considera que estes projetos são essenciais não só para a afirmação da Portugal Bugs, mas para a afirmação todas as empresas que constituem este setor, assim como para estimular o consumo deste tipo de produtos junto dos portugueses.
Porque é que a proteína de inseto é valorizada?
Além de uma fonte privilegiada de proteína e de micronutrientes, os insetos são facilmente digeríveis e assimiláveis, conta Daniel Murta, acrescentando que a capacidade de produção local, de forma eficiente e recorrendo a subprodutos agrícolas, contribui para uma eficiente utilização dos recursos naturais do país. “Comparativamente, para produzir um quilo de insetos basta utilizar dois quilos de alimento, enquanto para produzir a mesma quantidade de carne de bovino é necessário utilizar dez quilos de alimento”, exemplifica o porta-voz da InsectERA, alertando, no entanto, que ambos os animais têm alimentos diferentes e ocupam espaços produtivos diferentes, pelo que os insetos não devem ser considerados substitutos da carne de vaca, ou de outros animais e plantas, mas sim um complemento à dieta alimentar.
O responsável acredita que, por um lado, o consumo de insetos irá crescer nos próximos anos, alavancado por argumentos de nutrição, saúde e sustentabilidade e, a longo prazo, irá crescer nos países ocidentais devido à necessidade de produzir fontes proteicas localmente e de forma mais eficiente.
Acreditando que os insetos terão “um papel relevante” na nutrição das populações humanas nos países ocidentais e tendo em conta que a crise gerada pela presente pandemia veio reforçar que a independência nutricional dos países é essencial para assegurar a sua soberania e resiliência económica, ficando menos exposto a variações do preço global de matérias-primas, Daniel Murta defende que a produção de insetos em Portugal, transformando desperdícios nutricionais da agroindústria em produtos de elevado valor económico e nutricional, é uma oportunidade “para um país de reduzidas dimensões, com poucos recursos naturais, exposto à seca e às alterações climáticas”.
Da garagem para os lineares do Continente
A Portugal Bugs nasceu em 2016 em contexto universitário e em, 2017, dá início a uma experiência de produção de insetos numa garagem. Depois da luz verde por parte da DGAV para a produção e utilização de insetos para alimentação humana em Portugal, é a primeira empresa portuguesa a comercializar produtos alimentares à base de insetos em Portugal e nos mercados internacionais. A empresa está a exportar uma parte da sua produção para o Japão, a Holanda e a República Chega. É precisamente na Holanda e na Républica Checa, a par da Alemanha e Bélgica, onde o mercado de insetos está mais desenvolvido na Europa. “As autoridadesgovernamentais [destes países] promoveram este setor através da implementação de medidas benéficas para os operadores”, adianta o fundador da Portugal Bugs.
“A nossa filosofia de crescimento mantém-se, acreditamos num crescimento sustentável, baseado em necessidades reais”, conta Guilherme Pereira, dando conta da intenção da empresa de triplicar o número de trabalhadores até ao final deste ano.
Atualmente, a empresa está focada em exclusivo na produção e desenvolvimento de produtos alimentares com insetos, adquirindo a matéria-prima junto de fornecedores exclusivamente europeus, em virtude da “complexidade para conseguir aprovação para a produção de insetos para consumo humano em Portugal”. “Num futuro próximo queremos ter só fornecedores portugueses”, adianta o responsável que, além do Continente e da Auchan, comercializa também alguns dos produtos no El Corte Inglés e na mercearia de produtos internacionais Glood.
Ressalvando que ainda é prematuro fazer um balanço das vendas, o fundador da Portugal Bugs indica que as barras energéticas têm tido uma boa aceitação junto dos portugueses, nomeadamente junto das camadas mais jovens, entre os 12 e os 40 anos, e junto dos mercados internacionais. As barras energéticas são o produto da empresa mais exportado. “Tendo em conta que o lançamento foi feito apenas em agosto de 2021, posso adiantar que o resultado foi surpreendentemente positivo e acima das expetativas iniciais. “Em 2022, prevemos aumentar em 10 vezes a faturação alcançada em 2021”, estima o fundador da Portugal Bugs.
Além de aumentar significativamente a faturação, a empresa está este ano focada em conseguir colocar os seus produtos em todas as cadeias de retalho portuguesas, assim como em retalhistas espanhóis, e fazer a entrada da marca nos EUA. A empresa prepara ainda o lançamento de novos produtos ainda no primeiro trimestre deste ano, mas o responsável prefere ainda não levantar o véu.
Entre as grandes tendências internacionais no consumo destes produtos, Guilherme Pereira destaca as barras energéticas, os snacks com insetos inteiros e o aparecimento dos primeiros produtos que constituem alternativas a refeições, como massas e hambúrgueres feitos a partir de farinha de inseto.
Apesar de acreditar que Portugal tem potencial para ser um grande produtor e exportador de insetos, pelas “características geográficas” do país e pela “capacidade dos operadores”, o responsável pede aos governantes portugueses condições mais favoráveis para a captação de investimento e para aumentar os apoios financeiros a este setor, à semelhança do que tem sido feito em outros países europeus, como a França e a Holanda.
Tecmafoods aumenta produção para dar resposta à procura
A Tecmafoods – Insect Based Feed & Food é uma empresa com uma operação B2B (Business to Business), fornecedora de ingredientes à base de inseto para a indústria alimentar e o canal Horeca, que desenvolveu a primeira unidade industrial em Portugal, em março de 2020, destinada à produção de insetos para alimentação animal, conta Vasco Esteves, CEO da empresa, em entrevista ao Hipersuper, adiantando, no entanto, que esteve sempre na mira da empresa produzir insetos para alimentação humana.
Uma vez aprovada a venda destes produtos em Portugal, a operação estava já desenhada para dar resposta à legislação. “Quando saiu a autorização, já sabíamos o que alterar e assim o fizemos. Durantes os meses de setembro e outubro implementámos as alterações e temos agora uma unidade indústria 100% compatível com a alimentação humana”, lembra o CEO.
Ressalvando que, pelo que sabe, os insetos comestíveis produzidos em Portugal ainda não são utilizados em produtos alimentares, o responsável estima que a produção anual deverá representar 300 mil euros e as vendas destes produtos cerca de um milhão de euros. “Ambos irão crescer este ano”, acredita.
Com controlo de produção desde a origem até à transformação, a empresa de Leça do Balio está a produzir atualmente 1,5 toneladas de larvas por mês, valor que se traduz em 525 quilos de farinha, embora a fábrica esteja ainda longe de atingir a plena capacidade de produção. “O nosso modelo de produção é descentralizado numa parte do processo, o que nos permite ter um crescimento modular, acompanhado a procura”, avança Vasco Esteves. Aliás, a empresa está atualmente a investir no aumento da capacidade de produção para dar resposta à subida da procura.
Com o objetivo de ser o fornecedor número um de mono-igredientes (farinha e desidratado) de tenebrio da indústria alimentar portuguesa, a empresa está neste momento concentrada na produção de farinha, que representa cerca de 90% da produção, e de insetos desidratados. “Temos alguns projetos em mente na área das gorduras, pastas e texturizados”, avança o responsável, sem revelar mais pormenores.
A empresa estima alcançar no final deste ano uma faturação entre os 350 mil e os 400 mil euros, já com alguma ajuda da atividade de exportação. “Estamos neste momento a entrar nos mercados e prevemos uma representação de 25% a 30% de faturação”, no que diz respeito às vendas internacionais, prevê.
Lá fora, as grandes tendências passam pela incorporação de insetos comestíveis em pão, bolos, bolachas, batidos, massas, refeições pré-feitas. “No fundo, é possível aplicar esta proteína em tudo”, termina o responsável.
Quais devem ser os próximos passos em matéria de regulamentação?
Daniel Murta, CEO e fundador da Ingredient Odyssey e porta-voz da InsectERA
Em termos de regulamentação o setor dos insetos deu um enorme passo com a autorização de insetos em alimentação humana. Porém, há ainda grandes desenvolvimentos a ocorrer, quer no que concerne a tecnologia quer à sua aplicação económica. Neste sentido, o maior desafio ao progresso é que os desenvolvimentos tecnológicos sejam acompanhados por validações científicas que assegurem a sua eficiência e segurança e, posteriormente, quando validadas, por uma rápida regulamentação.
É a eficiência deste processo que permite que novos processos vejam a luz do dia no mercado a tempo de contribuírem para a competitividade das empresas que os desenvolveram e dos países onde as mesmas operam.
Neste sentido, os principais desafios regulamentares no setor dos insetos prendem-se com o licenciamento dos diferentes produtos gerados, desde as proteínas aos fertilizantes. Seria interessante ver autorizada a utilização de produtos refinados de insetos, que têm um maior valor nutricional e económico, ao invés de se poder usar apenas farinha e insetos inteiros, ao mesmo tempo que seria interessante ver reforçado o reconhecimento do seu impacto ambiental positivo e o alargamento do tipo de subprodutos que podem ser usados na produção de insetos.
Guilherme Pereira, fundador da Portugal Bugs
O primeiro passo será efetivamente categorizar os insetos como um ingrediente normal e que as empresas que utilizam a farinha dos insetos em produtos alimentares tenham a liberdade de aplicação como, por exemplo, as empresas que utilizam proteína do leite. Paralelamente, é necessário descomplexificar o procedimento de aprovação das unidades produtoras de insetos, de forma a conseguirmos produzir e transformar os insetos em Portugal. Aos dias de hoje, o processo ainda é muito moroso e complexo, quando deveria ser algo simples e menos burocrático.
Vasco Esteves, CEO da Tecmafoods
Toda a atividade já está regulada, quer na produção animal, quer na transformação. Rege-se por regulamentos já existentes e por normas criadas para o efeito. Falta criar enquadramento para o transporte de invertebrados, que ainda não existe. É preciso também fiscalizar as produções em relação às condições de produção