Adega alentejana conserva modo ancestral de fazer vinho
As caves da Adega José de Sousa escondem um segredo, em forma de barro, com o qual a casa alentejana quer ganhar mais visibilidade entre os consumidores “premium”. A produção de vinho em talha está na sua génese, mas só agora a adega centenária lançou um vinho 100% extraído de ânforas de barro
Ana Catarina Monteiro
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As caves da Adega José de Sousa escondem um segredo, em forma de barro, com o qual a casa alentejana quer ganhar mais visibilidade entre os consumidores “premium”. A produção de vinho em talha está na sua génese, mas só agora a adega centenária lançou um vinho 100% extraído de ânforas de barro.
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É um método de vinificação que prevalece no Alentejo por herança dos romanos, que há mais de 2000 anos já produziam vinho em ânforas de barro. Estima-se que, atualmente, apenas Portugal e Geórgia produzem vinho de acordo com o processo milenar ensinado durante a colonização romana. A arte dos vinhos da talha entrou em desuso, muito por força da escassez das vasilhas – ou talhas – cujo tamanho carrega o peso de um exigente e moroso trabalho de moldagem do barro.
Na centenária adega José de Sousa, em Reguengos de Monsaraz, existem 114 ânforas, com uma capacidade de entre 1800 e 2000 litros cada. Quando o grupo José Maria da Fonseca (JMF) adquiriu a adega, em 1986, encontrou “cerca de 20 talhas” que, desde logo, despertaram o interesse do enólogo da família Soares Franco. “Fomos adquirindo mais talhas, na altura, a preços reduzidos, porque ninguém compreendia o que queríamos fazer com aquilo”, explica Domingos Soares Franco, responsável pela enologia da JMF. Chegaram a ser 120 as talhas detidas naquela adega, compradas em “S. Pedro do Corval, Vidigueira e Campo Maior”, mas com as experiências que se foram fazendo algumas acabaram por rebentar. As manchas de vinho pela adega fora quase permitem visualizar a explosão bruta das enormes vasilhas.
A utilização da técnica tradicional de vinificação e método de fermentação em talhas de barro na Adega José de Sousa remonta a, pelo menos, 1878 e a JMF quis dar seguimento à produção do clássico Tinto Velho, por considerar uma referência mítica do Alentejo. Apesar de utilizar vinho fermentado e amadurecido em talha para compor os vinhos “premium” da adega José de Sousa, só este ano a produtora decidiu lançar uma variedade composta em 100% por vinho feito através daquela arte ancestral.
A marca Puro Talha, nas variedades branco e tinto, vem complementar a gama composta pelos vinhos José de Sousa, José de Sousa Mayor e J, cuja matéria-prima provém dos 72 hectares de vinha que rodeiam a adega de Reguengos de Monsaraz. Apesar de manter a técnica, a JMF adotou o nome do fundador da propriedade, em jeito de homenagem, para os vinhos que dali saem, cessando a venda sob alçada da “mítica” marca Tinto Velho. Agora, com o lançamento da Puro Talho, o objetivo é “comunicar as características únicas e independentizar a gama de vinhos José de Sousa”, os quais representam ainda 5% das vendas do grupo, que no último ano se fixou nos “20 milhões de euros e este ano deve crescer acima dos 10%”.
“Por um lado, grande fatia do público ainda não sabia que parte destes vinhos estagia em talha. Por outro, e sobretudo por este aspeto, começa a haver por parte do mercado, nacional e internacional, maior curiosidade por vinhos que se distinguem dos restantes, que sejam especiais e únicos. Neste sentido, decidimos apostar no lançamento de um vinho que comunique as características da especialidade da adega José de Sousa, que é diferente da maioria dos vinhos produzidos em Portugal”, sublinha em entrevista ao HIPERSUPER, durante o evento de lançamento dos novos produtos, o vice-presidente da JMF, António Maria Soares Franco.
“No mundo do vinho, a dada altura, houve uma padronização das produções. Hoje em dia, o consumidor está um pouco cansado dos vinhos tradicionais e procura sabores diferentes. Estes vinhos da talha têm de facto um carácter diferente que vai ao encontro destes consumidores”, observa o responsável que, em conjunto com os seus irmãos, representa a sétima geração da família à frente do grupo vinícola.
Método de produção artesanal
Os vinhos da talha têm um processo praticamente artesanal. Na adega segue-se o processo mais clássico de elaboração da arte da talha, como mandam os registos do célebre enólogo do séc. XIX António Augusto de Aguiar. A uva é ligeiramente pisada e o desengace é feito à mão numa mesa de ripanço, sendo que “30% do engace vai para as talhas e 70% é fermentado à mão”, descreve Domingos Soares Franco, à medida que caminha pela cave repleta de vasilhas de barro. O responsável acredita que o uso das talhas confere uma terceira dimensão ao vinho. Durante cerca de duas semanas, há que mexer duas vezes por dia o manto que fica no cimo estreito das ânforas. Caso contrário, exerce uma pressão que acaba por partir a talha. Concluída a fermentação, no fundo da talha forma-se uma manta compacta, conhecida por “mãe”, que tem como função principal filtrar o vinho, que sai límpido da talha através de um orifício na parte inferior da vasilha. Posteriormente, no que diz respeito ao vinho branco, é retirado e colocado numa nova talha. O tinto, por outro lado, é retirado da ânfora e dividido entre as talhas e tonéis de castanho.
O estágio dura 16 meses, sendo que para ser certificado como DOP (Denominação de Origem Protegida) do Alentejo, deve obrigatoriamente ficar na talha até ao dia de S .Martinho do ano da colheita (11 de novembro).
Os primeiros vinho Puro Talha chegam ao mercado este mês de outubro, com um preço de 30 euros, para o branco, e 35 euros para o tinto. Devido aos pequenos volumes produzidos – no total, foram cerca de 6500 garrafas de tinto e 600 de branco -, em Portugal, este vinho poderá encontrar-se em restaurante e lojas especializadas, destinando-se também à exportação, sobretudo para a Suécia, “principal mercado externo para a JMF”, além de Suíça e Luxemburgo. Também a China deve absorver parte das vendas, já que este é um mercado onde se “valorizam os vinhos do Alentejo e, sobretudo, estes produtos feitos de uma forma mais pura, mais artesanal”, nota o vice-presidente da JMF, sublinhando que “quase metade da produção da José de Sousa Mayor segue para a China”.
No caso do novo vinho, “mais que vendas diretas, a ideia passa pela construção de marca da gama José de Sousa, que certamente depois irá puxar o posicionamento dos restantes vinhos”, considera António Maria Soares Franco.