Especial Vinhos. Castas autóctones são mais-valia para competir lá fora
Os produtores nacionais de vinho estão sedentos de inovação para concorrer num mercado global cada vez mais competitivo, onde as castas de origem portuguesa são ainda um nicho
Ana Catarina Monteiro
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Os produtores nacionais de vinho estão sedentos de inovação para concorrer num mercado global cada vez mais competitivo, onde as castas de origem portuguesa são ainda um nicho
O consumo de vinhos está a despertar em mercados de grande dimensão. Espera-se por exemplo que o consumo na China aumente 79% nos próximos três anos, tornando-se o segundo maior mercado, em valor, para o setor mundial de vinhos, logo atrás dos Estados Unidos. Atualmente, os chineses consomem 52,7 milhões de garrafas por ano, número que deve aumentar para os 94 milhões em 2020, sendo que metade do mercado será dominado por vinhos importados, segundo o estudo “Global Study 2015-2020” do IWSR (International Wine & Spirit Research), apresentado na última edição da feira internacional do setor, a Vinexpo. Apesar do elevado crescimento previsto, o potencial daquele mercado fica longe de se esgotar, uma vez que em 2020 o consumo per capita na China, país com 1,36 mil milhões de habitantes, assentará em 1,53 litros, valor ainda reduzido comparando com França, onde a média anual se fixa em 43,63 litros per capita, segundo o instituto de pesquisa especializado em vinho e espirituosas.
Para a portuguesa Parras Wines, o gigante asiático é já o maior mercado de exportação, mas é o Brasil, que assume a quinta posição no top da produtora, que apresenta os níveis de crescimento mais satisfatórios. Este ano, o mercado brasileiro regista à data um crescimento de 79% em encomendas face ao período homólogo do ano anterior, destaca em entrevista Bruno Gomes, responsável de Enoturismo da produtora que detém a Quinta do Gradil, na região de Lisboa, tendo alargado no último as terras próprias ao Alentejo com um investimento de oito milhões de euros na Herdade da Candeeira (Redondo). As exportações pesam atualmente 23% no volume de negócios da empresa, após um crescimento de 19,5% no ano transato.
No mesmo sentido, países como “Rússia, Brasil ou China são considerados estratégicos quer pela dimensão quer pela capacidade de crescimento que representa a alteração dos hábitos dos consumidores”, explica em entrevista ao HIPERSUPER Pedro Lufinha, CEO (Chief Executive Officer) da Quinta da Alorna. A produtora de Almeirim iniciou um “novo investimento nos seus vinhos em 2015”, depois de entre 2001 e 2013 ter injetado “cerca de 5,5 milhões de euros na modernização e ampliação da adega”. Atualmente, a produtora exporta 50% das suas vendas, com os vinhos de topo a representarem a maior fatia das vendas para 28 países estrangeiros.
“Premium” é segmento que mais cresce em 2017
Além das geografias onde o consumo de vinho está a emergir, em mercados maduros como o europeu, onde se regista o maior consumo per capita, aumenta a “premiumisação” do setor, com os consumidores a mostrarem cada vez mais apetência por néctares com um preço médio mais elevado. O IWSR espera que este ano os vinhos “premium” (com um preço acima dos dez dólares por garrafa) sejam o segmento com maior crescimento entre os vinhos mundiais.
De forma a aproveitar as oportunidades de crescimento ao longo do globo, o maior desafio para os produtores nacionais de vinho contactados pelo HIPERSUPER (Ervideira, José Maria Fonseca, Parras Wines, João Portugal Ramos e Quinta da Alorna) está na “diferenciação” para se sobressaírem entre a cada vez mais feroz competitividade a nível global.
“O setor dos vinhos encontra-se numa fase de grande dinâmica, com elevada concorrência quer no mercado nacional quer nos internacionais”, explica António Maria Soares Franco, vice-presidente da produtora José Maria Fonseca, cuja mais recente aposta está na gama de vinhos “premium” da Adega José de Sousa. Este mês de outubro, saem para o mercado os novos vinhos Puro Talha, que traduzem a tradição secular de fermentar vinho em ânforas de barro.
“A um nível macro, é fundamental que os vinhos portugueses possam afirmar a sua qualidade, a sua diferença e as suas características únicas, de forma a aproveitar todo o seu potencial nos mercados de exportação”, explica o vice-presidente da produtora que, além do Alentejo, detém vinhas na Península de Setúbal e no Douro. As exportações pesam cerca de 70% para a dona de marcas como a Periquita ou Lancers, que alargou recentemente os seus cerca de 70 destinos de exportação à “Coreia do Sul e Equador”.
Castas autoctónes são oportunidade
Também Duarte Leal da Costa, diretor Executivo da produtora alentejana Ervideira, tem a visão de que “há muitos vinhos por produtor” – e “contra a própria empresa” fala -, o que causa uma “enorme confusão para o consumidor. Este passa a reconhecer os vinhos não pelos produtores/empresas mas pela marca”.
A inovação e diferenciação são assim palavras-chave para os vinhos portugueses que, segundo o responsável da Ervideira, têm nas castas autóctones do País a principal oportunidade para ganharem competitividade e expandirem além-fronteiras.
Portugal detém o território no mundo com maior diversidade de castas de uvas por quilómetro quadrado. Tendo em conta a dimensão do País, encontram-se por cá quase três vezes mais variedades de castas, quando comparado com Itália, que lidera em termos absolutos, e seis vezes mais face a Espanha. Segundo dados do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), das 340 castas aptas à produção de vinho em Portugal (151 brancas e 189 tintas), 240 são originalmente portuguesas e, com a evolução do interesse pela histórica cultura vinícola portuguesa, têm sido descobertos em vinhas velhas novos tipos de castas, estimando-se que há ainda muita variedade desconhecida em solo nacional. Além disso, a maioria das castas autóctones portuguesas representam ainda um nicho para os produtores mundiais, uma vez que não foram exportadas para outras regiões do planeta. O que, por um lado, confere aos vinhos portugueses sabores exclusivos mas, por outro, dificulta a comunicação nos mercados internacionais.
”Hoje, com as pessoas a quererem viajar e conhecer coisas diferentes, esta [diversidade de castas autóctones] é a nossa oportunidade. Também temos como vantagem muito forte a relação qualidade/preço”, destaca o responsável da Ervideira, considerando que países do designado “novo mundo”, nomeadamente África do Sul, Chile e Argentina, atingem mais facilmente o reconhecimento no mercado internacional de vinhos. “Os nossos vinhos apresentam castas exclusivas, enquanto estes países apresentam castas que estão mais dispersas pelo território mundial, como Sauvignon Blanc, Chardonnay, Syrah, Cabernet, entre outras. No entanto, com o crescimento das visitas de consumidores estrangeiros, que na maioria gosta de Portugal, há uma maior facilidade de aproximação”.
Além de apostar nas castas alentejanas, a Ervideira tem investido na diversificação dos métodos, como são exemplo as referências Invisível, um vinho branco feito a partir de uvas tintas, ou o Vinho da Água, um néctar que estagiou a 30 metros de profundidade no rio Guadiana, junto à barragem do Alqueva. Esta última inovação, lançada em 2016, representou no último ano vendas de “300 mil euros”. Mais recentemente, a produtora alargou o portefólio ao Vinha D’Ervideira, o “primeiro espumante feito no Alentejo”, e ao “digestivo” Vinha D’Ervideira Colheita Tardia, estando neste momento a preparar o lançamento do Bio Nature no próximo ano. A referência proveniente da agricultura biológica será posicionada no segmento “premium”, cuja prestação de mercado determinará a extensão deste tipo de produção por parte da Ervideira, dá conta o diretor executivo.
O segmento orgânico é também uma aposta da João Portugal Ramos, que iniciou em 2012 o processo de reconversão da vinha e prevê lançar “em breve” o primeiro vinho biológico. O grupo para o qual a exportação “mais de 40 países representa 60% das vendas”, vendeu pela primeira vez este ano para países como Quénia, México, Eslováquia e Hungria, depois de no último ano ter entrado na Ucrânia. No mercado nacional, as vendas da empresa estão a crescer “há dois anos”, o que pode estar relacionado “tanto com o fim da crise, como com o aumento do turismo no País”.
Enoturismo recruta embaixadores
O crescimento do turismo aliado ao vinho tem também promovido um maior conhecimento dos vinhos portugueses por parte do público estrangeiro. “Sem dúvida que a principal oportunidade está na exploração do crescente interesse do resto do mundo pelo nosso País. Portugal está na moda e os nossos vinhos também”, sublinha João Portugal Ramos, fundador da produtora com o mesmo nome, que na Adega Vila Santa, no Alentejo, promove visitas enológicas, em que o público tem a oportunidade de participar na vindima e criar o próprio vinho com castas típicas da região. O peso do enoturismo para a produtora, que detém vinhos do Douro, Beiras, Tejo e da região dos Vinhos Verdes, ainda é “pouco representativo, mas as taxas de crescimento são muito promissoras”. No último ano, a empresa verificou um aumento de 73% em número de visitantes, sendo que este ano o crescimento assenta em 45% até agosto.
Para a Parras Wines, o enoturismo representa já “mais de meio milhão de euros” da faturação anual. “Neste momento, Portugal é um dos principais destinos turísticos europeus e a chegada dos estrangeiros é a melhor forma que temos para promover os vinhos. Se os turistas levarem uma boa perceção do produtos, e boas memórias do contacto com o produtor, estamos a formar milhares de embaixadores da marca ‘vinhos de Portugal’”, frisa Bruno Gomes.
Neste sentido, a produtora tem apostado na comunicação associada à cidade de Lisboa, tirando partido da sua proximidade. “A mudança da denominação da região de Estremadura para Lisboa veio ajudar muito. Como a capital é cada vez mais procurada por turistas, comunicar Lisboa é por isso uma oportunidade, já que a Quinta do Gradil está a 40 quilómetros da capital”. Foi a partir desta ideia que a Parras Wines lançou o vinho Ruelas, criado a pensar na exportação e que transporta Lisboa no seu rótulo. “Queremos ser a produtora de referência da região dentro e lá fora”, sublinha o responsável de Enoturismo da empresa, que tem apostado também no canal online para chegar aos consumidores internacionais. “Fazemos parte de uma plataforma de vendas de vinho, presente em Inglaterra, Estados Unidos e Austrália, e em breve teremos uma loja online para comercializar, por exemplo, referências que já não estão presentes na grande distribuição”.
Por sua vez, a José Maria da Fonseca tem promovido as suas marcas, não só através dos dois centros de visitas, em Azeitão e Reguengos de Monsaraz, como com o conceito de “winebar”, instalado na capital do País. “Foi o primeiro bar de vinhos exclusivamente dedicado a um produtor e que tem tido resultados excelentes”, ressalva António Maria Soares Franco. Para a produtora, o Enoturismo representa “5% da faturação”.
Atração do mercado profissional cresce
A maior visibilidade dos vinhos junto do público estrangeiro nota-se também pelos resultados alcançados em concursos internacionais e está a aumentar a procura por parte de retalhistas e distribuidores além-fronteiras. Um estudo alemão, divulgado pela ViniPortugal, aponta que os vinhos lusos se posicionam na quarta posição entre os vinhos mais procurados por distribuidores internacionais quando procuram alargar a oferta de vinhos nas suas lojas. Para o vice-presidente da José Maria da Fonseca, é evidente “um aumento do interesse” do canal profissional por vinhos portugueses, nomeadamente por referências “alentejanas, do Douro e da região dos Vinhos Verdes e, em particular, da Península de Setúbal”.
João Ramos Portugal observa também uma maior procura por parte do segmento profissional, o que associa, em parte, ao facto de “os críticos internacionais já atribuírem com maior facilidade pontuações acima dos 90 aos vinhos portugueses. Algo que há dez anos era difícil acontecer”.
O CEO da Quinta da Alorna, pertencente à região do Tejo, felicita-se pelo novo acordo que acaba de celebrar com vista à distribuição junto de estabelecimentos do “Reino Unido”. A produtora “sempre despertou o interesse do mercado profissional, que representa uma fatia importante das vendas, sobretudo nos mercados mais evoluídos e exigentes, como Estados Unidos ou Reino Unido”. Pedro Lufinha nota ainda que a procura neste canal “tem vindo a crescer significativamente na Ásia e Brasil”.
Ainda assim, a produtora de Almeirim regista um maior crescimento no mercado nacional (26% até julho face ao período homólogo de 2016) face à exportação (13%), aspeto que o CEO atribui à mudança de distribuidor ocorrida no final do ano transato, que resultou em um “crescimento da exposição a nível nacional, quer ao nível do ‘off trade’ [retalho] quer sobretudo no canal tradicional, no qual se incluem os restaurantes e garrafeiras. A notoriedade da marca cresceu “cerca de 36% no mercado nacional até final de julho”.
Mercado nacional evoluiu em preço médio
Também a José Maria da Fonseca, que desde 2015 assume a própria distribuição, nota um crescimento “a dois dígitos no consumo interno”, sob o qual se regista um aumento do preço médio de venda ao público para os néctares de todas as regiões demarcadas. Atualmente, o valor médio dos vinhos lusos fixa-se em 2,75 euros por unidade.
De acordo com dados da consultora Nielsen, as vendas de vinho nos espaços de retalho em Portugal cresceram 5% noo ano móvel que terminou em junho passado, para um total de 394,6 milhões de euros. Em volume o aumento foi de 2% para um total de 185,3 milhões de litros vendidos no mesmo período. “As regiões demarcadas com melhor performance em volumes foram as de Lisboa (+23%), Algarve (+17%) Península de Setúbal e Douro (ambas com um crescimento de 9%)”, discrimina Manuel Carvalho Martins, new Business Development manager da consultora.
Resta esperar para saborear a colheita de 2017, a qual as produtoras das várias regiões adjetivam como “uma das mais ricas de sempre”.
*Texto publicado originalmente na edição impressa de outubro do HIPERSUPER