A Contrafacção e os meios de reacção (Cont.)
Num número anterior abordámos a questão dos mecanismos de reacção à violação de direitos de propriedade industrial, a qual iremos completar agora, ainda que limitada às exigências editoriais, Temos assim […]
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Num número anterior abordámos a questão dos mecanismos de reacção à violação de direitos de propriedade industrial, a qual iremos completar agora, ainda que limitada às exigências editoriais,
Temos assim que à violação de direitos privativos de propriedade industrial correspondem sanções criminais. Aos titulares ofendidos cabe a possibilidade de apresentar queixa perante as autoridades, dando assim início ao procedimento criminal que, de acordo com as regras gerais sobre a competência, correrão os seus termos nos tribunais criminais.
Esta queixa pode, de um modo geral, ser apresentada perante qualquer autoridade ou órgão de polícia criminal. Razões de ordem prática levam a que a queixa seja apresentada ou junto do Ministério Público, no Tribunal que no caso for o territorialmente competente, ou directamente nos órgãos de polícia criminal. De salientar apenas que sendo a queixa apresentada junto das autoridades policiais, as investigações e eventuais medidas cautelares só terão lugar após despacho do Ministério Público, pelo que sempre se poderá poupar algum tempo recorrendo em primeira mão ao Ministério Público.
Formulada e apresentada a respectiva queixa, os ofendidos terão ainda a possibilidade de se constituírem Assistentes no proceso-crime, nos termos previstos no Código de Processo Penal/CPP.
Nos termos legais (art. 69º do CPP) os Assistentes são colaboradores do Ministério Público, a quem subordinam a sua intervenção no processo e, em especial, compete-lhes: (i) intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurarem necessárias; deduzir acusação, independente da do Ministério Público; interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito.
O CPP é o diploma de direito adjectivo que regula todo o procedimento criminal, e por conseguinte é aplicável em todos os processos decorrentes da prática dos Ilícitos Criminais previstos no CPI.
Também os prejuízos sofridos pelos titulares de direitos privativos de propriedade industrial poderão ser ressarcidos no respectivo processo criminal. Com efeito, o CPP estabelece a este propósito o princípio da adesão, segundo o qual o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no respectivo processo penal.
Com importância redobrada para este tipo de crimes interessa fazer uma breve referência às medidas cautelares que podem ter lugar no âmbito de um processo-crime.
Neste âmbito o art. 342º do CPI reveste-se de grande importância, sobretudo o nº 2 do preceito, que permite a apreensão dos “materiais ou instrumentos que tenham sido predominantemente utilizados para a prática desse crime”. Mas não excluímos a possibilidade de se recorrer também aos arts. 178º e seguintes do CPP, que precisamente versam sobre apreensões.
Saliente-se que ao ofendido neste tipo de crimes interessa sobretudo que o agente que pratica a infracção cesse imediatamente a actividade ilícita que está praticando. Numa outra vertente pode revestir primordial importância para o titular de um direito privativo de propriedade industrial que os produtos que entretanto foram produzidos sejam apreendidos e retirados do mercado.
Uma vez que nos encontramos no domínio dos Ilícitos Criminais, e do processo penal em particular, cabe fazer uma especial referência às apreensões alfandegárias.
Para os titulares de direitos privativos de propriedade industrial existe a possibilidade das alfândegas, no acto da importação ou da exportação, apreenderem produtos em que, de um modo geral, se manifestem indícios de uma infracção prevista no CPI.
Neste domínio assume especial relevância Regulamento (CE) nº 1383/2003 do Conselho, relativo à intervenção das autoridades aduaneiras em relação às mercadorias suspeitas de violarem certos direitos de propriedade intelectual e a medidas contra mercadorias que violem esses direitos. Este Regulamente prevê por exemplo a possibilidade das autoridades aduaneiras procederem à destruição de mercadorias suspeitas de contrafacção, antes de obtida qualquer decisão de mérito, embora previamente deva ser obtido acordo do declarante ou proprietário das mercadorias, que deverá ser escrito.
Além deste Regulamento, de cuja aplicação se esperam grandes benefícios, de resto no seguimento dos atingidos com o Regulamento (CEE) nº 3295/94, foi já publicada a Directiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, que deveria ter sido transposta pelos Estados-membros até 29 de Abril de 2006. Esta Directiva impõe a harmonização das legislações nacionais nesta matéria e traz consigo importantes alterações. Todavia, e uma vez mais, o Estado português está em incumprimento, não se descortinando sequer quando poderão ser efectuadas as necessárias alterações à legislação nacional.
Mas não se pense que o CPI esgota todas as vias possíveis de actuação. Na verdade, os ilícitos contra a propriedade industrial podem também constituir ilícitos civis.
Que assim é demonstra-o desde logo o art. 316º do CPI que, sob a epígrafe “Garantias da propriedade industrial”, prescreve que “a propriedade industrial tem as garantias estabelecidas por lei para a propriedade em geral e é especialmente protegida, nos termos do presente Código e demais legislação e convenções em vigor”.
Além disso, o próprio CPI estabelece, nos seus arts. 339º e 340º, a possibilidade de se instaurarem procedimentos cautelares, no primeiro caso providências cautelares não especificadas e, no segundo caso, o arresto.
As providências cautelares, em geral, são medidas provisórias ordenadas por um Tribunal, com o fim último de evitar que a demora na demanda venha a causar prejuízos irreparáveis ao titular do direito.
As acções cíveis que neste domínio se podem propor são geralmente acções de condenação em que se pede que o infractor (réu) se abstenha da conduta ou comportamento lesivo para o titular do direito.
Finalmente, teremos de atentar nos casos em que as infracções praticadas sejam geradoras de responsabilidade civil extra-obrigacional, verificados os pressupostos do art. 483º do Código Civil, recaindo sobre o infractor a obrigação de indemnizar, nos termos do art. 562º e seguintes do mesmo Código.
Neste domínio têm plena aplicação as seguintes regras: (i) o infractor deverá colocar o lesado na posição que teria caso o acto ilícito não tivesse sido praticado: (ii) apenas os danos provenientes da infracção serão indemnizáveis, ou seja, aqueles danos que o lesado provavelmente não teria sofrido na ausência da infracção; (iii) a cobertura dos danos do lesado cobre quer os danos actuais quer os danos futuros ou lucros cessantes.
Chegados aqui perguntar-se-ão certamente por que caminho seguir: a via criminal ou a via civil? E a verdade é que a resposta não é fácil, a qual depende de muitos factores, como sejam a prova de que o titular disponha em seu favor, a urgência no procedimento, a própria natureza do direito, que aconselha por exemplo a que os casos de infracção de patentes devam ser, em regra, apreciados pelos tribunais civis, desde logo porque o próprio processo proporciona outro tipo de intervenção das partes, o facto de estarmos perante casos de cópia ou imitação servil ou simplesmente de imitação, etc..
A solução a encontrar depende efectivamente de cada caso em concreto, sendo certo que o nosso intuito foi apenas proporcionar uma perspectiva geral sobre os mecanismos de reacção perante uma violação dos direitos privativos de propriedade industrial.
João Paulo Mioludo FURTADO
Gabinete Técnico de Marcas e Patentes – [email protected]