Ameaças e oportunidades da Inteligência Artificial
Quando, em 1999/2000, iniciei o Mestrado em Inteligência Artificial na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa, tive o meu primeiro contacto com as rotinas de Machine Learning e as redes neuronais.

Naquela altura, já era evidente que o futuro seria promissor – o aumento da capacidade computacional de processamento e de memória tornaria inevitável a massificação do reconhecimento automático de padrões.
Entre as técnicas que mais marcaram esta evolução estão as redes neuronais baseadas em “backpropagation”, um método de estimativa de gradiente usado para treinar redes neuronais. Embora este algoritmo tenha sido introduzido na década de 1970, só ganhou verdadeiro destaque após um artigo publicado em 1986 por David Rumelhart, Geoffrey Hinton e Ronald Williams. Curiosamente, esta inovação é ainda utilizada, hoje em dia, pelas novas Inteligências Artificiais assentes em Deep Learning.
O “backpropagation” recorre a cálculos matemáticos avançados, baseados em cálculo diferencial (regressão), para ajustar os valores dos “perceptrons” – os nós da rede que processam a informação em ambas as direções. No resultado final, cada parâmetro de entrada (input) é avaliado em relação à sua correspondência com uma saída (output), permitindo à rede neuronal reconhecer padrões com elevada precisão. Esta inovação impulsionou a aprendizagem não supervisionada, que atingiu um novo patamar com o surgimento das IA generativas e dos Large Language Models (LLM), que passaram a dispor de biliões de sensores ou parâmetros, elevando assim a capacidade de aprendizagem e de análise de informação a um nível sem precedentes.
Contudo, apesar do domínio atual das redes neuronais profundas (Deep Learning), é importante recordar que a IA não se limita a esta abordagem. Historicamente, a IA englobou várias técnicas, como a vida artificial, visão computacional, linguagem natural, algoritmos genéticos e evolutivos, entre outras. Hoje, o Machine Learning com recurso às redes neuronais passou a monopolizar os resultados mais evidentes da investigação em IA.
IA no mercado de trabalho
A ascensão da IA generativa levanta inevitavelmente questões sobre o impacto no mercado de trabalho. Estará esta tecnologia a criar mais oportunidades ou a substituir profissionais?
Por um lado, as ameaças
O receio de que os LLM substituam trabalhadores é compreensível. No entanto, esta transformação já estava em curso muito antes da IA generativa, impulsionada pela automatização de processos. Supermercados com caixas de pagamento automáticas, contabilistas substituídos por softwares fiscais, cursos online sem professores/formadores, robôs em fábricas, armazéns ou farmácias – todas estas mudanças demonstram que a transição para um mercado de trabalho mais automatizado não começou com a IA generativa.
Claro que muitas pessoas podem perder o emprego, mas como já dizia Richard Bookstaber, Professor do MIT, “Nenhum homem é melhor do que uma máquina. E nenhuma máquina é melhor do que um homem com uma máquina”. Sob esta perspetiva, a única certeza que temos é a de que quem aprender a utilizar estas “máquinas” estará sempre à frente dos restantes. A verdadeira ameaça reside, portanto, não na IA generativa isoladamente, mas na combinação entre automação e robótica avançada, que pode eliminar um número significativo de funções repetitivas e operacionais. No entanto, a substituição total de profissionais humanos ainda está longe de ser uma realidade.
Por outro, as oportunidades
Embora exista a preocupação generalizada de que a IA generativa substituirá uma grande percentagem de profissionais, acredito que a automatização vai ser a principal responsável pela redução de alguns postos de trabalho e pela criação de muitos outros. A IA generativa deve ser vista como uma ferramenta para aumentar a produtividade e permitir que os trabalhadores se concentrem não em tarefas repetitivas ou rotineiras, mas em atividades mais criativas e estratégicas.
Em várias áreas, esta tecnologia tem-se revelado um recurso valioso para permitir que os profissionais se concentrem em atividades de maior valor acrescentado. E aqui, a capacitação (upskilling, reskilling e newskilling) para a utilização da IA generativa é muito importante, já que os trabalhadores que recusarem utilizar este tipo de ferramentas ficarão cada vez mais inaptos para a execução de funções no presente e no futuro.
A IA já beneficia vários setores
Independentemente dos desafios, a IA tem vindo a demonstrar o seu valor em diversas áreas. Na saúde, ajuda na análise de exames, na personalização de tratamentos e na realização de cirurgias minimamente invasivas. Na engenharia de software, a IA tem sido um apoio valioso na geração e otimização de código, na automação de estruturas de dados e na verificação automática de erros. No setor jurídico, acelera a análise de documentos, a elaboração de contratos e a verificação de jurisprudência. Na investigação e ciência, facilita a modelação preditiva e a descoberta de novas perspetivas que contribuem para a geração de conhecimento.
Nos recursos humanos, facilita a gestão de talentos e torna o recrutamento mais preciso, melhorando a correspondência entre perfis e oportunidades. No design e na criação de conteúdos, as valências da IA aplicam-se à geração de imagens, vídeos e textos otimizados para diversos fins, incluindo as campanhas digitais. No setor agrícola, tem permitido melhorar a monitorização das plantações e a previsão de colheitas, tornando a produção mais sustentável. Já na segurança da informação, fortalece a proteção digital, identificando ameaças e antecipando os ciberataques.
As contribuições da IA generativa manifestam-se, principalmente, na IA de interação, onde a supervisão humana continua essencial para garantir produtividade e qualidade. Esta IA deve ser vista, portanto, como uma oportunidade de evolução, já que amplia a capacidade dos profissionais e torna os processos mais ágeis e eficientes – seja através decisões mais informadas, maior rapidez na execução de tarefas ou automatização de processos repetitivos.
No final, o verdadeiro desafio não reside na adoção da IA, mas na redefinição do papel do ser humano no ecossistema digital. A vantagem competitiva estará na capacidade de colaborar com a tecnologia e adaptá-la às novas exigências do mercado. Ou seja: o futuro não será uma disputa entre humanos e máquinas, mas uma era de humanos potenciados por IA, que abrirá caminho a profissões que ainda não existem… talvez porque ainda não as consigamos imaginar.H