“O setor do vinho é muito desafiante e ao mesmo tempo muito resiliente”
“Defendemos uma PAC virada para o mercado, porque os decisores políticos têm que perceber que está tudo no mercado. Não adianta estarmos a criar medidas para a produção se depois não conseguimos vender”, alerta Ana Isabel Alves, diretora executiva da ACIBEV, em entrevista.
Ana Grácio Pinto
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A Associação de Vinhos e Espirituosas de Portugal (ACIBEV) reúne cerca de 100 associados que representam em torno de 800 milhões de euros de volume de negócios para o país. Nesta entrevista ao Hipersuper, a diretora executiva desta associação empresarial, criada em 1975, fala sobre os desafios e oportunidades do setor dos vinhos, a política de aumento de impostos para diminuir o consumo problemático, as novas tendências de consumo, entre outras questões. “Defendemos uma PAC virada para o mercado, porque os decisores políticos têm que perceber que está tudo no mercado. Não adianta estarmos a criar medidas para a produção se depois não conseguimos vender”, alerta Ana Isabel Alves.
Fotografias Frame It
O estudo inédito ‘Setor do Vinho – Avaliação de Impacto Socioeconómico em Portugal’, realizado pela Nova SBE para a ACIBEV, revelou que o setor gera 168 mil empregos diretos, indiretos e induzidos em Portugal e contribui com 1.510 milhões de euros para as receitas fiscais do país.
Como avalia o impacto económico do setor do vinho em Portugal? Em valor acrescentado de produto, em emprego gerado.
É muito bom que comece por essa pergunta, porque me permite falar sobre um estudo inédito e inovador que a ACIBEV encomendou à Nova SBE, em 2022, precisamente sobre o impacto socioeconómico do setor vitivinícola em Portugal.
Ao nível do país havia uma noção desse impacto, mas não havia dados concretos. Portanto, desde 2022 temos dados concretos elaborados por uma entidade isenta, como é a Nova SBE, sobre o impacto do setor em Portugal. Fizemos uma brochura, que vamos agora entregar ao novo governo e aos stakeholders com quem vamos interagir, com um resumo daquilo que o setor do vinho representa em Portugal.
O que salta mais à vista é o número de postos de trabalho que nós criamos. Entre diretos, indiretos e induzidos, a Nova SBE chegou à conclusão de que eram 168 mil. E aqui há uma questão muitíssimo importante, que é o impacto do emprego no interior do país. Há muitos setores que criam muito emprego em Portugal, mas que normalmente estão na faixa litoral e nós temos uma série de concelhos identificados no nosso estudo, onde o emprego privado representa mais de 50% do emprego da região. E se formos verificar o ‘top ten’ do peso do emprego, estão Santa Marta de Penaguião, São João da Pesqueira, na zona do Douro, e também Redondo, na zona do Alentejo. Depois temos Vila Nova de Foz Coa, Alijó, Freixo de Espada à Cinta, Vidigueira, Pinhel, Borba e Reguengos de Monsaraz. Portanto, essencialmente no interior e nestas duas regiões, Douro e Alentejo.
Depois, temos também quantificadas todas as outras questões. Por exemplo, contribuímos com 1.510 milhões de euros para as receitas fiscais, para 2,7% do PIB, 92% dos fornecimentos do setor são produzidos em Portugal. Quase tudo é feito em Portugal, desde as garrafas, à rolha de cortiça, aos rótulos, os produtos enológicos…
O setor movimenta várias áreas da economia…
Exatamente. Em todos os concelhos onde se produz vinho, por um lado, o setor movimenta uma série de outras áreas – a enologia, enoturismo, que é muito importante, o marketing… Depois há os tais empregos induzidos em outras atividades em sítios onde há esta vertente vitivinícola, que acabam por viver à volta, pelo facto de existir uma comunidade, ou um produtor, ou vários produtores de vinho naquela região.
Outra conclusão muito importante é que mais de 95% das nossas empresas são micro e pequenas empresas. Portanto, não estamos a falar de um setor que seja de grandes empresas, é um setor muito atomizado, essencialmente de pequenas e microempresas.
Depois temos o enoturismo, onde há dados que referem que 10% daqueles que visitaram Portugal nos últimos anos vinham exclusivamente com motivos associados ao vinho. Isto é muito importante, porque muda também a sazonabilidade do turismo, as pessoas não vêm só pela praia e pelo sol, já vêm durante todo o ano e deslocam-se inclusivamente para o interior do país, para irem visitar o nosso enoturismo, para fazerem provas de vinhos, para conhecerem os nossos vinhos. Nós somos um país extremamente rico, temos uma lista enorme de castas e uma variedade muito grande de vinhos. Somos um país pequeno, mas temos um portfólio de vinhos enorme e isso que torna-nos um país muito rico em termos de vinhos e vinícolas.
Quanto ao universo de associados da ACIBEV, é possível quantificar o valor do negócio que representam a nível nacional e na exportação?
Nós temos cerca de 100 associados e estimamos que eles representem cerca de 800 milhões de euros, de volume de negócios. Destes 800 milhões de euros, cerca de 50% a 60% será referente à exportação, porque nós reunimos as maiores empresas exportadoras portuguesas e quando refiro as maiores empresas estou a falar quer em termos de tamanho, quer em empresas, que embora sendo pequenas, exportam vinho caro, digamos assim.
Portanto, de grande valor, grandes marcas! São essencialmente empresas que criam marcas e que valorizam a ‘marca’ Portugal. Por força da legislação comunitária, somos obrigados a ter no rótulo a palavra Portugal. Portanto, somos uns embaixadores do país.
Referiu o contributo do setor para as receitas ficais e para o PIB. Como é que pode e poderá este contributo ser dinamizado, digamos assim, para reforçar a importância do setor junto dos decisores políticos, dos governantes?
Eu acho que a maior parte dos decisores políticos têm noção do peso económico que nós representamos para o país. O que é muito importante, é passar a ideia, e tomarem consciência, da importância cultural que o vinho tem para a nossa população. Porque há países onde o vinho também representa uma parte importante das receitas do país, mas onde não há esta ligação social e cultural com o produto, como nós temos.
O vinho faz parte da nossa cultura desde sempre. O português tem um hábito que é muito saudável e que é reconhecido pela própria Organização Mundial de Saúde, que é beber vinho às refeições. Ao contrário de outros povos, nós temos o hábito de beber vinho integrado na dieta mediterrânea. E muitas vezes Portugal é referenciado a nível mundial, porque é considerado o maior consumidor per capita de vinho do mundo. Mas quando se vai verificar o tipo de consumo que temos, chega-se à conclusão de que Portugal tem um consumo de baixo risco. Ao contrário de outros países, como os do norte da Europa, que têm consumos per capita mais baixos que os nossos, mas depois têm padrões de consumo mais problemáticos.
O que é que isto significa? Por exemplo, nós temos 52, 53, 55 litros per capita de consumo de vinho. Mas depois vai-se ver o padrão de consumo e de um a cinco, é um. Significa que não é problemático. Porque nós, normalmente, acompanhamos o vinho com a refeição e, normalmente, um copo de vinho ao almoço, outro ao jantar.
Eu não estou a dizer que não haja problemas de alcoolismo em Portugal. Claro que há, e o setor do vinho é muito consciente. Há 15 anos que tem um programa de responsabilidade social precisamente para educar as pessoas para consumirem moderadamente, porque nós queremos que as pessoas apreciem o nosso vinho e bebam com moderação.
É um programa internacional, chama-se precisamente ‘Wine in Moderation’. Em português chama-se ‘Vinho com Moderação’ e nós queremos que as pessoas, dentro da nossa cultura, aprendam a beber com moderação, aprendam a apreciar o nosso vinho, aprendam a degustar, a saber como devem beber, com que tipo de comida determinado tipo de vinho fica melhor, que devem acompanhar, por exemplo, sempre o vinho com um copo de água, que não devem beber mais do que o determinado.
Daí que seja muito importante esta mensagem, e era isso que nós gostaríamos que os nossos políticos reconhecessem: esta ligação cultural do vinho ao nosso povo e a importância económica que ele tem para o país, e que não cedessem à tentação de importar cá para o país medidas e políticas que eventualmente não façam sentido para a nossa realidade.
Mas há um movimento que defende o aumento dos impostos sobre o álcool como forma de desincentivar o consumo. Qual é a posição da ACIBEV, e dos seus associados, em relação a esta questão?
A ACIBEV é contra todas as chamadas políticas de preço. E nas políticas de preço, nós incluímos tudo: o aumento dos impostos, o ‘Minimum Unit Pricing’… E porquê? Em primeiro lugar, porque o nosso objetivo não deverá ser diminuir o consumo, mas sim, diminuir o consumo problemático. Ou diminuir os problemas ligados ao consumo nocivo.
O consumo em si não é mau, o que é mau é o abuso de bebidas alcoólicas. Portanto, o país deve adotar políticas que tenham como objetivo diminuir ou acabar com o consumo abusivo e o consumo problemático de bebidas alcoólicas. E isso não se faz com medidas universais, como as políticas de preço.
As políticas de preço vão essencialmente abarcar as pessoas que consomem moderadamente. Vão ficar prejudicadas com esse aumento de preço, e o que vai fazer é que diminuam o consumo. Porque quem tem problemas com o álcool, irá sempre comprar: se o vinho estiver mais caro, ele vai comprar mais barato. Se o vinho estiver tão caro que ele não possa comprar, no limite, vai destilar em casa, vai fazer em casa outro tipo de álcool.
As políticas de preço não resolvem o objetivo específico e concreto da diminuição do consumo problemático. Por isso, nós estamos contra. Até porque, num setor como o vinho, essencialmente composto por pequenas e microempresas, o que vai acontecer é que poderá diminuir o consumo e vai impactar nas nossas empresas. Porque vai fazer com que também tenham menos dinheiro disponível para investir em inovação, em promoção na exportação, naquilo que lhes traz mais valias. E isto é uma reação em cadeia: se as empresas não conseguem vender ou não vendem bem, por sua vez não podem pagar bem aos viticultores e depois são os viticultores, no fim da cadeia, os mais prejudicados, porque acabam ou por abandonar as vinhas, ou por se desinteressar.
Nós sabemos que em Portugal ainda há uma série de viticultores e de áreas de vinha muito pequenas, nomeadamente no Douro, por exemplo, muito pequeno e muito repartido. E se não forem bem remunerados, obviamente os produtores abandonam. As pessoas estão cada vez mais velhas, os mais novos vêm para a cidade, não têm atração pelo campo, e se criarmos um ambiente em que se as empresas não conseguem vender melhor, não têm capacidade de pagar melhor aos viticultores, o que vai acontecer é que acaba por haver abandono da vinha, o que é mau para todo o mundo. É mau em termos sociais, é mau em termos económicos…
Pode dizer-se que há um ‘cerco’ ao consumo de álcool que atinge o setor dos vinhos? Na Irlanda, por exemplo, uma nova lei prevê, já em 2026, a inclusão de informações nos rótulos semelhantes às dos maços de tabaco…
Sim, e nós temos contestado sempre essas tentativas, nomeadamente de divulgação e de inclusão na rotulagem, por exemplo, de informações relativas ao cancro, e que dizem, por exemplo, como na Irlanda, que o vinho ou as bebidas alcoólicas causam cancro. Felizmente Portugal também tem contestado, porque nós consideramos que é uma informação errada: as bebidas alcoólicas em excesso podem causar o cancro, como tudo em excesso, pode causar o cancro.
Nós não percebemos porque é que as bebidas alcoólicas hão de estar a ser penalizadas com uma informação que não é 100% correta, porque não está cientificamente provado que consumir vinho com moderação, acompanhado de exercício físico, não seja compatível com o estilo de vida saudável. Nós temos que ter mensagens, como fazemos no ‘Wine in Moderation’, de consumo moderado: avisar as pessoas que não devem beber excessivamente, porque o nosso produto não é um produto inócuo, tem álcool; devem beber com moderação, as grávidas não devem beber, os menores não devem beber, se as pessoas beberam não devem conduzir. Portanto, há toda uma série de regras que fazem parte do nosso programa ‘Wine in Moderation’, que estamos sempre a reiterar. Agora, não podemos aceitar que nos obriguem a colocar no rótulo, como na Irlanda, que o vinho causa cancro.
A ACIBEV lançou um plano estratégico para o período de 2024-2026. Um dos objetivos estabelecido é o de melhorar a competitividade do setor e a sua sustentabilidade económica. O que é necessário para que isso aconteça, por um lado, e por outro lado, quais são os fatores impeditivos?
A nossa associação europeia, o CEEV (Comité Européen des Entreprises Vin), fez um manifesto, a propósito das eleições europeias, que temos vindo a distribuir pelos decisores políticos e faremos também chegar aos eurodeputados. Este manifesto identifica os desafios do setor vitivinícola neste momento e as prioridades.
Em termos de desafios do setor, temos alguns que são muito importantes. Por um lado, a tendência, que se tem vindo a ver na União Europeia, de declínio do consumo do vinho. Por outro lado, a mudança nas tendências de consumo. Antigamente, vinho era tinto. Neste momento está-se a verificar uma tendência de consumo de branco e rosé espumantes. Isto está a ser desafiante para as regiões, por exemplo, que essencialmente eram regiões de vinho tinto. As que são conhecidas por terem brancos muito bons, estão a ter imenso sucesso, isto também é outra mudança de paradigma.
O setor do vinho é muito desafiante e ao mesmo tempo muito resiliente. E é um setor que está sempre a inovar e sempre atento ao consumidor. E aquelas empresas que não olham para o consumidor e não estão atentas a estas novas tendências acabam por morrer.
Por outro lado, há um problema gravíssimo: a incerteza no comércio mundial. Nós fomos muito impactados também com a guerra na Ucrânia, a guerra em Israel e na Palestina, a disrupção com o Covid. Nem foi tanto o Covid em si, porque continuámos a exportar. O nosso problema com o Covid foi mesmo a logística e a disrupção das cadeias de logística durante a pandemia.
Depois, o desafio de tudo quanto tem a ver com o álcool e saúde, aquilo de que estávamos a falar há pouco. Nós chamamos-lhe a ‘demonização do vinho’: os rótulos do cancro, os impostos altíssimos, a separação estrutural. Portanto, nós temos que mostrar, nomeadamente em Portugal e também nos outros países para onde exportamos, que o vinho faz parte da nossa cultura e que, devido a uma moderação, é compatível com o estilo de vida saudável.
Há as alterações climáticas, um grande desafio para o setor do vinho porque, cada vez mais, há fenómenos climáticos extremos, ora não chove e temos a queima total das vinhas, ora estamos em inundações, ora temos granizo que estraga as uvas.
Depois, em certas alturas há também um grande desfasamento entre a oferta e a procura. Por exemplo, regiões que neste momento façam essencialmente vinho tinto têm um desfasamento entre a oferta e a procura, porque têm excesso de estoques de vinho tinto e as pessoas essencialmente querem beber vinho branco; as regiões que só fazem vinho branco, se calhar, andam aflitas porque têm falta de vinho branco.
E depois, há toda a questão do aumento dos custos de produção. No ano passado, por exemplo, subiram brutalmente os custos do vidro. 2023, com a inflação, foi muito desafiante para o setor, também por causa de todo o aumento dos custos de produção.
Em termos de prioridades para o futuro, do que é que nós precisamos?
Precisamos de uma PAC virada para o mercado, que é essencial. Ouvi na rádio que durante a campanha para as eleições europeias falou-se pouco de uma coisa que é verdade: mais de 50% da legislação, nomeadamente do vinho, mas muito mais de 50%, é definida na Europa, não é aqui, não é Portugal que manda, a Europa é que manda.
E aí a ACIBEV trabalha muito, muito o dossier europeu, nós temos uma grande ligação à Europa. Praticamente dois em dois meses vou a Bruxelas, e todos os dias aqui acompanhamos o dossier europeu, porque de facto é em Bruxelas que se decide tudo. Defendemos uma PAC virada para o mercado, porque os decisores políticos têm que perceber que está tudo no mercado. Não adianta estarmos a criar medidas para a produção se depois não conseguimos vender. Primeiro, temos que vender bem, temos que exportar bem e ganhar valor. Portanto, temos que apostar no mercado, apostar, por exemplo, ao nível europeu, nos acordos de comércio internacional. Há anos que se anda a falar num acordo com o Mercosul, é importantíssimo para nós. O Brasil é um dos nossos principais mercados e temos uma concorrência feroz dos países do Mercosul, que têm impostos zero, enquanto nós pagamos impostos altíssimos. Portanto, era muito bom que se pudesse dinamizar mais a parte do Mercosul.
Depois, também, tudo o que tem a ver com a inovação. Nós precisamos que a União Europeia perceba que tem que facilitar, em termos regulamentares. Eu diria que o setor vitivinícola deve ser dos setores agroalimentares mais regulamentados a nível europeu, porque é tudo regulamentado, desde o rótulo às práticas enológicas, ao tamanho da garrafa, tudo, tudo é regulamentado.
E a União Europeia tem que começar a perceber que tem que ser mais flexível, porque nós temos que nos adaptar às tendências do consumidor. Vou-lhe dar o exemplo do vinho sem álcool: já está no mercado e só agora é que a União Europeia o está a regulamentar. Nós aqui, em Portugal, já temos vinho sem álcool há 14 anos. Felizmente Portugal aceitou a regulamentação e aceitou que ele estivesse no mercado, mas só agora é que em termos da União Europeia, isto está a começar a ser regulamentado.
Nós não podemos esperar 14 anos, porque há um potencial de crescimento, por exemplo, nos países muçulmanos, que não podem beber álcool e nós podemos exportar para lá. Há países que são muito exigentes em termos de condução, em que as pessoas querem estar a socializar e podem perfeitamente pedir um vinho sem álcool, assim como pedem uma cerveja sem álcool.
Há uma série de inovações que se podem fazer, os ready to drink, as bebidas aromatizadas, já feitas. Quer dizer, o consumidor está, e nomeadamente os mais jovens, a pedir muito esse tipo de bebidas e a União Europeia tem que ser mais aberta.
Há outra questão também muito importante: a adaptação às alterações climáticas e para a transição ecológica. Nós somos os primeiros a defender que tem que haver uma transição ecológica e nós temos que ajudar a combater as alterações climáticas. Por exemplo, em termos de água, hoje em dia temos uma viticultura também bastante desenvolvida.
A água é um grande problema?
Nós temos sítios onde a água é muito problemática. Por exemplo, à volta do Alqueva, temos sítios onde era necessário fazer uma pequena ligação e anda-se há anos à espera. Mas a vinha não gasta muita água, porque nós temos o sistema gota-a-gota. E só utilizamos água para quebrar o chamado stress hídrico da videira. Nós não regamos, nós quebramos o stress hídrico da videira.
A questão das alterações climáticas não pode ser (resolvida) de um dia para o outro. Não nos podem proibir, de um dia para o outro, utilizar certos fertilizantes, certos fitofármacos, porque não há alternativas no mercado. E não haver alternativas significa, haver podridão ou ver as culturas não vingarem.
Outra das prioridades que defendemos é a digitalização. Para nós a digitalização é muito importante, é uma área completamente inovadora na área do vinho, que tem a ver com duas coisas. A primeira, os rótulos eletrónicos.
Os e-labels?
Exatamente. Durante muitos anos estivemos isentos de colocar no rótulo os ingredientes e as calorias. E graças a uma proposta de Portugal, ficou previsto na PAC que tínhamos que expor as calorias no rótulo.
Os ingredientes podíamos expor no chamado e-label, que é um QR Code. Ao fazemos scan vai nos dirigir para uma plataforma – existem várias plataformas, mas U-Label é a que foi patrocinada pela nossa federação europeia – que vai permitir que os ingredientes e outra informação nutricional e alguma informação como a ligada ao ‘Wine and Moderation, possam ser lidas na língua da pessoa que está a ver. Esta é a grande vantagem do rótulo eletrónico. E, no futuro, até pode ser utilizado também para outro género de informações ligadas ao consumo responsável, às advertências de saúde e coisas do género.
Esta é a parte da digitalização que o vinho tem e foi absolutamente inovador no agroalimentar. Foi uma ideia que surgiu na nossa federação europeia do vinho. Passámos para o IVV, tivemos um grande apoio do IVV, depois o governo português fez a proposta em Bruxelas e Bruxelas aceitou. E, portanto, foi a partir daí que apareceu na PAC e depois foi regulamentado.
Desde o dia 8 de dezembro de 2013, que não só se tornou obrigatório os vinhos produzidos a partir dessa data terem os ingredientes, como o produtor poder optar por pôr os ingredientes no rótulo, como têm os iogurtes, ou colocar o QR Code. Como só passou a ser obrigatório para vinhos produzidos a partir do 8 de dezembro de 2023, em bom rigor, há exceções, mas eu diria que a grande maioria só se vai aplicar a vinhos da campanha de 2024.
Portanto, só a partir da vindima de 2024 é que vai ser mesmo obrigatório aparecerem em todo o lado, embora já haja muitas empresas que tenham voluntariamente colocado em muitos rótulos o QR Code. Tem um potencial enorme, porque se a Comissão Europeia deixar, nós podemos pôr lá muita outra informação. Agora, achamos é que deve ser informação útil, que os consumidores queiram.
Na sua opinião, na opinião da ACIBEV, de que apoios necessitam os viticultores aos quais ainda não tiveram acesso?
Eu costumo dizer que nós não pedimos muito. Nós só queremos que nos deixem trabalhar. Portanto, os apoios que existem atualmente, nomeadamente os apoios europeus, desde que bem implementados, são bons e funcionam bem. Nomeadamente, a medida de apoio à promoção. No nosso caso, que representamos empresas do comércio, é absolutamente fundamental para nós a medida de apoio à promoção. Era muito importante, a nível europeu e a nível nacional, que houvesse uma simplificação, porque muitas vezes a medida é muito burocrática, é muito complicada. As empresas são muitas vezes confrontadas com auditorias, já depois dos eventos se terem realizados, onde lhes são pedidos documentos que eles já não têm, porque já passaram dois, três, quatro anos. E, portanto, era preciso tornar a medida de promoção mais simples, sem perder, obviamente, a fiscalização.
Porque, como eu tenho dito desde o início, nós temos que abrir mercados, nós temos que abrir caminhos, nós temos que vender melhor. E muito do sucesso dos vinhos de Portugal, também tem passado pela promoção que se tem feito em países terceiros. Temos que continuar a vender, a vender cada vez mais, e, principalmente, a vender cada vez melhor. E vinhos mais caros. É o nosso grande desafio, vender cada vez melhor e mais caro
Para além disso, em termos de apoio do Estado, o que nós pedimos é a máxima desburocratização, a digitalização. Do Estado português e do governo português, o que é que nós pedimos muito? O grande apoio, a nível europeu, contra as políticas anti-álcool. Como expliquei inicialmente, nós somos um país onde o vinho faz parte da cultura, onde o vinho tem uma grande importância para a economia. Nós somos um importante país produtor e, portanto, nós precisamos do governo português. Nós precisamos que Portugal vá lá fora, à Europa, e se oponha a todos aqueles fundamentalismos anti álcool que põem em causa a nossa sustentabilidade.
Quais são as expectativas da ACIBEV para esta nova legislatura? Será essa a maior expetativa?
Eu diria que esse é o grande desafio e esperamos ter um grande apoio, nomeadamente do Sr. Ministro da Agricultura, que tem uma enorme experiência europeia, no Parlamento Europeu, e com quem nós tivemos contatos enquanto era eurodeputado. Conhece bem o setor do vinho e nós esperamos que seja um grande apoio na defesa dos interesses do vinho a nível europeu contra estas medidas anti álcool.