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Entrevista

“Questionar e ouvir os trabalhadores é uma estratégia eficaz para reter talento”

Como atrair e reter talento num mercado de trabalho constituído por quatro gerações de trabalhadores: baby boomers, geração X, millennials e geração Z? “Acima de tudo, necessitamos de perceber claramente o que é efetivamente valorizado pela nossa base de talentos. Diria que é relativamente fácil de conseguir, quando questionamos e nos dispomos a ouvir”, afirma Marlene Fernandes (Randstad), em entrevista ao Hipersuper.

Rita Gonçalves
Entrevista

“Questionar e ouvir os trabalhadores é uma estratégia eficaz para reter talento”

Como atrair e reter talento num mercado de trabalho constituído por quatro gerações de trabalhadores: baby boomers, geração X, millennials e geração Z? “Acima de tudo, necessitamos de perceber claramente o que é efetivamente valorizado pela nossa base de talentos. Diria que é relativamente fácil de conseguir, quando questionamos e nos dispomos a ouvir”, afirma Marlene Fernandes (Randstad), em entrevista ao Hipersuper.

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As tendências de recrutamento no retalho, as competências mais procuradas e como criar uma boa estratégia de atração e retenção de talento, na primeira pessoa, pela voz de Marlene Fernandes, sales & operations director outsourcing da Randstad

Quais as principais tendências de recrutamento no retalho em 2024?

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A definição do perfil adequado para a realização de determinada função, está intrinsecamente ligado ao comportamento e expectativa do próprio negócio e respectivo consumidor. Esse é o grande desafio que as equipas de recrutamento e gestão de talento têm pela frente, nomeadamente num setor que tem vindo a evoluir de forma consistente nos últimos anos. Seja devido aos contínuos avanços tecnológicos ou à evolução das expectativas dos próprios clientes, o setor do retalho tem vindo também a mudar e a acompanhar as tendências do mercado de maneira geral. Tudo isto obrigou as empresas a adaptarem-se nomeadamente no que respeita à relação com os seus clientes e parceiros, otimizarem a sua presença no mercado e apostarem em novos e diferentes canais de comunicação.

Que competências são mais procuradas neste setor?

Em 2024, as competências comerciais vão continuar a ser muito relevantes, ainda para mais quando conjugadas com a capacidade de manusear e interagir com soluções tecnológicas que permitam a automatização de determinadas tarefas, deixando para a componente humana todas as outras em que os trabalhadores possam verdadeiramente acrescentar valor. Por outro lado, tendo a experiência do cliente como foco primordial, torna-se também fundamental a identificação de candidatos com soft skills apuradas, capazes de personalizar cada interação com o cliente e, por isso, a capacidade de comunicação e de relacionamento interpessoal são também essenciais.

Que medidas devem fazer parte de uma boa estratégia de atração de talento?

É importante recordar que atualmente existem quatro gerações no mercado de trabalho: baby boomers, geração X, millennials e geração Z, o que traz desafios quando falamos em atrair e reter talento. Isto porque cada uma destas gerações valoriza e dá uma importância maior ou menor a diferentes critérios. É evidente que cada profissional é diferente e tem exigências e condições profissionais particulares, mas perceber o que é mais importante para cada uma destas gerações é determinante e pode ajudar a compreender de uma forma geral os princípios, as competências e os valores que vão condicionar as decisões de cada um deles na escolha de um empregador.

O que leva um candidato a escolher entre um empregador em detrimento de outro?

Realço cinco aspectos: A atratividade da marca. A marca é forte, comunica confiança, qualidade e valores positivos? Assume a diversidade e inclusão como um pilar estratégico?; Oportunidades de crescimento. A empresa possui um plano bem definido e concreto de progressão de carreira?; Ambiente de trabalho. Os atuais colaboradores são embaixadores e promotores da marca? A empresa promove a produtividade, a satisfação e a retenção do talento?; Remuneração. São justas e competitivas? Além do salário, a empresa tem um programa de fringe-benefits?; Políticas de flexibilidade. Existe um política de horários e licenças flexível que considera diferentes necessidades?

O que deve fazer parte de uma boa estratégia de retenção?

Acima de tudo, necessitamos de perceber claramente o que é efetivamente valorizado pela nossa base de talentos. Diria que é relativamente fácil de conseguir, quando questionamos e nos dispomos a ouvir. Segundo o estudo Randstad Research “Tendências de Recursos Humanos 2023-2024”, existem quatro fatores que assumem a liderança quando procuramos saber quais os benefícios mais relevantes para os profissionais: Oportunidades de crescimento; Flexibilidade laboral (horários, escalas): Progressão salarial; e Bom ambiente de trabalho. Partindo desta certeza e considerando a especificidade do setor, torna-se urgente considerar a atratividade de uma função, onde a prática de horários noturnos e folgas durante a semana acabam por ser algo habitual. Claro que existem profissionais que procuram precisamente estas características, mas colocar em cima da mesa a possibilidade de um modelo de trabalho mais flexível, tornará esta função igualmente interessante para outros. Por último, o investimento e promoção de uma cultura de bem estar, suportada em princípios e valores equitativos, terão também certamente o seu peso na decisão de ficar.

E a possibilidade de ter formação contínua, é um fator eliminatório?

Em termos de desenvolvimento de competências e com a contínua introdução da componente tecnológica no setor, abre-se uma oportunidade de dotar os colaboradores de determinadas competências técnicas, que continuarão a enriquecer o seu perfil, tornando-o viável para uma contínua progressão dentro da organização.

*Entrevista originalmente publicada na edição 419

Sobre o autorRita Gonçalves

Rita Gonçalves

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Carlos Miguel Henriques, administrador da Central de Frutas do Painho

Entrevista

Carlos Miguel Henriques: “100% da nossa fruta é produzida sob o modo de produção integrada”

Em 1995, 15 fruticultores da aldeia de Painho, no concelho do Cadaval, perceberam que juntos teriam mais força para crescer, tanto no mercado nacional, como na exportação. Fundaram a Central de Frutas do Painho, que tem na Pera Rocha o seu ex-libris, mas que também comercializa duas variedades de Maçã de Alcobaça. Trinta anos depois, reúne cerca de 40 sócios que têm produzido à volta de 14 mil toneladas de fruta e exportam, pelo menos, metade da produção. Fomos conversar com Carlos Miguel Henriques, administrador da Central de Frutas do Painho.

Como nasceu o projeto da Central de Frutas do Painho? O que pretendiam os 15 produtores que a criaram há 30 anos?
O Painho é uma aldeia do concelho do Cadaval, muito próxima de onde nós estamos. Na Zona Oeste, por tradição já antiga, existe a cultura da Pera Rocha, e no Painho havia um conjunto de agricultores com uma dimensão média relevante para a cultura e para a sua época. Entre eles o meu pai, que foi o grande impulsionador da empresa, António Carlos Henriques, e outros fruticultores da aldeia. 50% deles já tinham câmaras frigoríficas próprias, o meu pai já tinha lugar no mercado do Rego, outros vendiam para o mercado do Porto.
Com o crescimento que os pomares estavam a ter na altura, e com os apoios que existiram na comunidade europeia, sentiram necessidade de criar uma estrutura mais moderna, mais eficaz e com dimensão para fazer face aos mercados. Nasce a ideia de se fazer um armazém totalmente novo, com um sistema de frio bastante mais moderno do que eles tinham nas suas câmaras próprias. Em 1995 foi constituída formalmente a empresa e em 1997 já trabalhavam em conjunto.

Quantos produtores integram atualmente esta organização de produtores? Quantos hectares de produção representa e quanto produz em média?
A Central de Frutas do Painho distingue-se das outras organizações de produtores do Oeste por, desde o seu primeiro dia, ter sido uma sociedade anónima, onde quem ‘manda na empresa’, de facto, é o capital. Neste momento já somos à volta de 40 sócios, 40 acionistas.
A área de produção de todos os associados já está muito próxima dos 500 hectares. Em 1997 nós recebemos à volta de 2 mil toneladas de fruta e posso dizer que em 2021 já recebemos mais de 17 mil. Por norma andamos em torno das 14, 15 mil toneladas.

Fotografia Frame It


No início a Pera Rocha era a única fruta cultivada? Quanto representa atualmente?

A Pera Rocha é o nosso ex-libris. De facto, é o core business da Central de Frutas do Painho e representa 97% a 98% da produção.

Os associados passaram também a investir em pomares de maçã. Que variedades produzem?
Alguns sócios têm também pomares de macieiras e recebemos à volta de mil toneladas de maçã e todo o resto é Pera Rocha. Nós fazemos parte do consórcio da maçã da Alcobaça, dessa marca coletiva. A maçã da Alcobaça agrega várias variedades e aqui no Painho temos Gala e Fuji.

Esta é uma zona que potencia a cultura destas variedades, quer de Pera Rocha, quer de maçã…
Tem características próprias. Aqui na zona Oeste, temos o oceano a 15 quilómetros, que traz ventos marítimos e uma humidade relativa bastante elevada. E temos a Serra do Montejunto, que faz com que a humidade permaneça cá, o que traz uma humidade e uma frescura à fruta muito interessante. Por isso é que a Pera Rocha tem aqueles pigmentos castanhos, que nós chamamos carepa, e que por vezes o consumidor não acha tanta piada, mas é uma fruta muito mais doce e uma fruta que se permite conservar a longo prazo.
São estas condições edafoclimáticas que fazem com que a Pera Rocha, aqui no Oeste, tenha estas características. Se formos produzir Pera Rocha no Ribatejo, no Alentejo, na Zona Norte, a árvore dá-se lá, mas a fruta não fica com as mesmas características.

E preveem a sua expansão tanto em pomares de Pera Rocha, quanto de maçã?
A Central do Painho, desde que foi constituída, tinha capacidade para 4 mil toneladas. E neste momento já recebe 14 mil toneladas. Já teve duas ampliações bastante significativas, quer em espaço, quer em termos de investimento. Portanto, a ordem natural é irmos continuando, de vez em quando, a crescer a pouco e pouco.

Em relação à maçã, diz que não são todos os produtores agregados que produzem a maçã. Acha que haverá uma tendência de crescimento da produção?
Penso que sim, penso que haverá. Porque a Pera Rocha, infelizmente, nos últimos três anos, a nível do Oeste, tem sofrido bastante com dois problemas muito graves: a estenfiliose e o fogo bacteriano. O que tem levado a que muitos produtores ponderem substituir as pereiras por macieiras.
De facto, estamos num ano que será bastante relevante para o setor, para perceber se vamos conseguir colmatar estas doenças que nos têm afetado, ou se vamos ter que ir pensando em outras alternativas, para fazer face aos custos deste tipo de estruturas e unidades. Mas também quero destacar que em 2024, o ano em que o setor foi fortemente afetado, a Central de Frutas do Painho teve um resultado brilhante em termos de produção.

Então o resultado da campanha 2024/2025 superou as expectativas iniciais?
Tivemos uma campanha que não foi ainda uma campanha normal, porque só recebemos à volta de 12.500 toneladas de fruta, portanto longe das 17 mil que já chegámos a receber. Mas, mesmo assim, para aquilo que aconteceu no Oeste damo-nos por muito satisfeitos. Os nossos produtores conseguiram, junto com o apoio dos nossos técnicos, ter uma intervenção no campo muito boa e tivemos resultados bastante positivos.

Fotografia Frame It

A perspetiva era que ficasse a 50% da capacidade máxima de produção. Ficou acima, então?
Ficamos muito acima disso. Quebramos, para aí, 30% face a um ano normal.

Para onde segue a produção, seja de Pera Rocha, seja de maçã, para além dos mercados externos?
Na nossa visão, e na minha visão em particular, uma empresa deste tipo necessita ter o máximo de clientes possível e dos diversos segmentos. Nós temos clientes, quer a nível nacional, quer a nível internacional, cadeias de supermercados que querem produto muito bom, com todas as certificações, com todas as exigências. E também temos, quer de nacional, quer de exportação, clientes menos exigentes e isso faz com que se consiga valorizar ao máximo todos os lotes de fruta.

No âmbito das medidas de sustentabilidade, dão destaque às técnicas de produção integrada, que primam pela sustentabilidade ambiental. De que forma os produtores associados promovem a produção integrada?
Neste momento, e desde há vários anos a esta parte, 100% da nossa fruta é produzida sob o modo de produção integrada. E já temos fruta, para certos clientes, com resíduos zero. Mas quer uma, quer outra, é feita de acordo com todos os requisitos que a sustentabilidade o exige. Ou seja, nós fomentamos o bem-estar ambiental.
Por exemplo, os nossos pomares não são mobilizados. Temos armadilhas nos pomares para insetos, para várias situações que fazem com que a fauna e a flora existente nos nossos pomares, estejam a funcionar. Que é o que nós queremos, ter um ecossistema perfeitamente ativo. O mais natural possível. E ao longo destes anos, as próprias regras da produção integrada têm estado a ser cada vez mais apertadas, o que faz com que, de facto, a fruta tenha uma qualidade para o consumidor, espetacular.
Nós antes chamávamos-lhe proteção integrada e depois passou a ser produção integrada. Neste momento, a empresa até tem uma política de remuneração de fruta aos sócios, aos acionistas. Ou seja, quanto menos resíduos a fruta tiver, mais o acionista recebe. Portanto, estamos no caminho que o mercado assim determina.

O que significa terem obtido a certificação LEAF?
No fundo é manter da melhor forma estes ecossistemas, de fauna e de flora, todos muito ativos, o mais natural possível. Apesar de termos culturas chamadas de agricultura intensiva, o que nós fazemos nos nossos pomares não destrói os ecossistemas naturais, e a certificação LEAF é precisamente isso. Por exemplo, temos vários produtores, e é o meu caso, que têm o que chamamos de charcas grandes com água, onde têm patos, onde tem peixe e nós fazemos tratamentos ao lado. Ou seja, significa que os tratamentos que nós fazemos nas nossas árvores não são prejudiciais à vida animal que ali existe. E estamos constantemente a ser auditados, toda a fruta tem de ser analisada e nós também analisamos para o nosso controle interno.

Essa promoção levou à criação dos ‘Hotéis de Insetos’? De que forma contribuem para preservar a biodiversidade dos pomares?
É uma forma de manter tudo o mais natural possível. Tem a ver com esta linha de pensamento e com projetos que vão aparecendo. Hoje, nós temos que mostrar, quer ao cliente quer ao consumidor final, que o produto que nós vendemos é um produto natural.

Os insetos atuam de forma positiva junto dos pomares?
Sim, exatamente. Por exemplo, o caso do bichado-da-fruta, a praga que ataca a fruta, nós já há vários anos fazemos uma coisa que se chama confusão sexual. Não aplicamos produtos para combater o bichado-da-fruta. Nós pomos lá um pequeno fiozinho que se chama um difusor, que emite uma feromona, que vai provocar a confusão sexual entre os insetos do bichado-da-fruta. E como eles não fecundam, não se dá o ataque nas plantas, e não precisamos utilizar inseticidas.

O investimento em técnicas de produção sustentáveis teve continuidade no processo de conservação. Esse investimento focou-se em quê?
Fomos, salvo erro, a primeira Central no Oeste a ter aquilo que se chama Atmosfera Controlada Dinâmica, que é um sistema de conservação de fruta em que os níveis de oxigênio e de CO2 são voláteis. É o nosso técnico que, com a sua capacidade, faz com que esses valores estejam dentro dos parâmetros que nós entendemos que são os corretos para conservar a fruta a longo prazo.
Antigamente, aplicava-se o que chamamos produtos de banho na fruta, ou seja, banhávamos a fruta com antioxidantes, que mais tarde vieram a ser proibidos pela comunidade europeia. Com este sistema de atmosfera controlada dinâmica conseguimos conservar a fruta a longo prazo sem aplicar produtos nenhuns na fruta.

É conservada naturalmente? E pelo mesmo tempo de conservação que teria se fossem aplicados os banhos?
Exatamente. Nós recebemos fruta em agosto e terminamos a campanha em junho do ano seguinte. Estamos a falar de dez meses de conservação de fruta.

Que outros investimentos têm feito em investigação e desenvolvimento que considere importantes?
Temos feito, sobretudo, investimentos na tecnologia de frio, que referi. Temos uma secção, com minicâmaras frigoríficas, onde simulamos as ditas atmosferas, para verificarmos até onde podemos levar certos valores, e evitar fazer ensaios desses com câmaras grandes.
Temos painéis solares, temos sistemas ecológicos de água do calibrador, temos Etar’s na central, temos várias vertentes. A sustentabilidade é algo que não está apenas no campo.

O investimento em inovação e desenvolvimento traz ganhos também nos mercados externos. Que peso tem a exportação para a Central de Frutas do Painho?
Nós exportamos entre 50% a 60% da produção, depende dos anos. É bastante. Mas a produção tanto tem importância para a exportação, como para o mercado nacional.

A Pera Rocha é uma variedade de origem portuguesa e um dos frutos mais exportados de Portugal. No caso da Central de Frutas do Painho, que caminho tem feito na exportação?
É um produto que já se exporta há mais de 30 anos. É um dos produtos portugueses mais exportados e quer a nossa empresa, quer outras empresas do setor têm sabido fazer evoluir o produto e fazer evoluir os canais de venda. Neste momento exporta-se para vários países.
A sua mais-valia é o sabor, a crocância e o self-life. Porque depois de chegar ao cliente lá fora, quer ao supermercado, quer ao retalhista, quer ao próprio consumidor, é uma fruta que tem uma durabilidade grande, que não se degrada muito rápido. Isso também nos permite exportar para mercados mais longínquos e para mercados com menor capacidade técnica. Falamos, por exemplo, do Brasil e Marrocos, países mais quentes, em que por vezes os clientes não têm sistemas de frio muito bons e este produto aguenta. Essa característica é, de facto, uma mais-valia muito grande.
Por outro lado, quando os clientes a consomem, é um produto bom. Há clientes que querem as pernas muito verdes, Por exemplo, o mercado inglês era um mercado que queria fruta verde e muito crocante, enquanto o mercado nacional, na altura, queria fruta mais doce, um bocadinho mais amarela, mais fundente. Hoje, o mercado nacional continua a preferir o sabor e os mercados lá fora apesar de gostarem da crocância também apreciam o sabor, já estão a querer a pera também um bocadinho mais no ponto de consumo. E essa variação também é uma coisa que nós conseguimos com a Atmosfera Controlada Dinâmica.

Em relação às variedades de maçã, também já têm tido uma boa saída na exportação?
Temos estado, felizmente, com um sucesso muito grande na exportação da Gala nos últimos três anos, nomeadamente para o Brasil, que é um grande mercado quer para a Pera Rocha, quer para a maçã.

Para quantos países exportam?
Exportamos para Brasil, Marrocos, Canadá, Alemanha, França, Irlanda, Inglaterra, Polónia, Líbia, Senegal. Em termos de exportação, o forte é o Brasil.

No plano de internacionalização há novos mercados em vista ou o foco é crescer onde estão? Um foco na Europa ou o crescimento na América do Sul?
Temos vindo a verificar que, por exemplo, o mercado da Alemanha é recente, mas tem estado a crescer bastante. Nós fazemos parte de um consórcio de empresas que está a exportar para o Lidl na Alemanha, desde há 10 anos esta parte, e ano após ano o consumo tem vindo a aumentar. E neste momento outras cadeias de supermercados na Alemanha também já nos estão a procurar, pela Pera Rocha.
Em termos de Europa, este será o mercado com maior potencial, além de Portugal, porque Portugal continua também ainda a crescer. Fora da Europa, o Canadá é um mercado em crescimento e o Brasil continua a ser um mercado mais forte.

Referiram ter este ano um perfil de peras alinhado com as especificações do mercado europeu. O que significa?
No caso da Central de Frutas do Painho, devido à política da empresa de produzir fruta com muito poucos resíduos, cerca de 60% da fruta foi capaz de ir para os nossos clientes mais exigentes. Isso permite-nos nestes mercados europeus, das grandes cadeias de supermercados que exigem todas as certificações e mais algumas, que a nossa fruta possa, de facto, ser lá comercializada.

Que desafios estão a trazer, e irão trazer, as alterações climáticas à produção e de que forma os produtores estão a preparar-se?
Na minha opinião, o maior desafio do Oeste, no caso da Pera Rocha, – e este inverno está a ser um bocadinho diferente – tem sido a falta de frio. Tivemos três anos em que não existiu frio no inverno e a Pera Rocha necessita de 550 horas abaixo de 7,2 graus, entre novembro e 15 de fevereiro. E quando esse frio não acontece, as árvores dão poucas flores, ao darem poucas flores, dão poucos frutos. Este ano parece que o inverno está a ser um pouco mais nosso amigo, mas eu diria que em termos do Oeste, a falta de frio é um problema grave e não sabemos como é que o vamos colmatar.
Em termos de doenças, a estenfiliose o e o fogo bacteriano são as duas preocupações chave do Oeste. E com a União Europeia, tem vindo a retirar cada vez mais substâncias ativas do mercado, torna-se muito difícil combater estes problemas. Aquilo que nos transparece é que quem manda na União Europeia são os países do Norte da Europa, que têm um clima totalmente diferente do nosso caso. Não está fácil, mas estamos cá para lutar. Se continuarmos a ter invernos a menos, as pereiras vão deixar de dar flores, e ao deixarem de dar flores não vão dar frutos. Daí, a produção de maçã: como a árvore da maçã dá sempre muito mais flores que o necessário para a produção, a maçã adapta-se melhor à falta de frio do que a Pera Rocha. E daí alguns produtores já estarem a mudar. Mas, de facto, o core do Oeste é a Pera Rocha e a Central de Frutas do Painho é uma casa especializada em Pera Rocha. Portanto, temos que gerir de ano a ano.

Que outros desafios se apresentam? Nesta região a questão da gestão da água também é uma preocupação?
Quando temos anos de muitos sequeiros, também nos sentimos preocupados com a falta de água, porque os furos que temos nos pomares começam a não ser suficientes.

Nesse sentido, no entender dos produtores que apoios por parte de entidades oficiais serão bem-vindos?
Existem, de facto, planos de regadio já pensados quer para o Oeste, quer para o Ribatejo, que poderiam colmatar o problema da falta de água. Existem alguns projetos em curso.
Por outro lado, precisamos também de apoios para reconverter os pomares que foram afetados pelo fogo bacteriano, para fazer a reposição do potencial produtivo. Porque, apesar de nós não termos sido muito afetados, há aqui pomares na zona que ficaram reduzidos a menos de metade. E quando se corta uma árvore e se planta uma nova, são cinco anos em que o produtor não vai ter receita.
Portanto, seria importante haver no setor apoios mais fortes à plantação. Mais rápidos e com taxas de incentivo mais elevadas. Para, nesta fase em que existem os problemas, estarmos a plantar mais do que se está a arrancar, para nunca baixar as produções nacionais.

Para além da Pera Rocha e da maçã, há projetos para investimento em outra produção, tendo em conta o clima específico desta região?
Esperemos que eu esteja enganado e que estes últimos três anos não sejam significativos.
Mas se continuarmos com a falta de frio no Oeste – e isto não é uma característica do Oeste, é de Portugal, é mundial – eu penso que muitas das culturas que existem no Alentejo vão ter condições para se fazerem aqui no Oeste, nomeadamente o olival, o amendoal, esse tipo de culturas. Portanto, se aqui deixar de haver frio para a Pera Rocha e para a maçã, estas variedades terão de subir um bocadinho em termos de geografia e muitas das culturas que estão no Alentejo tenderão a subir para o Oeste. Mas cada ano é um ano e neste inverno, parece que estamos a ter frio. Há alguma esperança.

Sobre o autorAna Grácio Pinto

Ana Grácio Pinto

Bruno Ferreira – Gestor do Pet Festival

Bruno Ferreira, gestor do Pet Festival | Fotografia Frame It

Entrevista

Bruno Ferreira: “Procuramos sempre empresas e profissionais que ofereçam produtos e serviços inovadores”

O Pet Festival – Festival da Família e dos Animais de Companhia prepara-se para a sua edição de 2025 – de 31 de janeiro a 2 de fevereiro na FIL, em Lisboa, – com muitas novidades e a ambição de continuar a crescer. O motivo perfeito para uma conversa com Bruno Ferreira, gestor do evento que vai na 13ª edição.

Desde a sua criação, o Pet Festival tem sido um ponto de encontro essencial para os amantes de animais, profissionais do setor e marcas, promovendo a partilha de boas práticas, a inovação e o crescimento sustentável do mercado. A última edição, em 2024, registou 25.000 visitantes, um aumento de 12% face ao ano anterior. Este crescimento mostra o crescente interesse pelo bem-estar animal e pela humanização dos animais de companhia. Com um aumento de 5% no número de expositores e 19% no investimento das marcas participantes, as expectativas para a edição de 2025 são elevadas: a organização espera consolidar o evento como uma referência no setor pet em Portugal e um catalisador de inovação e boas práticas.

Que balanço faz das edições anteriores da Pet Festival em termos de impacto para o setor?
As edições anteriores do Pet Festival têm sido extremamente positivas, sendo o evento considerado uma referência no sector pet em Portugal. É o ponto de encontro dos profissionais, entusiastas e comunidades relacionadas com os animais de companhia e como tal é um importante Marketplace, um local de partilha de informação, experiências e boas práticas relacionadas com o bem-estar animal.

Tem havido um aumento na procura de expositores e visitantes, refletindo uma mudança nas tendências de cuidados com os animais?
A última edição do Pet Festival (2024) registou um aumento no número de expositores e um programa de atividades ampliado. Recebemos ao longo dos três dias de realização mais de 25.000 visitantes, o que representa um crescimento de 12% face à anterior edição. Sentimos que este aumento reflete a maior sensibilização para o bem-estar animal e o papel dos animais de companhia como membros da família. Essa tendência é acompanhada por uma maior diversidade de produtos e serviços, desde alimentação premium até soluções de saúde e bem-estar. Sabemos que neste sector existe uma elevada taxa de fidelização entre as marcas e os consumidores. Assim, o PET Festival constitui uma excelente oportunidade para os visitantes conhecerem novos produtos e propostas existentes no mercado, desde os mais específicos, vendidos em canais especializados – onde o target são por exemplo os veterinários, a produtos dirigidos a criadores e especialistas em raças e treino canino. Por outro lado, o PET Festival constitui também uma excelente oportunidade para as marcas do distribuidor se posicionarem junto dos consumidores.

De que forma a crescente humanização dos animais de companhia tem influenciado a oferta e o foco dos expositores ao longo dos anos?
É importante salientar que a humanização não se limita a tratar os animais como humanos, mas sim a reconhecer as suas necessidades específicas e a assumir a responsabilidade de garantir o seu bem-estar. Essa crescente tendência tem manifestado um impacto profundo na oferta e no foco dos expositores do Pet Festival. Existem cada vez mais produtos e soluções que promovem o conforto, saúde e qualidade de vida dos animais facilitando a sua integração na família. Existem neste momento cuidados médicos extremamente avançados, vários serviços de apoio como é o caso do Pet Sitting, Pet Grooming, e Dog Walking, bem como Creches e Escolas de Treino canino que fornecem soluções adaptadas às necessidades de cada família. As soluções de alimentação são cada vez mais adaptadas às várias raças e fases da vida dos animais, podendo até ser até adaptadas às necessidades especificas de cada animal. É também importante realçar que esta preocupação com o bem-estar animal têm impulsionado o mercado a oferecer produtos cada vez mais sustentáveis, ecologicamente correctos e tecnologicamente avançados. Temos verificado ainda uma crescente preocupação com a disseminação de boas práticas como é o caso da Criação e da Adopção Responsável.

Quais são as principais novidades da edição 2025?
O PET Festival é um evento composto por vários palcos com actividades que permitem uma interacção entre profissionais, entusiastas e as famílias que se deslocam com os seus Pets. Ao longo dos anos temos vindo a profissionalizar o evento através de actividades que se destinam a profissionais qualificados e que permitem simultaneamente a partilha de informação com quem se pretende iniciar nessas mesmas actividades. Em 2025 iremos ter pela primeira vez um Concurso de Grooming no evento, teremos ainda Concursos oficiais de Canicultura e de Felinicultura. No espaço “Dog School” teremos várias actividades desportivas, sendo novidade uma competição de Dog Puller. Nesta mesma área vão decorrer várias demonstrações de Obediência, Canicross e Agility, bem como aulas que são abertas ao público e aos Pets. Teremos ainda vários encontros de Raças e um reforço das palestras e workshops, cobrindo tópicos relacionados com o bem-estar animal, as características das várias raças, a inovação no setor pet, o empreendedorismo e a sustentabilidade.

Como é feita a seleção dos expositores? Quantos vão estar presentes? Há muitos novos?
A seleção dos expositores para o Pet Festival é um processo criterioso que visa garantir a qualidade e a diversidade do evento. Procuramos sempre empresas e profissionais que ofereçam produtos e serviços inovadores, que contribuam para o bem-estar dos animais de estimação e que se alinhem com os valores do evento.
Para além dos expositores, contamos com vários parceiros fundamentais para potenciar a partilha de informação entre profissionais, para enriquecer a experiência dos visitantes e para fortalecer o impacto social do evento. As nossas parcerias incluem Associações Sectoriais e de Protecção Animal, Clínicas veterinárias, Hospitais veterinários e várias Entidades Oficiais.
O número de expositores e de parceiros varia ligeiramente a cada edição, tal como os objectivos que pretendem alcançar. Procuramos oferecer um serviço de consultoria individualizado por forma a que a estratégia de participação seja a mais indicada para as necessidades de cada empresa. Temos vindo a verificar um aumento de procura de pequenas e médias empresas, o que se traduz em mais oferta e diversidade no evento. A esta data verificamos um aumento de 5% no número de empresas e um aumento de 19% no investimento dessas mesmas empresas relativamente à última edição.

Que tipo de produtos e serviços estarão em destaque?
O Pet Festival é o ponto de encontro para todas as comunidades apaixonadas por animais, um evento para quem gosta de cães, gatos, aves, répteis e vários outros animais partilharem experiências e onde podem também encontrar tudo o que precisam para garantir o bem-estar dos seus companheiros. O mercado é muito dinâmico e tentamos acompanhar as novidades e tendências tanto a nível de produtos como de serviços. No que diz respeito aos produtos destacamos a Alimentação que é cada vez mais adaptada às necessidades específicas de cada raça e até de cada animal, os acessórios que permitem integrar os animais na família com conforto e segurança, as soluções relacionadas com a higiene e saúde dos animais e também os produtos ecológicos e sustentáveis como é o caso de uma areia para gatos completamente biodegradável. É também importante referir as actividades que vão estar em destaque no evento e que correspondem a tendências de mercado. É o caso da área dedicada ao Grooming e da Dog School com várias escolas e especialistas em comportamento e treino animal.

Existem iniciativas específicas para promover novos negócios?
Sim, o Pet Festival promove diversas iniciativas para apoiar e dar visibilidade a novos negócios. O principal destaque é para a área “Small Business”, um espaço que permite às empresas em fase de crescimento apresentar os seus produtos e serviços. No entanto, é também importante referir que todo o evento é um ecossistema favorável ao desenvolvimento de novos negócios no sector Pet. As várias áreas de animação do evento são associadas a segmentos de mercado, pelo que, dependendo da estratégia e do posicionamento das empresas, poderemos facilmente encontrar soluções que permitem criar visibilidade e potenciar negócios para expositores e patrocinadores, independentemente da fase de desenvolvimento que estiverem os produtos e serviços.

Bruno Ferreira – Gestor do Pet Festival

“Existe ainda uma crescente tendência relacionada com produtos e serviços associados ao bem-estar e à saúde dos animais. É o caso dos seguros pet e dos planos de saúde para animais, das aulas de treino comportamental, das creches e das escolas” Fotografia Frame It

Há algum setor em crescimento dentro da feira?
Sim, o mercado pet está em constante evolução e o Pet Festival é o reflexo do mercado. Nos últimos anos temos vindo a verificar uma crescente preocupação com o bem-estar físico e emocional dos animais de estimação e a sua integração na família. Existem cada vez mais soluções de alimentação baseadas em produtos naturais e orgânicos, uma tendência também verificada na alimentação humana. Existe ainda uma crescente tendência relacionada com produtos e serviços associados ao bem-estar e à saúde dos animais. É o caso dos seguros pet e dos planos de saúde para animais, das aulas de treino comportamental, das creches e das escolas. O Grooming é atualmente um dos segmentos de mercado com um crescimento mais expressivo, teremos no evento as principais empresas do sector, bem como Seminários e Concursos oficiais. Estes eventos são simultaneamente um palco para os profissionais, mas também uma forma do público em geral ter acesso a esta actividade

Qual o perfil dos visitantes esperados?
O Pet Festival é um evento misto, com componentes B2B ((business-to-business) e B2C business-to-consumer). Esta abrangência torna-o único na medida em que promove a interacção entre vários públicos e modalidades. Esperamos um público diversificado que inclui veterinários, fabricantes, lojistas, criadores, groomers e treinadores de animais. Teremos também tutores e famílias que se deslocam ao evento com o seu PET por forma a participar em várias actividades, a assistir a demonstrações ao vivo ou a participar em encontros de raças.

Fotografia Pet Festival

O que é o Pet Groomer? É uma iniciativa importante?
Sim, é uma iniciativa muito importante e uma novidade na feira. Teremos no PET Festival o maior evento de grooming em Portugal com uma área exclusiva de mais de 1.000 m². O programa inclui seminários com especialistas do sector, competições oficiais pontuáveis para o ranking internacional da Associação Europeia de Grooming e demonstrações práticas que permitem aos visitantes aprender mais sobre esta actividade relacionada com o bem-estar animal. É uma oportunidade única, tanto para profissionais como para entusiastas de explorar as tendências e técnicas mais avançadas no sector. O evento Luso Groom é organizado pela Love Pet Alliance e apoiado pela Artero.

Quais as expectativas em termos de resultados e adesão este ano?
As nossas expectativas para esta edição são bastante positivas. Acreditamos que o evento continuará a crescer e a consolidar a sua posição como o maior e o mais importante evento dedicado aos animais de companhia em Portugal.

Sobre o autorAna Rita Almeida

Ana Rita Almeida

Fernando Félix, CEO da Webcomum

Entrevista

Fernando Félix: “O e-commerce aproximou os produtores dos consumidores”

Para Fernando Félix, CEO da Webcomum, o sucesso no e-commerce está diretamente ligado à capacidade das marcas em proporcionar uma experiência de compra apelativa, fluída e personalizada.

A pandemia trouxe uma aceleração sem precedentes na digitalização do setor vitivinícola, forçando marcas e produtores a repensar as suas estratégias de contacto com os consumidores. O digital tornou-se um canal crucial para impulsionar vendas, comunicar e criar experiências diferenciadoras.

A Webcomum Digital Business & Tech, uma agência especializada em transformação digital, tem sentido de perto esta evolução, com cerca de 20% da sua carteira de clientes a pertencer ao setor vitivinícola. Segundo dados da empresa, o desempenho digital nesta área tem registado um crescimento significativo: só em 2023, as campanhas desenvolvidas pela agência alcançaram mais de 4 milhões de contas de utilizadores, geraram mais de 1 milhão de interações em plataformas digitais e conquistaram mais 40 mil seguidores para as marcas que acompanham.

Para Fernando Félix, CEO da Webcomum, o sucesso no e-commerce de vinhos está diretamente ligado à capacidade das marcas em proporcionar uma experiência de compra apelativa, fluída e personalizada. Em entrevista ao Hipersuper, o responsável partilha a sua visão sobre os desafios e as oportunidades do setor vitivinícola no universo digital. Além disso, aborda o impacto das restrições e regulamentações internacionais e como o know-how da agência tem permitido às marcas portuguesas prosperar em mercados como os Estados Unidos, o Reino Unido, Angola ou Suíça.

Com um portefólio que inclui nomes como a Herdade do Rocim, Niepoort e The Fladgate Partnership, Fernando Félix não tem dúvida que “lojas online bem estruturadas, com descrições detalhadas, sugestões de harmonização e notas de prova, transformam a experiência de compra num momento educativo e inspirador” e remata: “o futuro do e-commerce no setor vinícola é promissor”.

Como olha para o aumento significativo de vendas de vinho no digital?
O crescimento das vendas de vinho no canal digital é um reflexo claro da evolução dos hábitos de consumo, cada vez mais moldados pela conveniência e pela acessibilidade proporcionada pelo e-commerce. A pandemia, sem dúvida, desempenhou um papel central neste movimento, acelerando a digitalização de muitos negócios e aproximando os consumidores de plataformas online, onde encontram informação e produtos de forma rápida e prática.
Além de ser um meio para aquisição de vinhos, o digital transformou-se numa ferramenta poderosa para as marcas contarem histórias. Desde o processo de produção até as sugestões de harmonização, as lojas online conseguem criar uma narrativa rica que envolve e cativa os consumidores. Para muitos, comprar vinho online tornou-se mais do que uma transação – tornou-se uma experiência.
De acordo com relatórios recentes, o comércio eletrónico continuará a crescer de forma expressiva nos próximos anos. Este potencial, aliado ao carácter único do setor vinícola, abre novas oportunidades para as marcas alcançarem públicos diversos e explorarem novos mercados, reforçando a ideia de que o digital é essencial para a sustentabilidade e expansão do setor.

Como é que o e-commerce está a transformar a relação entre os produtores de vinho e os consumidores?
O e-commerce aproximou os produtores dos consumidores. Não só facilitou o acesso a uma maior variedade de vinhos, mas também deu aos consumidores a oportunidade de conhecer melhor o produto. Lojas online bem estruturadas, com descrições detalhadas, sugestões de harmonização e notas de prova, transformam a experiência de compra num momento educativo e inspirador.
Adicionalmente, o canal digital permite criar uma relação direta com o cliente. Desde newsletters personalizadas até sugestões automáticas com base em compras anteriores, os produtores conseguem não só satisfazer, mas também antecipar as necessidades dos consumidores. É também uma forma de levar o vinho a novos públicos, despertando interesse em consumidores que antes não interagiam com o setor.

O que não pode faltar numa loja online de vinhos para garantir uma boa experiência de compra?
Uma loja online de vinhos deve ser, acima de tudo, fácil de navegar e rica em conteúdo. Os consumidores procuram encontrar rapidamente o que desejam, sem complicações. Para isso, é essencial ter: navegação intuitiva (o design deve guiar o consumidor naturalmente até ao produto que procura), informação completa (além de descrições detalhadas, é útil incluir harmonizações sugeridas e histórias sobre os vinhos), otimização mobile (com mais de metade dos consumidores a usar smartphones, um design responsivo é imprescindível), chatbots de IA (permitem tirar dúvidas em tempo real, criando uma experiência mais fluida e personalizada) e pagamento e entrega simplificados (opções rápidas e seguras são cruciais para evitar abandonos de carrinho).

Quais funcionalidades os consumidores mais valorizam? Existem diferenças entre mercados?
Avaliações de outros clientes, descrições detalhadas e recomendações personalizadas estão no topo das preferências.
No mercado nacional, a simplicidade e a rapidez são geralmente mais valorizadas. Por outro lado, no mercado internacional, é essencial ter funcionalidades que respeitem as diferenças culturais e legais, como tradução automática, moedas locais e clareza nos tempos de entrega. Estes elementos não só tornam o processo mais prático, como também aumentam a confiança dos consumidores no site.

Os chatbots de inteligência artificial fazem a diferença?
Sem dúvida. Os chatbots não são apenas úteis – tornaram-se uma ferramenta essencial para melhorar a experiência do cliente. No setor vinícola, podem responder a dúvidas sobre características de vinhos, oferecer sugestões de harmonização ou até ajudar com questões relacionadas com entregas.
A sua presença cria uma sensação de atendimento contínuo, eliminando o tempo de espera que, muitas vezes, afasta potenciais compradores. A rapidez, aliada à personalização, resulta numa experiência de compra mais satisfatória e, consequentemente, numa maior taxa de conversão.

Como trabalhar as particularidades de cada mercado?
Cada mercado tem as suas nuances e trabalhar estas diferenças é fundamental para o sucesso de qualquer estratégia digital. Conhecer a cultura local, adaptar campanhas às preferências do público e respeitar as leis de publicidade são passos indispensáveis. Campanhas flexíveis e segmentadas, desenvolvidas por equipas com know-how no setor vinícola, permitem atingir consumidores de forma eficaz.

Que tendências prevê para o futuro? É um canal que ainda tem muito para crescer?
O futuro do e-commerce no setor vinícola é promissor. A personalização será uma tendência-chave, com a inteligência artificial a criar recomendações cada vez mais alinhadas com o perfil dos consumidores. Além disso, a sustentabilidade continuará a ser uma prioridade, com práticas ecológicas a influenciar a decisão de compra.
Tecnologias como realidade aumentada poderão também enriquecer a experiência online, permitindo simular provas de vinhos ou conhecer virtualmente as vinhas. O canal digital está longe de atingir o seu limite e será, cada vez mais, uma peça central na estratégia das marcas vinícolas.

 

 

Sobre o autorAna Rita Almeida

Ana Rita Almeida

José Maria da Fonseca
Entrevista

“A José Maria da Fonseca vai ser uma empresa muito mais internacional”

O Hipersuper entrevistou António Maria e Francisco Soares Franco, co-CEO’s da José Maria da Fonseca que revelam como estão a trabalhar o presente e o futuro da empresa.

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Na José Maria da Fonseca, a história, com tudo o que representa para a empresa e o setor dos vinhos, é sempre celebrada. Principalmente em 2024, quando está a comemorar 190 anos de fundação. Mas é também, para a sétima geração à frente da sua gestão, uma responsabilidade e a lembrança de um contínuo compromisso para com a vinha, as marcas, os colaboradores e os clientes, e as gerações vindouras. O Hipersuper entrevistou António Maria e Francisco Soares Franco, co-CEO’s da José Maria da Fonseca que revelam como estão a trabalhar o presente e o futuro da empresa.

José Maria da Fonseca

Francisco Soares Franco, co-CEO e responsável pelas áreas Financeira e Operacional e António Maria Soares Franco, co-CEO e responsável pelas áreas Comercial e Marketing, integram a sétima geração da família à frente da José Maria da Fonseca juntamente com Sofia Soares Franco, responsável pela Comunicação Institucional, Enoturismo e Eventos. É uma empresa que tem marcado a fileira dos vinhos e onde nunca houve receio de inovar, mesmo quando essa inovação mostrou chegar muito antes do seu tempo ou quando não foi, de imediato, percebida, pelo setor ou pelos consumidores.

Sendo a José Maria da Fonseca uma Casa quase bicentenária, como se manteve, e às suas marcas, no mercado, como empresa familiar, por quase 200 anos e ao longo de várias gerações? Esta ligação à terra contribuiu?
António Maria Soares Franco: Eu acho que para uma empresa de vinhos familiar é muito mais fácil durar quase 200 anos. Quando se compra um vinho, está-se a comprar muito mais do que uma garrafa de vinho, está-se a comprar toda uma história que está por trás do vinho, está-se a comprar os valores de uma determinada marca. Haver uma família por trás das marcas, acho que dá muito mais durabilidade ao negócio. Aliás, vemos que muitas das grandes empresas de vinho a nível mundial, continuam a ser empresas familiares. Portanto, acho que no nosso negócio o facto de ser uma família ajuda muito a esta empresa durar quase 200 anos.
Francisco Soares Franco: Até porque este negócio mistura-se completamente com a família. A José Maria da Fonseca é uma família, no fundo. A região, a empresa, a nossa família, somos todos membros. Para além disso, é importante mencionar que uma empresa destas, para durar tanto tempo, tem que ter regras, e é importante estipular-se regras dentro da família. Mas quando a família se dá bem, é fácil pôr o negócio à frente de interesses particulares.

José Maria da Fonseca

Francisco Soares Franco, co-CEO e responsável pelas áreas Financeira e Operacional da José Maria da Fonseca

Estava nos vossos planos dar continuidade à José Maria da Fonseca? Sempre foi esse o propósito?
FSF: Eu vou-lhe dar uma resposta: se perguntar a algum dos acionistas da nova geração se quer vender, eles acham a maior ofensa do mundo. Não existe valor para vender. Essa é a melhor resposta que eu posso dar.

E na gestão da empresa, é sempre assumido que a geração seguinte irá estar?
AMSF: Não necessariamente. Ninguém é obrigado a vir para a José Maria da Fonseca, e nem a José Maria da Fonseca tem capacidade para absorver todos. Da nossa geração, estamos cá três, estamos os dois e a minha irmã Sofia, responsável pela área do enoturismo e da comunicação institucional. Tem que haver este casamento entre a vontade da pessoa e a necessidade da empresa, sempre que a pessoa da família aporte valor ao negócio. Nós não podemos cá estar só porque somos da família, temos que cá estar porque somos mais um profissional, acrescentamos valor acionista todos os dias. Porque se estivéssemos cá só por sermos da família, iria causar imensos conflitos com a família, imensos conflitos com os profissionais que cá estão. Tem que haver uma lógica profissional e uma lógica de negócio.
FSF: Nós nascemos no meio disto, vivemos no meio disto desde o dia em que nascemos. Agora, se me perguntar se gostaríamos que alguém da próxima geração venha para a empresa, gostaríamos, claro. O que temos hoje em dia é uma gestão independente, misturada com uma gestão familiar. No fundo, para defender cada um dos vários interesses e seguirmos os melhores modelos de governance. Nós queremos que na próxima geração haja elementos da família, como há na geração de cima, que venham para cá e continuem a assumir o legado. Mas tem que haver capacidade. Nós contratamos consultores de recursos humanos para avaliar os currículos de cada um, mas, depois, não é só pelos currículos: tem que haver capacidade, o que podem trazer de valor acrescentado à empresa, e depois haver o momento ideal para entrar. Temos outras pessoas que não estão cá, com muito valor, e que poderiam estar no nosso lugar. E por isso é o momento e as capacidades de cada um.

Quantas pessoas trabalham na JMF e quantos hectares de vinha têm a nível nacional?
FSF: Na José Maria da Fonseca, devem trabalhar entre 110 e 115 pessoas. No grupo todo são mais de 200.
AMSF: Porque temos várias outras empresas. Temos uma que se dedica à agricultura, uma distribuidora no mercado nacional, temos a empresa do enoturismo, temos o restaurante, e em todas estas empresas somadas, temos à volta 220 pessoas. Em área de vinha temos cerca de 650 hectares, que se dividem entre Douro, Península de Setúbal e Alentejo.

Quanto ao volume de negócios, quais são os números consolidados de 2023? Há alguma expectativa já para 2024?
FSF: Em 2023 nós temos consolidado cerca de 33 milhões de euros de vendas. Em relação a 2024, vai subir um bocadinho. Nós gostaríamos que fosse igual ao de 2022, que foi melhor dos últimos anos, cerca de 35 milhões. Vamos ver se conseguimos lá chegar perto.

José Maria da Fonseca

António Maria Soares Franco, co-CEO e responsável pelas áreas Comercial e Marketing da José Maria da Fonseca

Como têm adaptado a produção e mesmo antecipado tendências num setor onde se costuma dizer que não é fácil inovar?
AMSF: O José Maria da Fonseca foi a primeira pessoa em Portugal a engarrafar um vinho tinto, o Periquita. Portanto, logo na génese da empresa a inovação está presente. Sempre nos ensinaram que temos que continuar a inovar, estar sempre à frente das tendências. Às vezes estamos cedo demais. Por exemplo, fomos a primeira empresa em Portugal a ter um vinho sem álcool.

Eu ia colocar a questão das tendências, um grande desafio, mesmo para quem está no mercado há 190 anos. Na José Maria da Fonseca acompanham tendências ou antecipam-se? E parto de dois exemplos: por um lado, foi pioneira em Portugal a apresentar um vinho sem álcool e, por outro lado, estão a fazer vinhos em ânforas, partindo da milenar técnica dos vinhos de talha…
AMSF: É engraçado ter dado esses dois exemplos, porque nos dois, estávamos à frente do mercado. E porquê digo isto? Nós lançámos o vinho sem álcool, a primeira vez, em 2008, foi até com outra marca e não a que temos atualmente e o mercado nessa altura não estava preparado para um vinho sem álcool. Mas vemos a evolução desde 2008. Passados quase 20 anos, o mercado hoje em dia está muito mais preparado, muito mais aberto a um vinho sem álcool. E lá fora vemos que começa a haver muita atração, vemos os números de crescimento do mercado. O vinho sem álcool cresce mais rápido do que o mercado como um todo e, portanto, isso é um exemplo de que nós tivemos à frente do tempo.
Nas ânforas também. Apesar das ânforas serem um método milenar de produção de vinho, quando nós comprámos no Alentejo, em 1986, e durante os anos 90, insistimos muito na questão das ânforas. Era aquilo que distinguia a (Casa Agrícola) José de Sousa, que a tornava diferente. E nessa altura, o mercado estava completamente ao contrário, não estava de todo interessado nesse estilo de vinhos, estava num estilo de vinhos cheio de frutas, cheio de cores, cheio de madeira, com estrutura, com muita extração. E o vinho em ânfora era um vinho com um perfil completamente diferente. Mas nós continuámos a investir, continuámos a comprar ânforas, a recuperar o património do José de Sousa, entramos nos anos 2000 e hoje em dia o consumidor está à procura, outra vez, desses vinhos com um estilo diferente, com formas de vinificação como eram há milhares de anos atrás. E, portanto, também nessa forma de produção tão antiquada, é interessante como é que nós estivemos à frente do tempo e a insistir numa coisa que mais tarde se foi provar que estava certa.
FSF: Mas essa área da inovação está muito na nossa génese. Mensalmente, temos uma reunião com as equipas comerciais – que trazem informações não só de qualquer parte do mundo como também de Portugal, sobre tendências, o que está a evoluir – com a área de enologia – que apresenta novos produtos, produtos que nos propõem a lançar no mercado – com a área da produção – que pode vir com packaging diferente, com coisas que se inovam. Nós consideramos que o vinho tem tido uma inovação gigantesca, não só a nível de produtos utilizados. Temos máquinas cada vez mais capazes, que melhoram muito a qualidade do vinho, não permitindo a oxidação, conservando o melhor possível o vinho.

A atenção às tendências também passa pela capacidade de desenvolver vinhos à medida do cliente?
AMSF: Sim, não só lá fora, como também em Portugal. É claro que há determinadas marcas que toda a gente tem que ter, o Periquita é um exemplo disso, o BSE é outro exemplo, o João Pires, são marcas transversais a todos os canais e todos os clientes. Mas depois cada cliente gosta de ter marcas que trabalham quase em exclusivo. Isso acontece em Portugal e acontece lá fora. E qualquer empresa de vinho tem que ter capacidade para trabalhar esse segmento de marcas e ter flexibilidade operacional para conseguir ter um determinado vinho para um supermercado em Inglaterra, ter um vinho para um cliente no Brasil, ter um vinho para a Suécia, ter um vinho para os Estados Unidos. E há que ter essa imaginação também em termos de marcas, de rótulos, de estilos de vinho. Essa flexibilidade operacional é muito importante nos dias que correm.
FSF: Até porque cada mercado tem o seu estilo de vinho. E nós adaptamo-nos às tendências do mercado. Isso é uma das funções importantes da equipa comercial, tem que trazer de cada um dos mercados o que está a evoluir, qual é o estilo de vinho que está a correr muito bem, para nós conseguimos adaptar-nos ao mercado e àqueles clientes.

José Maria da Fonseca

Pego na questão dos desafios para perguntar quais apontariam ao setor dos vinhos? Na vossa opinião, do que necessitam os vitivinicultores?
AMSF: Na parte comercial, há um desafio grande e uma ameaça ao setor, que é este discurso fundamentalista da área da saúde, em que não há nível seguro de consumo de álcool. Nós não concordamos muito com esta abordagem, achamos que existem vários estudos científicos que não corroboram esta ideia. Mas esta linguagem, este discurso, começa a premiar um pouco as várias mentalidades e é importante tentar combater isto. Nós somos um país produtor de vinho, somos um país exportador de vinho. O vinho faz parte da nossa cultura há milhares de anos. Nós não bebemos o vinho para nos embriagar, bebemos o vinho como parte de uma dieta equilibrada, uma dieta mediterrânea. E é uma ameaça grande que se sente, muito motivada também pelos países do norte da Europa, e uma ideia que nós, os países no sul da Europa, temos que combater um bocado.
O vinho é um setor muito importante para Portugal, é um setor altamente exportador, é um setor que leva o nome de Portugal escrito nas garrafas a todo o mundo, a todos os mercados, e, portanto, é uma coisa que nós temos que defender como indústria.
FSF: Em termos vitícolas, a falta de mão de obra é gigantesca. Nós tínhamos um rancho com cerca de 75 pessoas há seis, sete anos atrás e hoje em dia temos 20 pessoas. Como temos resolvido a situação? Para além de contratarmos mão de obra que vem do estrangeiro, através de empresas certificadas – porque para a José Maria da Fonseca isso é fundamental – temos também investido muito em maquinaria. Porque também achamos que esta mão de obra que aparece agora provavelmente pode desaparecer no futuro. Portanto, o que estamos a fazer são vinhas de terceira geração, praticamente todas autónomas, tratadas por tratores, em que a mão de obra é muito reduzida. O nosso caminho está a ser totalmente por aí. Porque a verdade é que pessoas que trabalhavam connosco continuam ali na região, mas estão a receber uns subsídios atribuídos pelo Governo e preferem ficar em casa.
Onde existe muita mão de obra, é na pré-poda, na poda, e nós fazemos isso hoje em dia praticamente tudo à máquina. Em todas as vinhas que estamos a plantar, mesmo as vinhas antigas onde a máquina puder entrar, a máquina vai entrar. Na nossa dimensão, uma máquina de poda é paga em menos de um ano. Agora, vamos deparar-nos com um novo problema no futuro, que é a necessidade de ter mais tratoristas, porque todas essas máquinas vão ser operadas por operadores especializados. É uma tendência de futuro.
AMSF: O meu primo falava na parte da eficiência, mas também falo na parte da qualidade do vinho e digo isto na questão da vindima em si. Com 650 hectares de vinha, as uvas têm que ser apanhadas no momento certo. E se tivermos quase as uvas todas a ficarem maduras no espaço de duas semanas, não existe mão-de-obra possível para conseguirmos apanhar as uvas todas no momento certo. Se não tivéssemos as máquinas, muitas uvas iam ser apanhadas ou verdes ou demasiado maduras. Tendo as máquinas de vindimar, conseguimos garantir que as uvas são na sua totalidade apanhadas no momento certo e isso vai dar origem também a vinhos com melhor qualidade.

A José Maria da Fonseca tem no seu portefólio vinhos da Península de Setúbal, do Douro, do Alentejo, do Dão e dos Vinhos Verdes. O futuro passará também pela entrada noutras regiões vitivinícolas e noutros estilos de vinho, seja com marcas de parceiros ou marcas próprias?
AMSF: Nós, em termos operacionais, não estamos a planear entrar em mais regiões. Nós criamos a distribuidora no mercado nacional, vai fazer 10 anos, e essa distribuidora foi um projeto fantástico para a empresa.

A distribuidora foi fundamental para a empresa?
AMSF: Foi fundamental, é realmente estratégica. Esse projeto mudou muita coisa dentro da empresa. Trouxe muita dinâmica para dentro da empresa que não teria acontecido se não fosse a distribuidora. Portanto, a distribuidora foi uma aposta ganha, sem dúvida. Trouxe o maior controle, sobretudo na parte final, de perceção do mercado, perceção dos clientes e de como podemos levar os nossos vinhos a mais clientes. E responder mais rapidamente ao mercado e perceber mais sobre as tendências atuais. A partir do momento em que tivemos a distribuidora estabilizada, pudemos trazer para dentro da distribuidora outros parceiros com filosofias parecidas com as nossas, também empresas familiares com visão de longo prazo, com espírito de parceria, empresas que têm expertise também ou que são reconhecidas por terem produção numa determinada região. Com essas parcerias conseguimos, de forma mais eficaz, completar a nossa oferta no mercado, completar o nosso portfólio. Portanto, achamos que essa é uma maneira melhor do que nós estarmos a ir diretamente e operacionalmente a produzir vinhos em todas as regiões do país.

Então, a entrada em outras regiões seria mais pelas parcerias?
FSF: Sim, o nosso plano estratégico não é investir em outras regiões, é sim aumentar a distribuição a nível mundial. Ou seja, colocarmos pessoas nos países, nos mercados que nós achamos relevantes. Já temos uma pessoa no Brasil a tempo inteiro. Porque neste momento não nos preocupa a produção, preocupa-nos, sim, o que é mais difícil, que é vender o produto em cada uma das regiões e estar próximo dos clientes e replicar noutros mercados o que fizemos em Portugal.

A exportação representa 50% da produção total e engloba 70 países. Por onde passa o plano de internacionalização da José Maria da Fonseca? Em 2025 haverá ainda uma maior aposta na exportação?
AMSF: Sem dúvida. Nós já estamos presentes em praticamente todos os mercados relevantes em termos de consumo de vinho. Portanto, pode passar por alguma abertura, nós todos os anos trazemos países novos para dentro de casa, mas o crescimento virá dos mercados já existentes, quer com novos clientes, quer com novos produtos a trabalhar nesses mercados, quer com o crescimento orgânico das nossas marcas. Em Portugal houve um excelente desenvolvimento com a distribuidora, crescemos muito a nossa posição, e acreditamos que nos mercados internacionais vai acontecer a mesma coisa. Portugal tem que crescer, mas o internacional tem que crescer a um ritmo superior ao do mercado nacional e acreditamos que isso vai acontecer. Isto não quer dizer que o mercado nacional não vá crescer, continuamos com as equipas muito focadas a fazer crescer o nosso negócio no mercado nacional, a desenvolver novas marcas e continuar com o dinamismo que temos tido nos últimos 10 anos, mas o internacional ainda tem muito por onde crescer.
FSF: E, para além disso, como achamos que alguns mercados na Ásia vão crescer, contratámos um profissional da Malásia que trabalha connosco e que é responsável por abrir novos mercados na Ásia.

A Ásia é a uma região em potencial…
AMSF: Sim, se há alguns mercados onde não estamos, diria que é na Ásia. E, eventualmente, em África também há alguns países relevantes no consumo de vinho e onde nós não estamos ainda presentes. Na Europa e no continente Americano estamos em praticamente todos.

O Brasil é um grande mercado para a José Maria da Fonseca, mesmo sendo um mercado protecionista e com altos impostos de importação?
FSF: É verdade, mas no Brasil um vinho europeu, um vinho português, é qualidade. E, portanto, nós beneficiamos dessa imagem, apesar dos impostos altíssimos que pagamos à entrada.
AMSF: E o Periquita é uma marca fantástica, no Brasil. Diria que em termos de reconhecimento de marca, estamos nos top 5 de marcas mais reconhecidas de vinho no Brasil. Agora, também com a mudança de imagem que estamos a fazer no Periquita, contamos que traga ainda mais tração para o negócio e para esse mercado.
Portanto, temos muita esperança que o mercado do Brasil continue com uma tendência positiva.
FSF: O Brasil representava, há 100 anos, 90% das vendas da empresa. E tínhamos uma distribuidora nossa lá nessa altura. A José Maria de Fonseca Brasil existia já no princípio do século XX. Isto também mostra quão a empresa estava à frente do seu tempo também nessa altura, já há mais de 100 anos.

Há um foco na exportação das marcas consoante os mercados, especificamente? E também uma abertura para a criação de uma marca se um importador fizer a proposta? O Lancers foi um exemplo dessa adaptação, há 80 anos…
AMSF: O Lancers nasceu porque nós fomos a primeira empresa a fazer o rosé em Portugal. O nosso tio António formou-se em França, onde aprendeu a fazer rosés e criou, na altura, o Faísca, e, portanto, também fomos inovadores nessa altura. A marca teve imenso sucesso, estamos a falar dos anos 40. E depois fomos visitados, já no final da Segunda Guerra Mundial, por um importador americano que tinha uma visão. E a visão dele era que os soldados americanos que estavam a lutar na Europa, tinham consumido vinho na Europa e, ao voltarem para os Estados Unidos, iam ter necessidade e vontade de continuar a beber vinho. Mas tinha que ser um vinho mais fácil de apreciar, para um paladar que não está habituado a beber vinho.
Por isso, ele estava à procura de um rosé e nós já tínhamos o Faísca. Ele veio cá, provou o nosso rosé e disse que era aquilo que queria, mas com algumas adaptações ao mercado americano, nomeadamente no teor de doçura e no gás do vinho, que tiveram que ser aumentados. Criou-se uma embalagem com um formato único e com um nome muito fácil de recordar, Lancers. E a verdade é que foi um sucesso enorme, um grande exemplo de adaptação de um produto ao mercado e que até hoje em dia fazemos. Temos que ir adaptando também a nossa oferta àquilo que faz sentido para os vários mercados.

Por falar em adaptação, como tem a José Maria da Fonseca adaptado as várias áreas da empresa a uma produção e comercialização mais sustentáveis?
AMSF: Nós tomámos a decisão de certificar os processos da empresa em sustentabilidade e já temos duas certificações diferentes. Temos a Fair’N Green para todos os vinhos produzidos em Azeitão. Na altura, quando começámos com esta certificação não havia um Referencial Nacional de Sustentabilidade. por isso recorremos a uma empresa estrangeira e temos esse referencial internacional. E, mais recentemente, no Alentejo, a José de Sousa, também teve os processos certificados com o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo.
E portanto, nos vários pilares da sustentabilidade, ambiental, social e económico, da empresa, trabalhamos todos os dias para que sejam cada vez mais sustentáveis. Agora, é engraçado porque olhamos para aquilo que é avaliado hoje em dia por estes referenciais de sustentabilidade e são todos ‘checklist’: se olharmos para a empresa como era há 40 anos atrás, na altura do nosso avô, e fossemos fazer uma certificação víamos que já éramos sustentáveis nessa altura. Fomos pioneiros na proteção integrada da vinha, nos produtos que usamos na vinha, que são sempre amigos do ambiente. No pilar social, há a importância que a José Maria da Fonseca tem em Azeitão e em toda a região.
Em relação à governance da empresa, nós já éramos sustentáveis há 40 ou 50 anos atrás. Isto para dizer que não estamos aqui a fazer greenwashing, que é mesmo parte daquilo que nós somos e do DNA da empresa e que vem, mais uma vez, da família.

No que toca às alterações climáticas, como se está a empresa a preparar? A água é uma questão premente?
FSF: A questão da água para nós é fundamental. Nós tivemos, supostamente, a boa notícia de que finalmente vamos ter água no Alentejo. Nós estamos a cinco quilómetros, em linha reta, do Alqueva e não temos água. Mas o ministro comunicou que lançou o concurso para a construção do novo bloco de rega do Alqueva e, portanto, vai alimentar toda aquela zona encostada ao Alqueva. Enquanto que aqui, nesta região, temos muita água, as nossas principais vinhas estão sob o maior aquífero da Europa, no Alentejo temos um problema gritante de falta de água. Aliás, se nós não fôssemos uma empresa de vinho com dimensão já tínhamos arrancado a vinha, porque a vinha não é sustentável sem água. Cada vez mais as empresas têm que ser sustentáveis nos seus recursos hídricos, mas não podemos deixar de regar porque, de outra forma, há um problema gigantesco para todo o Alentejo.

Há investimentos, pouco divulgados, mas que também são exemplos de sustentabilidade e indicam um cuidado com a vinha, como é o caso do Bastardinho de Azeitão 40 anos elaborado a partir da casta Bastardo que a casa conseguiu que não fosse extinta…
AMSF: Sim. Mas vou-lhe dar o exemplo de outra casta, que se calhar tem ainda mais relevância, que é o Moscatel Roxo. Se não fosse o nosso avô, o Moscatel Roxo, hoje em dia não existia. Na altura, era uma casta não muito bem vista pelos viticultores, porque produzia pouco, os pássaros adoravam comer as uvas e, portanto, economicamente não era muito boa. E o nosso avô plantou o último hectare do Moscatel Roxo, porque achou que era uma casta que valia a pena preservar por todas as suas características e qualidades enológicas. E, na altura, começámos a pagar o Moscatel Roxo a um preço muito acima de todas as outras uvas que nós comprávamos, ao dobro das outras uvas. Isso criou um incentivo para as pessoas da nossa região plantarem esta casta e, hoje em dia, já temos cerca de 60 hectares de Moscatel Roxo na nossa região. E, sim, isso também é sustentabilidade, essa preservação das castas, a preservação dos recursos, ou a preservação das formas de vinificação, como os vinhos de talha.

Que qualidade é esperada para os vinhos que resultam desta vindima?
AMSF: Foi uma boa vindima em termos de qualidade. A nível nacional, foi um ano desafiante na questão da viticultura, mas felizmente nós temos uma viticultura bastante profissional. Foi muito exigente, tivemos que gastar bastante dinheiro nas nossas vinhas este ano, mas conseguimos até aumentar a nossa produção versus o ano anterior, ao contrário do que acontece a nível nacional. E conseguimos aliar quantidade e qualidade.
FSF: Precisámos fazer mais 20% de tratamentos do que é habitual, por causa do clima que tivemos neste ano agrícola.

O que vai trazer 2025 à José Maria da Fonseca?
FSF: Neste momento nós estamos a investir muito na agricultura, na replantação de vinhas, em novos sistemas de regas mais eficientes, para garantir aquilo que me perguntava há bocado, sobre as alterações climáticas. Todo o nosso grande investimento neste momento vai para a parte agrícola. No fundo, mecanizar as vinhas, comprar máquinas que nos permitam ultrapassar as dificuldades com a falta de recursos humanos, e fazer uma gestão mais eficiente da água disponível. E são investimentos avultados.

José Maria da Fonseca

Mas são investimentos a pensar a longo prazo…
FSF: São, totalmente. Nós temos um plano estratégico para as vinhas e é isso que estamos a executar. E os grandes investimentos nos próximos três anos vão passar pela parte agrícola e pela parte de distribuição a nível internacional.
AMSF: Em termos comerciais, nós estamos bastante positivos para o próximo ano, ao contrário da generalidade do mercado. Ganhamos alguns negócios novos, sobretudo lá fora, também baseados em vinhos certificados em sustentabilidade e são negócios de volume para mercados importantes. Estou a falar da Suécia, estou a falar também dos Estados Unidos, agora recentemente. Portanto, o nosso plano é que no próximo ano tenhamos um crescimento de vendas, no mercado nacional, mas sobretudo no mercado internacional.

Como veem a empresa na próxima década e como estão a preparã-la e à nova geração, para que contribuam para a sua existência no próximo século?
AMSF: Na parte comercial, a José Maria da Fonseca vai ser uma empresa muito mais internacional. Tem que crescer mais. Nós temos o excelente exemplo do que aconteceu no mercado nacional com a distribuidora. Não estou a dizer que vamos abrir distribuidoras em vários países, mas temos que estar mais presentes nos mercados internacionais. Esta decisão de ter um colaborador a viver no Brasil é um exemplo a repetir também noutros mercados. Há várias formas de internacionalização que nós temos que explorar nos vários mercados. Nós vamos ter uma empresa bastante mais multinacional, digamos assim, na área comercial, do que somos hoje em dia. Hoje em dia já somos uma empresa bastante internacionalizada, mas vamos ser ainda mais daqui a 10 anos.
FSF: A nível industrial, todos os anos temos investimentos para fazer. A grande estrutura está montada e o investimento é em novas máquinas, máquinas mais eficientes. Em relação à parte agrícola, é onde será o nosso grande investimento, com muitos milhões de euros nos próximos 10 anos para revolucionar completamente essa área com as novas tendências e com as novas capacidades.
Em relação às novas gerações, a nossa preocupação é que toda a família viva muito a empresa, de uma forma muito próxima. Infelizmente já não vivemos todos juntos porque é impossível, eu vivi com o meu primo toda a vida, até cada um ir para Lisboa, e tínhamos a mesma casa ao fim de semana, com os nossos avós, com tudo. Hoje em dia já somos muitos e, portanto, essa componente é impossível. Mas tentamos transmitir sempre estes valores, que os primos todos se deem bem, que tenham momentos de ocasião em comum. Para nós é fundamental que a cada um da nova geração, nós possamos dar os recursos corretos para que eles possam desenvolver e atingir as melhores aptidões profissionais no futuro. Este investimento muito grande que nós fazemos na educação da próxima geração, foi a que foi feita connosco e portanto nós queremos transmitir. É dessa forma que nós preparamos as próximas gerações, com os nossos valores, com os valores que nos transmitiram a nós.

Entrevista publicada na edição 428

 

Sobre o autorAna Grácio Pinto

Ana Grácio Pinto

Entrevista

Vítor Hugo Gonçalves: “Trabalhamos todos os dias a pensar só e exclusivamente no consumidor”

Em entrevista ao Hipersuper, o CEO da Sociedade da Água de Monchique fala do presente e do futuro de uma empresa fundada há 32 anos e que tem agitado o mercado das águas, fruto de um constante investimento em inovação e em soluções sustentáveis, sempre com foco no consumidor.

“Com a cultura de empresa que temos, não conseguimos ficar parados”, afirma o CEO da Sociedade da Água de Monchique. Nesta entrevista ao Hipersuper, Vítor Hugo Gonçalves fala do presente e do futuro de uma empresa fundada há 32 anos e que tem agitado o mercado das águas, fruto de um constante investimento em inovação e em soluções sustentáveis, sempre com foco no consumidor. “Nós temos um propósito muito claro e que é conhecido e reconhecido por toda a gente na organização: a sustentabilidade é um objetivo e é um drive muito importante para nós, sempre”, assegura.

Vítor Hugo Gonçalves está há quase dez anos à frente da gestão da Sociedade da Água de Monchique (SAM), uma empresa com cerca de 110 colaboradores. Diz que lhe “parece que foi ontem”, porque considera ser um privilégio e “um prazer enorme trabalhar nesta empresa e com esta marca”.

A Sociedade da Água de Monchique é uma empresa dinamizadora de uma região e da sua terra e próxima da comunidade?
Sem dúvida, porque nós, e é algo em que temos muito cuidado, exploramos um recurso natural, e a origem deste recurso é muito específica – a montanha de Monchique. Daí esse respeito e esse compromisso com a comunidade. E como a nossa marca é Monchique, a origem está sempre presente naquilo que é o nosso produto e que nos orgulha. E, efetivamente, em Monchique, sendo uma vila tão pequena, a importância da nossa marca, a importância do emprego que geramos, a importância dos apoios que damos a todas as iniciativas e dinâmicas aqui na vila, é algo que nos orgulha. Mas também nos dá uma responsabilidade muito grande. É com muito orgulho que também transportamos este nome além-mar, porque estamos em todo o mundo. Portanto, a origem para nós é algo muito importante. Sabemos que partimos daqui e nunca esquecemos essa origem.

Qual é a quantidade de água engarrafada por ano?
Nós temos vindo numa senda de crescimento muito significativa, temos vindo a crescer mais do que o mercado, eu diria, desde há 10 anos a esta parte. Portanto, o número de litros enchidos anualmente tem sempre subido. Este ano esperamos atingir os 140 milhões de litros.

Subiram mais do que no ano passado?
Sim, subimos cerca de 8,5%, sendo que o mercado da água está a crescer à volta de 4%, e estamos a ganhar quota de mercado, que é, obviamente, o nosso objetivo.

Qual é o volume de negócios da Sociedade da Água de Monchique?
A senda de crescimento em volume de negócios em euros também tem tido uma subida substancial, temos crescido também mais do que o mercado. Às vezes os milhões de litros não significam um aumento de faturação, mas nós temos tido uma curva de crescimento muito sólida, muito sustentável. Para ter uma noção, em 2015 faturávamos à volta de três milhões. Em 2024, prevemos fechar com cerca de 24 milhões de euros. E, portanto, é um crescimento, eu diria, de quase nove vezes em nove anos. É assinalável e o segredo é realmente a qualidade do nosso produto, a forma como o temos comunicado para o mercado e a especificidade da nossa água, que é uma água, efetivamente, única e reconhecida pelos nossos consumidores.

O que a diferencia?
É a especificidade da água e a particularidade que tem no seu quimismo, ou seja, este PH e esta composição química mineral natural. É importante sempre frisar, porque esta água e as águas minerais, eu diria na Europa, estão sob regulamentos muito apertados. E quando se fala em água mineral ou água de nascente na Europa, falamos de águas 100% naturais, são águas que não são tocadas, são apenas filtradas como vêm das profundezas. A nossa água tem algumas particularidades, é uma água que tem uma captação muito profunda, a cerca de 900 metros, emerge a cerca de 27 graus, é uma água termal desde há 2000 anos, já reconhecida pelos romanos, que era um povo muito ligado à hidrologia, à água. Foi reconhecida como água minero-medicinal até meados dos anos 40 e 50 do século XX. Ainda por cima, uma água com pH natural de 9.5 é uma raridade, diria, no mundo.
E há aqui uma particularidade para quem gosta de geologia. No fundo, as águas minerais e a composição da água é determinada pela geologia do solo. É o solo que transforma e coloca os minerais dentro da água. Quando a água penetra no solo, aprofunda e vai para os chamados aquíferos subterrâneos, permanece ali, às vezes, centenas de anos, como é o caso da nossa água. O ciclo de capitação da água é um ciclo de centenas de anos. Portanto, nós poderemos estar aqui a beber água com 400 anos, do tempo do reinado dos Filipes. Além disso, a montanha de Monchique é uma montanha muito particular. Há uma erupção geológica em Monchique, constituída por uma rocha muito rara, que, curiosamente está limitada exatamente à montanha de Monchique, e os nossos geólogos não conseguem ainda explicar se isto é uma erupção eventualmente de tempos ancestrais ou se são depósitos subterrâneos de mar que emergiram. Enfim, é uma rocha chamada sienito, que transforma esta água numa água alcalina. E, portanto, há aqui um milagre geológico que, efetivamente, transforma esta água numa água muito única aqui e no mundo.
E nós temos a sorte de trabalhar uma água tão especial, tão equilibrada em componentes químicos, com uma mineralização de cerca de 340, com um equilíbrio de minerais, eu diria, perfeito. Um sabor muito interessante, porque a água tem sabor e as águas são todas diferentes. E a nossa é muito particular no palato. Esse foi o primeiro impulso para o crescimento da Monchique, ou seja, a questão do quimismo, da especificidade da água, foi algo que alavancou inicialmente o crescimento da nossa empresa.
Mas hoje não estamos presos a esse paradigma apenas do quimismo. Nós dizemos muitas vezes, até nos eventos que fazemos, que nós somos muito para além da água. Hoje, com essa alavanca da qualidade, da especificidade e unicidade da nossa água, comunicamos uma série de valores, uma série de inovações. Nós arriscamos muito, porque inovar é arriscar. Hoje vamos muito para além daquilo que é o produto. E os nossos consumidores reconhecem-nos exatamente assim.

Para a SAM, acompanhar as tendências pode dizer-se que é tão importante quanto comunicar as suas credenciais de naturalidade? Ou, mais do que acompanhar as tendências, o caminho que fazem é pela antecipação?
Sim, eu ia dizer exatamente isso. Eu acho que as marcas que querem ser líderes – e temos isso sempre como o nosso objetivo, e já somos líderes em muita coisa, líderes em, por exemplo, em sustentabilidade, líderes em inovação – têm de antecipar as tendências, têm de estar à frente do consumidor, têm de provocar tendências, têm de provocar o mercado, têm que agitar as águas do mercado. O mercado das águas esteve, eu diria, muito estagnado em termos de inovação durante muitos anos. E, aí, a Monchique, até em Portugal, tem uma responsabilidade muito grande porque, literalmente, agitou as águas do mercado. Nós também estamos muito atentos à nossa concorrência, porque a nossa concorrência está exatamente muito atenta àquilo que nós fazemos, mas nós temos um mindset de arriscar, de inovar, de fazer coisas diferentes. E não temos medo de falhar, porque inovar é, normalmente, falhar várias vezes. Eu digo muitas vezes às nossas equipas, que se não falhamos o suficiente é porque não estamos a inovar.

A SAM comunica muito a tecnologia e a inovação, que assumem como fatores fundamentais para o sucesso e para o crescimento da empresa. Mas quanto custa inovar? Não só financeiramente. Em tempo de produção, em tempo de investigação, quanto é que custa inovar para a Monchique? Seria menos oneroso, menos arriscado, digamos assim, manter uma produção mais ‘tradicional’…
É verdade. Primeiro, com a cultura de empresa que temos, não conseguimos ficar parados. Inovar faz parte do nosso ADN, e, portanto, nós não conseguimos não inovar. Esse é o primeiro ponto. Recolhermo-nos àquilo que é o mercado tradicional das águas, não faz parte do nosso ADN. Mas tendo a perfeita noção de que inovar é caro. É caro em recursos económicos e financeiros. Para ter uma noção, a Monchique investe cerca de um milhão de euros por ano em inovação. Numa empresa, média empresa, eu diria que é algo significativo. Nem todos os projetos de inovação vencem, mas faz parte do jogo da inovação e isto é muito importante, eu diria que às vezes basta acertar uma vez.
E custa também, muitas vezes, em motivação, custa em horas às pessoas, porque as pessoas comprometem-se com um projeto e depois o projeto não resulta e há aqui uma desilusão, eu diria, depois daquele empolgamento da inovação. Mas isto faz tudo parte do jogo. Posso dizer-lhe que, neste momento, temos cerca de 13 projetos de inovação em andamento. A inovação faz-se no produto, faz-se nos processos, faz-se nas pessoas, na forma como a empresa trabalha, até a nível administrativo. E nós estamos a trabalhar também já com Inteligência Artificial, eu diria que quase 50% da formação já é toda dada em IA, já temos ferramentas, que estão disponíveis para todas as pessoas, portanto, isso também é inovar. Esta inteligência ampliada que nós estamos a trazer para dentro, é incontornável nos dias de hoje. Estamos a estender isto também à nossa maquinaria e vamos estender a algum hardware que vamos em breve apresentar ao mercado.

Por falar em inovação, a SAM lançou uma água termal alcalina, que apresentou como o primeiro spray de água termal alcalina do mundo. Significa a entrada na área da dermocosmética? Até onde vai levar?
O spray termal é a entrada da Monchique no que chamamos de segmento de cosmética e do segmento de farmácia. Era algo que já estava pensado há algum tempo e que foi concretizado há dois anos atrás. É um caminho realmente fora da caixa, porque estamos a colocar um bocado o pé fora daquilo que é o nosso core. Mas nós acreditamos que a qualidade da nossa água é de tal forma única que seria pouco inteligente da nossa parte não alargar o portfólio a outros segmentos onde se possa gerar valor com a própria água. É para nós um projeto muito querido, foi um projeto muito querido aqui pelas pessoas que estiveram ligadas ao desenvolvimento desse produto e nós não vamos parar no spray. Temos projetos e eu diria que lá para janeiro, fevereiro, teremos novidades relativamente ao alargamento de portfólio no segmento cosmético da água. É uma área que veio para ficar.

A SAM foi a primeira empresa portuguesa no setor das águas minerais a publicar um Relatório de Sustentabilidade. Em julho deste ano divulgou o segundo relatório e as metas a alcançar. Que progressos já foram feitos no âmbito do plano de ações a cumprir até 2025?
O compromisso de transparência passa, para já, pela publicitação daquilo que são os relatórios de sustentabilidade, em que toda a informação é publicada para toda a gente ter acesso, e onde toda a gente consegue perceber os nossos progressos e, sobretudo, os nossos objetivos. Nós traçamos um objetivo que é altamente ambicioso, sobretudo para o nosso setor, que é o Net Zero, aliás, mais do que o Net Zero, é o Net negativo, ou seja, nós sermos regenerativos. O chamado impacto positivo é o nosso grande objetivo. Contudo, o nosso relatório de sustentabilidade passa pelo impacto zero em 2030. E esse é um caminho que se faz de uma forma progressiva e muito pensada. 2030 é amanhã, é já amanhã. Ainda hoje (dia da entrevista) tomamos aqui algumas decisões concretas: até março de 2025 toda a nossa frota vai ser elétrica, e 2025 é já amanhã. Já há muito tempo que temos 100% de energia verde na nossa empresa, painéis solares, mas isto é o básico. Há realmente soluções que nos obrigam a muitos investimentos, porque a sustentabilidade ambiental, é disso que estamos a falar, é algo que necessita de investimento. Mas nós acreditamos que depois existe o retorno do reconhecimento, do valor percecionado pelo consumidor.
A questão da transparência é algo que nos abraça desde sempre e que nós abraçamos em tudo o que fazemos. Desde a parte comercial, desde o marketing, desde os claims que usamos, desde a forma como comunicamos com as pessoas interna e externamente. Fechamos, há pouco tempo, o organograma para 2025 e o nosso organograma é circular, em que no meio quem está é o consumidor. Nós trabalhamos todos os dias a pensar só e exclusivamente no consumidor. É ele o nosso objetivo. Quando digo consumidor, não falo dos nossos clientes da distribuição, que são obviamente parte muito importante desta cadeia de valor, mas nós trabalhamos para o consumidor final. É esta a nossa preocupação.

Houve já medidas aplicadas, por exemplo, na fábrica, na empresa como um todo?
Por exemplo, em todas as nossas máquinas – isto é algo muito técnico, mas é muito interessante – nós temos detetores de fugas de ar comprimido nas tubagens. O ar comprimido é a energia mais cara que existe numa empresa e, portanto, o cuidado com fugas é altamente necessário. Nós temos, por exemplo, sensores de monitorização em todos os nossos motores que conseguem determinar se o motor está em esforço ou não e, portanto, a gastar mais energia e conseguimos logo aplicar uma medida corretiva. Fizemos um investimento muito grande há cinco anos e vamos fazer novamente um agora de cerca de nove milhões de euros para a expansão da fábrica e que implicou a compra de novas máquinas muito mais eficientes. E o que é isto de eficiência? Eficiência significa produzir mais em menos tempo, com menos recursos. E, portanto, nós conseguimos reduzir, eu diria, cerca de 50% o custo energético por cada garrafa. E isto é algo muito assinalável. E, portanto, este investimento em sustentabilidade e em poupança de recursos é altamente importante para quem quer ser sustentável.

Referiu a expansão da fábrica. Quando estará concluída e em que aspetos vai aumentar a rentabilidade da empresa?
Nós temos um projeto de expansão que, diria, está a decorrer a cerca de 50% da sua conclusão. Vamos iniciar muito em breve as obras de expansão da própria fábrica e vamos acrescentar uma nova linha de produção de alta cadência. Ficaremos assim com seis linhas de produção e, a partir daí, teremos uma maior capacidade de resposta ao mercado, algo que às vezes já nos começa a ser difícil responder. E teremos também a capacidade de cumprir um objetivo grande: a aposta na internacionalização do produto Água Monchique. Esta linha nos dará uma folga muito superior para conseguimos ‘atacar’ mercados que são de quantidade e, portanto, temos que ter aqui uma eficiência muito grande em termos produtivos.

Por falar em produção, lançaram este ano um produto que juntou inovação e sustentabilidade. A Monchique Natura foi apresentada como a primeira garrafa portuguesa sem rótulo e totalmente produzida a partir de outras garrafas. O que implicou este investimento e o que já impactou em termos de redução de materiais?
A ideia da Monchique Natura surgiu numa visita a uma feira de maquinaria na Alemanha, onde, sentado com os nossos fornecedores de moldes, nasceu a ideia de fazer uma coisa diferente: pegar a nossa garrafa de meio litro, despi-la de rótulo e fazer o engraving, colocar o rótulo gravado na própria garrafa. E o nosso fornecedor aceitou este desafio. O projeto demorou cerca de oito meses. É importante que se diga que oito meses num projeto de inovação é um tempo muito curto, a inovação demora muito tempo. Obviamente que esta foi uma inovação incremental, não foi algo de grande esforço em termos financeiros, mas nós em oito meses conseguimos ter a ideia, desenhar a ideia, envolver muitas partes.
Sobretudo, a Monchique Natura foi pensada como um projeto holístico. O que é que eu digo com isto? Eu diria que a Monchique Natura, juntamente com a EcoPack, é o epíteto daquilo que deve ser um produto sustentável. Porquê? Porque o produto em si tem sustentabilidade ambiental, é uma garrafa feita em 100% RPet, feita de outras garrafas, não tem rótulos, é fornecido numa caixa de cartão também certificada, tem menos gramagem ou a mesma gramagem que uma garrafa de meio litro, sendo que leva muito mais material, mas sobretudo há aqui uma particularidade. Nós não quisemos reduzir a sustentabilidade desta inovação ao produto. Até na própria comunicação da garrafa Natura, nós quisemos ser, aí sim, disruptivos. E criamos a campanha ‘Um Mundo Sem Rótulos’, que ligou o sem rótulos da garrafa ao sem rótulos daquilo que é o preconceito que ainda hoje existe nas sociedades. A campanha foi agora premiada na Associação Portuguesa de Marketing, com o prémio de Excelência. Também na forma como se comunica, é possível ser disruptivo, ser inovador e criar sustentabilidade. E chamar a atenção para alguns problemas que existem na sociedade. E isso também é uma responsabilidade das marcas.

O EcoPack foi lançado antes da Monchique Natura. Terá sido o primeiro grande lançamento, em termos de visibilidade para o consumidor, sobre o investimento da empresa em sustentabilidade ambiental?
Sim, o EcoPack foi também uma grande pedrada no charco porque não existia em Portugal uma tara familiar de 10 litros. Foi criado a pensar nas famílias, sobretudo nas crianças. Além disso o EcoPack é uma tara com uma sustentabilidade ambiental muito grande, porque tem menos de 63% de plástico do que dois garrafões de cinco litros. Mais uma vez temos aqui a questão da responsabilidade social, mais uma vez a responsabilidade ambiental. Temos agora uma campanha com o EcoPack, e pretendemos estender isto ao longo do tempo, que o liga também à responsabilidade junto de instituições de cariz social. Com a qual a Monchique está a abdicar de toda a sua margem financeira no produto e vai dar a três instituições, os 25 cêntimos por cada EcoPack vendido.

Está a falar da campanha ‘Água por uma causa’, que apoia a Kastelo, a Palhaços d’Opital e a Acreditar. Ela dá outra visibilidade à empresa ou vocês partem da visibilidade da empresa para atuar na comunidade?
Isto é também um epíteto daquilo que as marcas têm a responsabilidade de fazer: devolverem à comunidade o que a comunidade dá. Eu diria que nós aproveitamos o facto da nossa marca ser tão reconhecida, ser credível e dos consumidores reconhecerem também a qualidade da nossa água, para dar visibilidade a algumas instituições que precisam, obviamente, de funding, porque não se faz nada sem recursos económicos.
E, portanto, nós conseguimos dar visibilidade a estas causas, visibilidade a estas crianças e a estas pessoas idosas que estão nos hospitais, ou crianças que estão a sofrer com cancro, ou crianças que estão em fase terminal de vida. É algo que a nós nos emociona muito. Pessoalmente, esta provavelmente foi a campanha de responsabilidade social que mais me tocou e que mais me está a tocar, porque estamos a falar de valores significativos que vamos entregar a essas instituições, valores que vão fazer a diferença na vida destas pessoas, e com a ajuda dos nossos consumidores.
O preço não aumentou, a distribuição continua, temos também a ajuda dos nossos clientes, neste caso da grande distribuição, que nos ajuda a divulgar o produto e que nós agradecemos. E com isto, no fundo, fazemos aqui uma joint venture entre consumidores, os nossos distribuidores e a própria empresa para entregar a estas pessoas o conforto em recursos financeiros que elas precisam para que tenham dias mais felizes. No fundo é isto.

Mas o investimento social passa também pela empresa em si, que criou um serviço na área da saúde mental e do bem-estar psicológico voltado para os colaboradores. Como é que trabalham, no geral,o fator ‘pessoas’ no global da sustentabilidade?
Como disse há pouco, um dos nossos vetores de atenção, desenvolvimento e evolução, são as pessoas. E o foco nas pessoas passa, obviamente, pelos consumidores, porque são quem, no fundo, alimenta toda esta máquina, mas também pelas pessoas que trabalham aqui. Aos nossos colaboradores damos uma série de benefícios que vamos acrescentando à medida do possível. A economia, infelizmente, dita muitas das regras, mas temos a sorte, com este crescimento, de poder pensar em como melhorar a condição das pessoas. Desde há muitos anos esta parte, pagamos até 16 salários anuais, portanto isso já é algo que está intrínseco e na cultura da própria empresa. Oferecemos seguro de saúde às pessoas que trabalham connosco e têm ainda a possibilidade de assinar ou subscrever um PPR, algo que nós consideramos muito importante e que está dentro do que eu denomino a literacia financeira e cuidado com o futuro.
E, até pelo facto da questão da saúde mental estar muito em voga, juntamente com uma empresa chamada Team 24, consideramos que era importante dar aos nossos colaboradores um serviço que é anónimo. As pessoas têm acesso a tratamentos de saúde mental de uma forma completamente anónima. Toda a gente na empresa.Com psicólogos e psiquiatras especializados em várias áreas que os ajudam a ultrapassar os seus desafios, sejam pessoais, sejam profissionais. E é algo que tem sido, curiosamente, muito utilizado pelos nossos colaboradores. Não sei quem, ninguém sabe quem, mas temos os números de pessoas que têm recorrido a este serviço e as pessoas tenham aderido muito bem. Eu fico muito satisfeito, porque é o primeiro passo para as pessoas se tratarem e se equilibrarem. E é um serviço inovador também.

Há pouco referiu que sem lucro não se consegue investir, até mesmo nas pessoas. Como consegue a Sociedade da Água de Monchique gerir o investimento sustentável e ambiental e a sustentabilidade financeira?
Com muito equilíbrio e muita racionalidade. É realmente uma equação muito difícil de solucionar, mas nós temos um propósito muito claro e que é conhecido e reconhecido por toda a gente na organização. É algo que nós nunca cansamos de comunicar às pessoas e elas percebem-no: a sustentabilidade é um objetivo e é um drive muito importante para nós, sempre. E eu diria quase, custe e o que custar.
Obviamente que há um elemento de racionalidade no meio disto tudo, que é o equilíbrio. Nós não podemos investir de uma forma disparatada porque depois deixamos de ser competitivos no mercado. Mas vamos priorizando os projetos mais importantes e vamos construindo. Este é um processo evolutivo e, obviamente, a escala aqui é importante. E a expansão da própria fábrica, irá permitir-nos elevar o nosso volume de faturação, o nosso volume de produção, que nos permitirá abraçar outros projetos muito mais ambiciosos. E tendo esta solidez económica por detrás, nós conseguiremos, obviamente, fazer projetos ainda mais impactantes. Nós nunca podemos dissociar aquilo que é a ambição da sustentabilidade, da ambição da rentabilidade das empresas, isto tem de andar em conjunto e deve andar em conjunto. Desequilibrando uma ou outra, digamos que o progresso não acontece da mesma forma. Alinhar estas duas estratégias é um equilíbrio muito difícil, sobretudo para quem está na gestão e tem a visão 360 da empresa, mas é algo fundamental que as empresas têm de fazer.

Por falar em investimento, a loja online foi criada em 2020. Tem permitido uma aproximação ao consumidor diferente daquela do retalho alimentar?
É curioso. Nós decidimos abrir uma loja online de água e a água viaja muito mal. Ou seja, a água tem uma densidade de 1 para 1, um litro de água é um quilo, portanto, é pesado. E o valor de água é muito baixo, por isso é que nós dizemos que a água viaja muito mal, porque é cara. Mas ter a loja online começou por ser, primeiro, para estar próximo do nosso cliente, para o nosso cliente conseguir falar connosco, comprar diretamente à nossa empresa e termos esses dados importantes do nosso consumidor. Hoje, para nós, a loja online é um must have, é uma forma de apresentar também novos produtos e de testar novos produtos, é uma forma de ter dados de satisfação dos nossos consumidores. E diria que tem sido uma experiência de aprendizagem, também. Até porque nós temos uma visão da loja online onde não temos só água, temos merchandising, uma série de produtos que pretendemos também alargar.
Nós vamos lançar um produto muito, muito em breve e o primeiro local onde estará disponível será exatamente na loja online. E, portanto, eu diria que a rampa de lançamento destes projetos mais inovadores será a loja online. Tem sido realmente uma grande experiência, às vezes eu fico surpreso com o valor gerado até pela loja online.

O alcance foi maior do que esperava?
Maior do que eu esperava, é verdade, e muito no B2B, ou seja, muitas empresas a comprarem grandes quantidades de água. Sobretudo, muito EcoPack – é a nossa tara rainha na loja online, o que tem sido muito curioso e foi realmente uma surpresa para nós. E, portanto, é uma ferramenta de comunicação também e de proximidade e de venda em que nós vamos continuar a trabalhar, que vamos expandir e que vamos aprimorar muito em breve.

A criação de uma nova linha na fábrica, é importante para o plano de internacionalização da SAM. Quanto representa a exportação para a empresa e em quantos mercados estão?
Nós estamos em cerca de 15 mercados e a exportação representa 2,5%. É o nosso objetivo nos próximos cinco anos atingir 25% a 30% de volume de exportação. Esta é a nossa ambição. Nós tivemos de tomar uma decisão em 2020, quando fizemos a primeira requalificação da fábrica, com a compra de novas máquinas, e isto foi algo que está aculturado na empresa. O nosso mercado de origem, e aqui voltamos à primeira pergunta, à questão da origem, é o mercado português, é o consumidor português. O nosso privilégio e a honra que nos dão é de servir o consumidor português. Portanto, nunca deixaremos de vender um litro no mercado nacional em detrimento ou a favor do mercado de exportação e da internacionalização.
E daí este investimento de nove milhões de euros na expansão da fábrica: para termos uma linha que será dedicada 80% a 85% só para mercados internacionais, e conseguiremos manter assim as linhas que já temos, a trabalhar para o mercado português, para o mercado nacional. Esta nossa visão não pára por aqui. Temos já a nossa visão para os próximos cinco anos, que não vou descortinar aqui, mas que obviamente passa por crescer ainda mais.


Em 2025, até onde poderão levar as novas tendências do mercado em termos de lançamentos? Novas águas, outros formatos, um packaging diferente, novidades da dermocosmética… O que vai trazer, 2025?

Nós temos um desafio interno na empresa: todos os anos, temos de lançar pelo menos dois novos produtos. E, portanto, 2025 não será a exceção. Eu diria que em 2025 poderemos até lançar três novos produtos. E falo de produtos/serviços, porque a inovação também se faz em serviço e não só em produto. Temos em pipeline dois produtos que vamos lançar, não vou descortinar já o que será, mas são dois produtos muito dentro daquilo que é a tendência que nós visualizamos para daqui a 10 anos no setor das águas. Setor que vai mudar, vai ter de mudar na forma como faz o approach ao consumidor e como faz chegar o produto ao consumidor. E nós, com esta ideia de inovação, queremos ser os primeiros, os pioneiros – mesmo correndo o risco de falhar – a alterar o paradigma de como vamos levar a nossa água ao nosso consumidor. E eu posso dizer que talvez em 2025 tenhamos uma grande mudança na forma como vamos fazer chegar a nossa água ao consumidor.

Haverá um grande investimento na logística de entrega?
Haverá um grande investimento em muitas áreas, inclusivamente também na logística.

A empresa tem 32 anos. Como vê o futuro da Sociedade da Água de Monchique daqui a 32 anos? Onde espera que ela esteja?
É uma pergunta que nunca me fizeram, curiosamente. Daqui a 32 anos, olhe, eu espero ainda estar aqui para ver o que vai acontecer. Mas pela forma como a Água Monchique tem trabalhado e se seguir nesta senda de transparência, de sustentabilidade, de qualidade, de foco nas pessoas e com estes valores, acredito que a Monchique estará cá, estará mais forte, será certamente líder do mercado, porque isso praticamente já o somos.
Eu acredito que tem potencial de ser global, e, portanto, acredito que a Monchique conseguirá ser uma marca global, e espero ainda ser eu a carimbar essa marca global. Acredito que, provavelmente, já não estaremos neste sítio físico, mas estaremos aqui muito perto, com uma nova fábrica, com novos produtos, com novos serviços, criando um ecossistema à volta da água que implicará um portfólio muito alargado de serviços, uma forma diferente de fazer chegar a nossa água única ao consumidor e que implicará muita tecnologia, muita comunidade. Hoje o consumidor exige rapidez, qualidade, preço e, sobretudo, estes valores de sustentabilidade. Portanto, eu acredito que se a Monchique seguir estes valores, daqui a 15 anos, 30 anos será uma empresa tão ou mais saudável do que hoje é.

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Entrevista publicada na edição 428 (novembro de 2024)

Sobre o autorAna Grácio Pinto

Ana Grácio Pinto

Manuel Tarré
Entrevista

Manuel Tarré: “Só conseguimos que se faça crescer Portugal se o Governo e os empresários estiverem de mãos dadas”

O presidente da Associação Nacional de Comerciantes e Industriais de Produtos Alimentares defende a uniformidade da taxa de IVA para os produtos alimentares, pede que seja concretizada a prometida descida do IRC às empresas e alerta para a classificação das pequenas e médias empresas, inalterada desde 2005. “Ficaria muito satisfeito se conseguíssemos reduzir o IVA”, afirma Manuel Tarré.

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Constituída em 1975, a Associação Nacional de Comerciantes e Industriais de Produtos Alimentares reúne cerca de 400 empresas. O Hipersuper entrevistou o presidente da direção da ANCIPA sobre as prioridades e os desafios, os apoios e os entraves da indústria alimentar nacional. Entre outros tópicos, Manuel Tarré defendeu a uniformidade da taxa de IVA para os produtos alimentares, pediu que seja concretizada a prometida descida do IRC às empresas e alertou para a classificação das pequenas e médias empresas, inalterada desde 2005. “Seria melhor que a pessoa que cria a legislação, se sentasse na cadeira de quem tem que a executar e visse a dificuldade de a passar à prática”, sublinhou.

Escassez de mão de obra, fatores climáticos, conflitos que interferem na aquisição de matérias primas e na logística, aumento de inflação, problemas que se juntaram à já recorrente questão da burocracia e da carga fiscal… 2024 está a ser um ano desafiante para os players que operam no setor alimentar?
2024 é igual a todos os outros anos, é desafiante todos os anos, porque as margens que nós temos nas nossas atividades são muito reduzidas. Os aumentos das matérias-primas, alguns deles vieram para ficar, algumas outras tiveram correção; os aumentos dos combustíveis e da eletricidade também tiveram grande influência nos custos dos últimos anos. Mas, sobretudo, a oferta no mercado e a concorrência que existe, limitam bastante a nossa existência se não formos criativos. Para podermos estar ativos no mercado temos de ser criativos e haver redução de custos. Estes são os dois pontos fulcrais. Sermos muito criativos, a nível da embalagem, a nível de produtos, a nível de ir ao encontro daquilo que o cliente deseja. Podermos fazer alguma diferença naquilo em que os produtos possam ter essa diferença e depois, dentro das nossas empresas, sermos muito competitivos, baixarmos ao máximo os nossos custos.

Este é um setor capaz de repensar estratégias. Foi o que demonstrou durante a pandemia…
Não podia falhar, porque nós, para subsistirmos, tínhamos de não falhar. Eu fiz parte de uma pequena comissão que o Secretário de Estado da Economia na altura criou e creio que todas as semanas reuníamos para saber como estava o mercado. Havia setores com algumas dificuldades, mas, de uma forma geral, todos nós estávamos desejosos de não parar. Muitos tiveram grandes dificuldades no acesso à matéria-prima, face às implicações que o Covid teve nesse abastecimento, mas também depois em aumentos substanciais nos custos de matéria-prima.

Em que aspetos a ANCIPA tem contribuído para a visibilidade do setor? E em termos de formação?
Nós temos nos destacado, se é possível dizer isso, na parte da formação, porque temos realizado vários seminários, conferências, vários workshops de formação dos nossos associados, ao mesmo tempo que mantemos os associados informados. O que nós informamos? Sobre a nova legislação, quais são as alterações que estão a ser feitas e, de acordo com a especificidade de cada área, fazemos formações adequadas. A ANCIPA está certificada para dar essas formações e tem havido, ano após ano, mais aderentes. Essa proximidade com o nosso associado, vai desde a pequena empresa, que às vezes é uma pastelaria, até a empresas com centenas de colaboradores. Formações, por exemplo, em tudo o que se prende com as certificações. Cada vez mais é pedido aos empresários mais clareza na sua atividade. O que me parece bem. Antigamente eram os processos de fabrico, depois era por causa do coeficiente e açúcar ou de sal… Cada vez que surge uma nova alteração, nós passamos essa informação aos associados e damos formação.

Manuel Tarré

Em relação à fiscalidade: o Iva Zero no cabaz de 44 produtos alimentares básicos deveria regressar ou bastaria haver uma uniformidade à taxa reduzida?
Acho que é muito mais honesta a segunda opção. A redução do IVA para 0% teve um impacto mais político do que prático. Mas estarmos na Europa e o nosso IVA dos produtos transformados ser cerca de três vezes superior à média europeia, é algo incompreensível para um país pobre, como nós somos, com salários que estão abaixo da média europeia.
Não faz sentido continuarmos a pagar um IVA de um produto transformado como se fosse um produto de luxo. Mas é que isto tem sido transversal a todos os partidos. Não é uma questão de ser o partido A ou o partido B. Isto tem passado todos os orçamentos porque o impacto orçamental que tem, é enorme. São cerca de mil milhões de euros para corrigirmos essa variante. Mas não é justo que os portugueses continuem a pagar uma pizza com 23%, um pastel de bacalhau com 23%, e aqueles portugueses que têm capacidade de ir ao restaurante, paguem IVA a 13%. Isto não é justo. É o único país em que isto acontece na Europa.
O mapa do IVA na União Europeia fala por si. Por exemplo, quando em Portugal na pastelaria temos IVA a 23%, Espanha tem 10%, Itália tem 10%, Alemanha tem 7%, França tem 5,5%, Polónia tem 5%. Qual é a lógica de nós termos 23%? Ouvi alguém me dizer, que é a questão do açúcar. Mas o açúcar faz mal à saúde em toda a Europa, não faz apenas em Portugal, nós não temos açúcar diferente. Não é justo. Eu não vou dizer que fosse igual, mas que houvesse equilíbrio.
As refeições pré-congeladas são outro exemplo. Quando vai à restauração paga o IVA a 13%, e está em linha com a Espanha que tem o IVA na restauração a 10%, a Itália tem a 10% a Bélgica tem a 12%, a Alemanha é o único com 19% porque, por aquilo que eu percebi de colegas meus alemães, ir à restauração é considerado um luxo. Agora, Portugal já não está alinhado quando estamos a falar de produtos transformados, de refeições preparadas, que passam a ter 23% de IVA e a Europa está nas outras taxas.

Está a falar no facto de se colocar a taxa máxima em produtos que são de maior inovação?
Em tudo o que é transformado. Nas refeições pré-preparadas não é justo que se mantenha em 23%. 23% é é a taxa para comprar um casaco, comprar um automóvel, comprar umas cadeiras para casa, produtos que têm longa vida. A alimentação não, a alimentação é algo de que nós precisamos, portanto, não pode ter a taxa máxima. Isto é taxar a alimentação transformada como se fosse um produto de luxo. Eu entendo que o Governo não quer tocar neste assunto por causa dos mil milhões. Mas isto é uma falta de lealdade perante o consumidor. Não é correto ser assim.
E entendo que os acertos orçamentais são áreas muito sensíveis para se poder governar o país, mas há uma coisa que o governo deveria fazer. Este governo e os outros todos que lá passaram e que não têm alinhado com os princípios mais adequados, visando o cidadão comum: nós temos que reduzir o custo do setor público. O custo público é muito elevado, o peso é muito elevado. Isto não é possível, porque senão isto nunca mais vai dar. E tendemos, naturalmente, para uma pobreza do país.

Em relação aos produtos taxados a 23%, como os produtos congelados e transformados, as refeições pré-cozinhadas e as bebidas refrescantes, há margem de descida para 6% sem que tal se reflita no preço a pagar pelos consumidores?
A indústria compromete-se, em qualquer redução, a não deduzir imediatamente ao preço. Não vai ser margem de lucro. E o comércio também o vai fazer. Quando reduzir, quer a CIP, quer a APED, estabelecem que qualquer redução de IVA deste género vai diretamente ao consumidor.

Quais são as expectativas da ANCIPA em relação ao Orçamento de Estado para 2025? Que alterações deveriam ser introduzidas no entender desta indústria?
Eu ficaria muito satisfeito se conseguíssemos reduzir o IVA. E se o primeiro-ministro honrasse o que eu ouvi presencialmente dizer: a redução do IRC às empresas. Portanto, essas duas medidas são suficientes. Com essas duas alterações, todo o setor agroalimentar fica feliz. Já são duas coisas muito específicas, porque se for falar das centenas de taxas e taxinhas, nem vale a pena. Dava-me a ideia de que o que precisávamos fazer era ir buscar alguém que pegasse nestas taxas, as normalizasse, para nos guiar a todos, porque nós nem sabemos que taxas é que existem. Em vez de ter duas mil e tal taxas, se tivermos 100, está bem. O que é preciso? Alguém que se envolva, nesta matéria, que seja crítico, que tenha deveres de Estado e deveres de Nação e que consiga colocar isto em prática. E não temos. Tem que haver vontade. Tem que haver trabalho. Isto não se faz com discursos bonitos, isto faz-se com centenas de horas de dedicação, de pessoas que se envolvam para resolver.
Portanto, em relação à pergunta que me faz, na área alimentar, a redução do IVA e o compromisso do Sr. Primeiro-Ministro em reduzir a taxa do IRC. Reduza a taxa do IRC, das empresas que têm lucros, que são uma minoria. Se o indivíduo tiver lucro, deve ser premiado. Às vezes vemos alguns cartazes sobre o capitalismo, mas se não houver empresários capazes de gerar lucros, não há empresas para ninguém, ficamos todos pobres. Temos que ter uma noção disso. Tem que haver alguém ‘out of the box’ que crie empregos, crie dinâmica, crie economia, ponha tudo a funcionar e que seja premiado quando tem resultados. E muitos deles perdem tudo o que têm quando os negócios vão mal, mas sejam aliviados das cargas fiscais quando realmente fazem o bom trabalho. E fazendo esse bom trabalho, mesmo que sejam reduzidos de 2% da carga fiscal por ano, tal como estava previsto, continuam a pagar muitos impostos dentro das suas empresas. Só estamos a falar do IRC…
Manuel TarréOutra das situações que devo abordar, porque está a afetar bastante as empresas de média dimensão, é o problema da classificação das pequenas e médias empresas, que não se altera desde 1 de janeiro de 2005 quando se criaram os parâmetros das pequenas e médias empresas – até 50 colaboradores, até 250 colaboradores, até 50 milhões de faturação… Esta definição não é revista desde 2005. Não pretendemos nada que não seja justo: atualizem a classificação à taxa de inflação. Nas contas que fizemos na Associação, para se verificar qual é a taxa de inflação, chegamos a um mínimo de 50%. Subam esses valores 50%. Porque é a inflação. Não é sensato – porque esta não é uma lei nacional, é uma lei comunitária – o indivíduo pretender que a Europa cresça com empresas pequenas e médias. E chamar ‘grande’ a uma empresa quando tem uma faturação de 70, 80 ou 100 milhões de euros. Temos que ser razoáveis: é uma empresa média. Grande é uma empresa que fatura 500 milhões, 1.000 milhões de euros.
E quando esta classificação está ligada aos apoios comunitários, é um desastre. É uma penalização demasiado grande para as empresas que não são realmente grandes e precisam de apoios. E se varia um parâmetro destes, dentro destes valores, uns têm apoios e os outros, depois, não têm. Não pode ser, dentro da Europa, uma empresa que fatura 100 milhões de euros, considerada uma grande empresa. E esta é a nossa posição: se os apoios foram estabelecidos em 2005, que atualizem a 2024 ou 2025, a taxa de inflação nesses apoios. E isso dá, já o verificámos, pelo menos 50% de incremento.

Por falar em apoios, o PRR, o PDR 2020, o PEPAC, o Portugal 2030, são programas com fundos que Portugal tem que executar. No 9º congresso da FIPA, o ministro da Agricultura e Pescas afirmou que 2025 é um ano crucial para Portugal em termos de execução de fundos, por um lado, e de pagamentos por outro. A indústria alimentar está a conseguir executar estes fundos? E eles são adequados às suas necessidades de inovação, de digitalização?
Eu acho que os fundos têm sido adequados. Há uma certa elasticidade e o enquadramento dos fundos tem sido adequado. Haja é a capacidade dos empresários de fazerem investimentos nas suas unidades, dada a forma como está o mercado. Porque uma parte das indústrias olha para o seu mercado como mercado nacional, não olha para o mercado de exportação. O mercado nacional é um mercado pequeno, somos só 10 milhões de pessoas. Quando falamos em toda a Europa, passam a ser centenas de milhões, mas cá somos só 10 milhões, é um mercado pequeno. Mas eu acho que o Sr. Ministro nessa afirmação tem razão, é um ano importante para as empresas executarem os fundos que estão aí.

Como olha a ANCIPA para a internacionalização? Quais são os grandes riscos ou desafios das empresas portuguesas deste setor? Por um lado, na importação de matérias-primas, e, por outro, na sua capacidade exportadora.
Nós temos boas unidades de transformação em Portugal, daí haver algumas unidades que têm sido adquiridas por multinacionais. Há áreas estratégicas no agroalimentar que têm merecido esse foco. Para o empresário comum português, a exportação é um bom desafio e o binário preço-qualidade é fundamental. E temos adicionado sempre o transporte, que é um valor muito pesado, normalmente, para se colocar o produto no centro da Europa. Nós estamos numa periferia. Quando falamos em Espanha, está aqui ao lado, mas, às vezes, o ‘ao lado’ são 600 são 1000 quilómetros. Mas se falarmos do mercado central da Europa, estamos em Paris, em Düsseldorf, em Munique, ou em Itália, tudo isto toma uma dimensão de outro custo de transporte. Mas acho que tem sido feito um bom trabalho. É pena não vermos mais produtos portugueses em prateleira, mais em supermercados no estrangeiro, mas temos vindo a fazer um trabalho positivo.
E o que pode tornar este setor mais competitivo internacionalmente? Sendo de um país com muitas pequenas e médias empresas.
Eu acho que muitas vezes é a nossa flexibilidade, a capacidade de fazermos produtos à medida do cliente. Eu creio que a resposta mais assertiva é a flexibilidade que nós muitas vezes temos, de oferecer ao mercado aquilo que o mercado pede, a capacidade de adaptação. E temos de nos adaptar para fazer a diferença.

Para a ANCIPA, o que é urgente trabalhar a nível de legislação europeia, que contribua para a continuidade e crescimento da indústria alimentar?
Parece-me que deveria haver alguma reanálise das leis que estão em vigor. Porque muitas vezes cria-se legislação que não traz valor acrescentado, não faz muito sentido e tem implicações muito negativas na indústria. Deveria-se verificar o que é realmente necessário e corrigir. Um dos assuntos desta indústria que se tem vindo a debater muito é a quantidade de açúcar, portanto, a redução do açúcar no nosso consumo diário. Tem-se vindo a fazer, e não se tem dado muito por isso, uma adaptação. Mas muitas vezes surgem outras exigências que não fazem sentido e que não vêm tornar mais segura a alimentação, mas vêm muitas vezes dar mais burocracia à forma operante das próprias empresas.
Seria melhor que a pessoa que cria a legislação, se sentasse na cadeira de quem tem que a executar e visse a dificuldade de a passar à prática. Eu acho que fazia sentido essas pessoas palmilharem o trajeto daquilo que estão a pedir. Irem ver como se faz na origem, o que implica a alteração, como é possível fazer e se é possível fazer. E o que trará vantagem.

Qual é o próximo grande desafio da indústria alimentar e do universo de empresas que a compõem? É capacitá-las para a sustentabilidade? Ou há antes, desafios imediatos de governabilidade que se sobrepõem?
É a sustentabilidade, e continuar a ter a criatividade suficiente para oferecer a nossa produção. Eu digo isso como empresário. O grande desafio é nós sermos cada vez mais inventivos, sermos muitas vezes resilientes, termos equipas coesas e premiadas, também, por isso, para conseguirmos oferecer ao mercado aquilo que o mercado deseja. E conseguimos matérias-primas que possamos transformar.

A inovação caminha a par com a sustentabilidade, com a ‘agenda’ ESG. As empresas do setor alimentar estão a preparar-se atempadamente? Ou diria que, em autorregulação, já têm estado a realizar muitos dos objetivos ESG?
É isso mesmo. Em autorregulação já temos estado a cumprir muitos objetivos, porque essas são tendências que temos que fazer. E as empresas para subsistirem, se possível têm que estar um bocadinho à frente. Creio que o trabalho que tem de ser feito pela indústria já é a acautelar-se para esses desafios.
Outra das situações que me parece pertinente é a fiscalização a que somos sujeitos. Por vários organismos. De vez em quando entra-nos alguém pela porta e diz ‘hoje viemos ver isto’, no outro dia vem alguém ‘ver aquilo’. Quando o Estado nos pede que sejamos cumpridores naquilo que está na lei, mas muitas vezes é o primeiro a não cumprir os compromissos. Se nos atrasarmos com o pagamento à AT, está a ver o que acontece. Mas não sermos ressarcidos de uma coisa que temos direito é perfeitamente normal. Isto não está correto.

Manuel Tarré

O tempo de resolução entre um e outro é diferente?
Não, a aceitação de seriedade é diferente. Não é o tempo, é a aceitação da seriedade. Uns são forçados a ser sérios, mas o outro, não é preciso ser sério. E este não é o estado de espírito que deveria existir. Se nós pudéssemos ver no governo, os parceiros do nosso crescimento económico, para criarmos mais riqueza para todos, era a forma correta de estarmos. O Governo deve auxiliar-nos no nosso crescimento económico, nós devemos auxiliar o Governo a criar mais riqueza para ficarmos todos melhores, vivermos todos melhores. Vivermos com riqueza de valor no bolso, mas também com a riqueza de princípios.

Por falar na relação com o Governo, numa entrevista ao Hipersuper, o presidente da FIPA, defendeu que o Ministério da Economia necessita ter uma Secretaria de Estado de Indústria. Parto dessa afirmação para lhe perguntar se, no seu entender, este setor é devidamente considerado estratégico para Portugal?
Acho que o presidente da FIPA tem toda a razão, deveria ter porque ganhávamos com isso. Repare o peso que a indústria alimentar tem na economia nacional. É uma questão de dar valor a quem o tem, é uma questão de darmos as mãos uns aos outros, de podermos apoiar-nos e ficarmos satisfeitos quando, o Governo ao final do mandato ou nós ao final do ano, vemos os resultados práticos. Deveríamos estar a caminhar nesse sentido.

O Estado deve delegar nestas associações algumas competências de gestão operacional?
Eu diria que sim, mas isso nunca vai acontecer. Na teoria, deveriam apoiar-se numa ANCIPA, numa FIPA, uma CIP, claro. Nós temos lá a indústria, o nosso desejo é que os nossos associados estejam bem e cresçam. É uma boa questão, mas é teórica. Não é prática isso nunca vai acontecer.

De onde partiria uma relação mais próxima com a indústria?
Acho que alguns dos nossos governantes têm a humildade de virem visitar os sítios e perceber as coisas. O que tenho presenciado ao longo de alguns anos é termos secretários de Estado e ministros a visitarem e a entenderem quais são as preocupações. Depois se eles conseguem passar à prática, é uma outra realidade. Mas se nós não dermos as mãos uns aos outros não vamos conseguir passar à prática nada. Creio que é uma mensagem a repetir: só conseguimos que se faça crescer Portugal se o Governo e os empresários estiverem de mãos dadas para o crescimento.
E seguirmos decisões de princípios que sejam rigorosos. Nós não podemos compactuar com princípios que contrariam aquilo que nós sentimos. Muitas vezes somos confrontados com perguntas de que sabemos as respostas dentro de nós, mas não somos capazes de dizer. Pela vergonha que essas perguntas implicam na audição de terceiros. Temos a noção de que todos nós gostaríamos de viver melhor, mas para vivermos melhor temos que criar mais riqueza para todos.

Esta entrevista foi publicada na edição 428

 

Sobre o autorAna Grácio Pinto

Ana Grácio Pinto

Entrevista

“A transição para uma produção neutra exige enormes investimentos”

Na indústria do vidro de embalagem, a mudança para energias verdes renováveis e a crescente incorporação de vidro reciclado na produção das novas embalagens, são algumas das medidas importantes para a meta de produção totalmente neutra em carbono, até 2050, avança Beatriz Freitas, secretária-geral da AIVE.

O setor do vidro de embalagem tem como meta a produção totalmente neutra em carbono até 2050. Que investimentos tem feito a indústria vidreira de embalagens para alcançar esse objetivo?
A indústria já percorreu, um longo caminho na descarbonização da sua produção. Atualmente, consome 70% menos energia, emite 50% menos CO2 e as embalagens de vidro são 30% mais leves, do que há cinquenta anos. No entanto, são necessárias agora mudanças significativas, com desafios estruturais e tecnológicos associados, para atingir o objetivo de zero emissões de carbono.
A transição para uma produção neutra em termos climáticos exige enormes investimentos, tanto de capital como operacionais e o apoio financeiro do setor público são, por conseguinte, imprescindíveis para apoiar a indústria a implantar as novas tecnologias inovadoras e assim ser possível cumprir os objetivos de descarbonização para 2050 estabelecidos pela Lei do Clima da UE.
A redução e otimização do seu consumo energético e a mudança para energias verdes renováveis, assim como a redução da utilização de matérias-primas virgens, aumentando a incorporação de vidro reciclado na produção das novas embalagens – para reduzir os impactos ambientais globais e os custos associados ao fabrico das embalagens de vidro – é sem dúvida o caminho para até 2050, a indústria do vidro de embalagem transformar a sua produção e oferecer soluções de embalagem totalmente neutras em termos de carbono, para além de totalmente circulares.

O que é o RODIV2050?
O Roteiro para a Descarbonização do Vidro em Portugal (RODIV2050), financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), é um projeto liderado pela AIVE, com o apoio de consultores externos, com o objetivo de divulgar potenciais estratégias e tecnologias que possam contribuir para a redução das emissões de GEE associadas à produção de vidro, alinhando assim este setor com as metas de neutralidade carbónica estabelecidas pela União Europeia para 2050.
Este roteiro visa alavancar a descarbonização da indústria do vidro e promover uma mudança na utilização dos recursos, através da  promoção de um conjunto de ações que vão desde a identificação de áreas de melhoria, de trajetórias custo-eficazes de redução de emissões e identificação de soluções tecnológicas de baixo carbono, bem como a promoção da economia circular, através da reciclagem das embalagens de vidro usadas e a utilização de biocombustíveis como o hidrogénio verde ou o biometano, promovendo a inovação em áreas que conduzam esta indústria às metas da neutralidade carbónica mas ainda posicionar o setor vidreiro nacional como um líder em práticas sustentáveis, promovendo uma indústria mais sustentável e preparada para os desafios futuros.
De uma forma clara serão apresentados também os vários desafios estruturais e tecnológicos com que este setor industrial se depara, desde a implementação de soluções tecnológicas para o uso de energias verdes, alternativas aos combustíveis fósseis, não só nos fornos, mas nos demais equipamentos do processo, que ainda requer investimentos avultados em infraestruturas e redes de distribuição; até ao aumento dos níveis de recolha das embalagens de vidro usadas para reciclagem, atualmente insuficientes para suprir as necessidades de uma produção mais sustentável, quando Portugal é líder europeu, na produção de vidro de embalagem per capita.


Reciclado infinitamente sem perder propriedades

Beatriz Freitas assegura que há poucos materiais tão circulares como o vidro de embalagem e que a sua indústria orgulha-se de produzir “embalagens, saudáveis, reutilizáveis e infinitamente recicláveis em circuito fechado”. “O vidro é um material permanente, o que significa que pode ser reciclado infinitamente sem perder nenhuma propriedade ou matéria constituinte” e as suas embalagens “são as únicas que garantem, não só todo o sabor e odor, como a qualidade e características originais dos produtos, independentemente do número de vezes que é reciclado”, assegura.

Apesar disso, a secretária-geral da AIVE lamenta que tenha um valor ainda não entendido por todos. “De acordo com os últimos dados oficiais (Eurostat), em Portugal foram recicladas 55% de todas as embalagens de vidro usadas em 2021 e todo esse vidro foi utilizado para fazer novas embalagens de vidro”, sublinha. Para que Portugal atinja níveis de reciclagem semelhantes aos de outros países europeus, precisa de “mais infraestruturas adequadas para a recolha deste material no canal Horeca, proliferação de vidrões e uma aposta na educação para a reciclagem”, alerta.

Artigo publicado na edição 428

Sobre o autorAna Grácio Pinto

Ana Grácio Pinto

Patrícia Carvalho, coordenadora do Pacto Português para os Plásticos

Entrevista

Patrícia Carvalho: “As metas estabelecidas no âmbito do Pacto Português para os Plásticos são bastante ambiciosas”

Patrícia Carvalho, coordenadora do Pacto Português para os Plásticos afirma ao nosso jornal que as ambições do PPP são o motor “para que a cadeia de valor se una em torno de um objetivo comum – o de potenciar a economia circular para os plásticos em Portugal”.

O Pacto Português para os Plásticos tem como visão garantir uma economia circular para os plásticos em Portugal, na qual estes não se convertem em resíduos ou poluição. Patrícia Carvalho, coordenadora do Pacto Português para os Plásticos afirma que as  ambições do PPP são o motor “para que a cadeia de valor se una em torno de um objetivo comum – o de potenciar a economia circular para os plásticos em Portugal”.

Qual é o trabalho desenvolvido pelo Pacto Português Para os Plásticos?
O Pacto Português para os Plásticos é uma plataforma colaborativa, coordenada pela Associação Smart Waste Portugal e pertencente à Rede Global de Pactos para os Plásticos, organizada pela Fundação Ellen MacArthur e pela WRAP. Tem como visão “garantir uma economia circular para os plásticos em Portugal, na qual estes não se convertem em resíduos ou poluição”. A iniciativa reúne mais de 110 membros da cadeia de valor dos plásticos, incluindo empresas, associações setoriais, universidades e centros de investigação, ONG, entre outros, que, colaborativamente, trabalham de acordo com a visão e com as Metas estabelecidas até ao final de 2025.
Mais do que uma plataforma colaborativa, o Pacto Português para os Plásticos é um fórum de discussão de temáticas relacionadas com os seus objetivos, tendo neste momento ativos cinco grupos de trabalho que reúnem a cadeia de valor, nomeadamente o ‘Reciclagem & 100% Reciclável’, o ‘Incorporação de Plástico Reciclado’, o ‘Plásticos de Uso Único e Materiais Alternativos, o ‘Novos Modelos de Negócio’ e o ‘Plásticos Flexíveis’. Estes grupos de trabalho têm objetivos bem definidos, tais como apresentações de temas atuais, redação de documentos, realização de benchmarking, análise de relatórios, entre outros.
Paralelamente, todos os anos é lançado um relatório de progresso face às Metas 2025, que tem como objetivo avaliar o progresso conjunto dos membros efetivos da iniciativa que colocam embalagens no mercado. Tendo em conta os resultados que vão sendo obtidos são desenhadas as ações, por forma a melhorar continuamente os dados quantitativos e qualitativos atingidos e reportados. Para além disso, a iniciativa tem um grande foco na sensibilização e educação dos consumidores, tendo já lançado duas Campanhas de Comunicação de âmbito nacional, um Guia Explicativo sobre o plástico e ainda um programa de educação dirigido ao 2.o ciclo.

No 3º Relatório de Progresso, referem que em 2022, 6% das embalagens colocadas no mercado pelos membros do PPP, em média, eram reutilizáveis, valor que baixou relativamente a 2021, em que o valorfoi de 7%. A reutilização é mais difícil de se conseguir do que o esperado?
Importa começar por referir que há uma dificuldade acrescida no que concerne à contabilização da componente relativa à reutilização. Isto prende-se, sobretudo, com as embalagens reutilizáveis em sistemas de pooling que não são diretamente geridas pelos membros da iniciativa. Estas embalagens normalmente são utilizadas para o transporte de frutas e legumes e até servem para a exposição destes produtos em loja, constituindo-se como um verdadeiro exemplo de reutilização. Para além deste exemplo, existem muitos outros, tais como sistemas que permitem o refill de água, sumos, detergentes, frutos secos, entre outros. Assim, a medição da reutilização acaba por constituir um desafio em si mesma.
Para além desta dificuldade, os modelos de reutilização precisam de uma estratégia concertada para funcionarem e dependem da adesão do consumidor. Estes fatores e outros contribuem para que a reutilização traga desafios à sua implementação, sendo que o Pacto Português para os Plásticos se encontra bastante consciente dos mesmos e tem já atividades definidas para endereçar os mesmos. Desta forma, o grupo de Trabalho ‘Novos Modelos de Negócio’ irá focar-se na temática da reutilização, tendt como principal objetivofomentar a discussão em torno deste tema, bem como reunir exemplos práticos que possam inspirar e fomentar a aposta em novos modelos de negócio, particularmente em modelos de reutilização. Adicionalmente, desde o início, que tem sido objetivo do Pacto Português para os Plásticos trabalhar esta área, pelo que já foram realizadas várias discussões com a cadeia de valor sobre a mesma, analisado salguns documentos e organizados webinars e sessões dedicadas ao tema, com a participação de oradores nacionais e internacionais. Este é um tema que iremos continuar a trabalhar, com a colaboração de todos.

Quais são os maiores entraves para que as empresas consigam cumprir as metas?
As metas estabelecidas no âmbito do Pacto Português para os Plásticos são bastante ambiciosas. No entanto, esta ambição acaba por ser o motor para que a cadeia de valor se una em torno de um objetivo comum– o de potenciar a economia circular para os plásticos em Portugal. Esta união e este trabalho conjunto fazem de facto a diferença, importando destacar que os membros se encontram comprometidos com a visão e com as metas da iniciativa desde o seu lançamento até ao momento. Esta é uma cadeia de valor resiliente, que trabalha colaborativamente e que tem procurado soluções para a circularidade do setor.
Importa referir que existem dificuldades de várias tipologias, tais como falta de apoio financeiro para a procura e implementação das melhores tecnologias disponíveis, falta de disponibilidade de material para incorporar em novas embalagens, legislação e regulamentação complexas e que se encontram em contínua atualização, entre outras. É também relevante capacitar os recursos humanos, bem como o consumidor para a importância destas temáticas, havendo a necessidade de apostar em programas de formação técnica especializada, campanhas de comunicação e programas de educação para todas as faixas etárias.

Que projetos estão a ser dinamizados ou em que estão a colaborar?
Atualmente, o Pacto Português para os Plásticos encontra-se a trabalhar no seu 4º Relatório de Progresso que se versará sobre os resultados qualitativos e quantitativos de 2023. A par do relatório tem acompanhado de perto os seus membros, por forma a identificar que atividades podem ser desenvolvidas para potenciar a economia circular. Encontram-se igualmente a ser realizadas visitas técnicas aos membros da iniciativa, coma participação dos demais membros, tendo estas como objetivo dar a conhecer as empresas e os seus processos, bem como discutir aspetos técnicos que possam impactar a cadeia de valor, quer a montante, quer a jusante.
Para além da dinamização da campanha de comunicação, do programa educativo e das masterclasses, têm sido dinamizadas duas série de webinars, nomeadamente a série ‘Acelerar 2025’ – que se versa sobre temas mais técnicos relacionados com o plástico, tais como a triagem automática de embalagens, a reciclagem de polímeros específicos, embalagens para contacto alimentar -, bem como a série ‘Boas Práticas Rumo à Circularidade’, que tem como objetivo apresentar em maior detalhe os exemplos de circularidade dos Membros da iniciativa que foram divulgados no 3º Relatório de Progresso. As gravações dos webinars são posteriormente divulgadas para todos no canal de Youtube da Associação Smart Waste Portugal.
O Pacto Português para os Plásticos tem também apostado na divulgação de informação através das suas redes socais, bem como através da participação em diversos eventos sobre o tema. Adicionalmente, os grupos de trabalho da iniciativa encontram-se a decorrer, trabalhando ao longo do ano os seus objetivos específicos. Paralelamente, o Pacto Português para os Plásticos tem estado a dinamizar alguns projetos colaborativos junto dos seus membros, os quais se focam nas metas 2025.

Entrevista publicada na edição 428

Sobre o autorAna Grácio Pinto

Ana Grácio Pinto

Entrevista

Alberto Alapont: “Portugal poderia multiplicar claramente, no mínimo, por 10 a produção atual” de Bimi

Bimi é um produto hortícola da Sakata Vegetables Europe, comercializado sob a marca Bimi Tenderstem Broccolini. Portugal já é o segundo maior produtor na União Europeia desta variedade que resulta do cruzamento natural de duas espécies. Alberto Alapont, Bimi brand manager para Portugal, Espanha e Itália, explica os motivos do investimento em Portugal.

Cultivado principalmente na região do Oeste, Ribatejo e também no Sudoeste Alentejano, este é um dos poucos vegetais com marca registada. Em Portugal, a área de produção de Bimi passou de 10 hectares em 2021 para mais de 100 hectares. A produção continua a crescer e, atualmente, ultrapassa o milhão de quilos por campanha. O produto é, maioritariamente, exportado para o Reino Unido, mas também já chega aos Países Baixos e a França. E o Bimi brand manager para Portugal, Espanha e Itália revela que a empresa está a projetar alargar a produção ao Algarve e a novos produtores.

Alberto Alapont, Bimi brand manager para Portugal, Espanha e Itália

Qual foi o objetivo da Bimi em investir em Portugal?
Havia um produtor que, creio que no ano de 2010, começou a produzir exclusivamente para exportação para a Inglaterra. Mas depois, pensamos que poderíamos desenvolver o produto para Portugal, então começamos a fazer produção local, para o país.
Começamos com dois produtores, Emergosol e Jardim da Lagoa. Produzem connosco desde 2014, para o mercado interno. O volume anual de Portugal, o consumo interno, está próximo de meio milhão de quilos por ano. Em hectares, a produção realiza-se em mais de 100 hectares em Portugal.

Começaram com um produtor, a exportar para o Reino Unido, mas depois decidiram produzir para comercializar cá o produto. O que levou essa decisão?
Pensamos que era o momento certo para introduzir em Portugal uma nova verdura, os Bimis, que tem muita versatilidade, é um produto com um claro valor acrescentado. E achamos que a distribuição, o retalho, em Portugal estava mais preparado em 2014 que em 2010, para aceitar o produto. Apresentamos a marca Bimi às cadeias de supermercados, percebemos que havia interesse e começamos a trabalhar. Está presente em cadeias como Aldi, Lidl, Pingo Doce, Continente, Auchan, Mercadona, Apolónia, El Corte Inglés, Intermarché, makro Portugal e também no MARL.

Há muito investimento em investigação e desenvolvimento por parte da marca?
Sem dúvida. Porque o nosso produto é um produto único. É um cruzamento natural entre dois tipos de (hortaliças) brássicas, um brócolis tradicional e um tipo de couve japonesa que se chama kailan. É um cruzamento natural entre duas variedades da mesma espécie de famílias, crucíferas e brássicas. Depois de muito investimento, o resultado é um produto mais suave, mais tenro, mais doce.

Para além do Reino Unido, as Bimi produzidos em Portugal são exportados para outros países?
Sim, também para a França, mas principalmente para Países Baixos.

Algum novo mercado onde gostariam de colocar o produto Bimi ‘made in Portugal’?
Sim, na Alemanha. A Itália é uma outra possibilidade, mas creio que Alemanha é um destino claramente interessante porque já estamos a introduzir o produto nas principais cadeias de supermercados alemãs.

Com este plano de expansão, como vão resolver em Portugal a questão da quantidade de produção?
Os produtores associados têm possibilidades de crescer, de fazer mais hectares em produção, mas buscamos outros produtores. Se possível, fora da área à volta da região de Lisboa, porque por nós é interessante diversificar o risco, climaticamente falando. Há possibilidades de o fazer, sobretudo, na área do Algarve. Há produtores que estão a fazer pequenas experiências com a variedade Bimi para perceber se é possível produzir. E é possível.

Há alguma previsão sobre quanto poderá crescer?
Eu acho que Portugal poderia multiplicar claramente, no mínimo, por 10 a produção atual. Sem dúvida.
Espanha tem hoje, 1.300 hectares de produção de Bimi. Portugal tem mais de 100 hectares, mas pode crescer, tem essa possibilidade. Há uma limitação que é a área de produção e a mão de obra, porque este é um cultivo que precisa de mão de obra. É um cultivo quase artesanal. Mas a melhor genética da Sakata está focada nesta questão: fazer uma colheita mais agrupada. Se for possível fazer a mesma quantidade de grãos por planta, ou mais, com menor número de colheitas, será melhor para o agricultor. Será mais rentável. Para nós é uma prioridade.
A questão maior deste cultivo é a mão de obra para a colheita. A água é crítica não apenas em relação à necessidade de água. Precisa de água de qualidade, mas não é o ponto crítico. Esse é a mão-de-obra, sem dúvida.

Esta entrevista foi publicado na edição 428

Sobre o autorAna Grácio Pinto

Ana Grácio Pinto

Entrevista

Gonçalo Morais Tristão: “A rede nacional da água é absolutamente necessária”

É necessário existir mais área de regadio em Portugal. Um objetivo possível de alcançar num país onde as bacias hidrográficas têm, no geral, uma baixa capacidade de regularização e retenção. “Isto significa que podemos represar, em novas barragens, alguma água que depois poderá ser utilizada tanto na agricultura, como para outros fins”, explica o presidente da direção do Centro Operativo e de Tecnologia de Regadio ao Hipersuper. “O que falta, é decisão política”, define Gonçalo Morais Tristão.

Gonçalo Morais Tristão é perentório: é “absolutamente necessária“ a existência de uma rede nacional de água. “Um hectare de regadio produz cinco ou seis vezes mais que um hectare em sequeiro. Logo, tendo em conta a necessidade de produção de alimentos para a população mundial que está a aumentar gradualmente, é fácil justificar o objetivo de se conseguir mais área de regadio”, afirma nesta entrevista.

O Centro Operativo e de Tecnologia de Regadio está a celebrar 25 anos. O que veio alterar no panorama da fileira do regadio?
O COTR foi criado em 1999, com o propósito de incentivar a informação científica e técnica das culturas regadas, bem como de promover a investigação científica e tecnológica, a experimentação e a divulgação dos resultados destas ações. Na altura, com o surgimento do Alqueva, foi sentida a necessidade da criação de uma entidade que auxiliasse o setor agrícola na transformação gradual de uma agricultura de sequeiro em agricultura de regadio. Por outro lado, na sua constituição inicial, no que pode ser considerada a chave do sucesso do COTR, houve a preocupação de juntar esforços entre o setor público, o setor privado e o sistema de ensino científico. Esta conjugação de esforços e parceria público-privada, permitiu estabelecer uma boa ligação com os beneficiários finais – os agricultores, que, desde que o COTR foi criado, foram sensibilizados para o uso eficiente da água na rega das diversas culturas e para a manutenção dos seus sistemas de rega.
Além deste tipo de conhecimento transmitido aos agricultores, o COTR investiu também na implantação de uma rede de estações meteorológicas em toda a região do Alentejo. Estas estações passaram a fornecer uma série de dados que passaram a estar à disposição dos agricultores. Este tipo de intervenção do COTR contribuiu, entre outros fatores, para o sucesso inquestionável da agricultura de regadio no Alentejo e no espaço do EFMA – Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva, em particular. E esse sucesso traduz-se num uso mais eficiente da utilização da água na agricultura e num conhecimento maior dos instrumentos postos à disposição dos agricultores.
Desde o ano da criação do COTR até agora, as práticas de rega e também a evolução dos sistemas de rega e a tecnologia, permitiram reduzir a utilização de água na agricultura, passando de cerca de 9.000 m3/ha para um consumo entre os 3.000 e os 4.000 m3/ha. Creio que alguma responsabilidade para esta evolução positiva pode ser atribuída ao COTR. A este propósito, importa lembrar, agora que comemoramos os 25 anos de existência, que o trabalho foi desenvolvido, ao longo dos anos, por um competente corpo técnico, liderados, até certa altura, pelo principal responsável pela criação do COTR, o Engº Isaurindo de Oliveira.

O COTR revela que o regadio é responsável por 60% da produção agrícola e mais de metade das explorações agrícolas depende dele. Mas acrescenta que apenas 16% (620 mil hectares) dos 3,7 milhões de hectares de superfície agrícola utilizável estão equipados para regadio. O que falta para que o regadio cubra uma área exponencialmente maior?
Efetivamente, um hectare de regadio produz cinco ou seis vezes mais que um hectare em sequeiro. Logo, tendo em conta a necessidade de produção de alimentos para a população mundial que está a aumentar gradualmente, é fácil justificar o objetivo de se conseguir mais área de regadio. Também em Portugal isso é não só necessário, como possível. E é possível porque, em geral, as nossas bacias hidrográficas têm uma baixa capacidade de regularização e retenção. Por exemplo, na parte nacional do Tejo apenas retemos 20% das afluências da bacia. E no Douro, apenas 7%. Isto significa que podemos represar, em novas barragens, alguma água que depois poderá ser utilizada tanto na agricultura, como para outros fins. Existe um estudo elaborado pela EDIA que sinaliza, em todo o território continental do país, zonas onde esses regadios se podem desenvolver. O que falta, é decisão política.

O que é preciso para que seja criada uma rede nacional de água?
Em Portugal, a precipitação é distribuída de modo muito diverso: há zonas do país onde a precipitação média é de 1300/1400 mm, enquanto noutras zonas é bastante inferior, rondando os 300 ou 400 mm. Todos sabemos que chove muito mais a Norte do que no Alentejo ou no Algarve. Neste condicionalismo, e cientes das consequências das alterações climáticas que fazem prever a diminuição da precipitação, muito mais acentuada a Sul do que a Norte, creio que o país deve considerar uma estratégia de interligação entre bacias de modo a que a água possa ser transportada de onde ela é mais abundante para onde é mais escassa. Simultaneamente, deve-se também investir na reabilitação e modernização das infraestruturas hidráulicas existentes, procurando torná-las mais eficientes. Mas a rede nacional da água é absolutamente necessária, se pretendemos desenvolver o setor agroalimentar e seguir uma política de segurança alimentar. Com a epidemia do Covid-19 e a guerra na Ucrânia, ficou ainda mais evidente a necessidade de adotarmos este tipo de estratégia.

O que pretende a Agenda de Investigação e Inovação para o Regadio? Que entidades e profissionais reúne?
A elaboração de uma Agenda de Investigação e Inovação para o Regadio é uma das missões do COTR, como Centro de Competências para o Regadio que também é, e resulta de um trabalho de reflexão e discussão com vários parceiros, nomeadamente entidades associativas representativas das várias fileiras do setor agrícola, bem como instituições e organismos do Ministério da Agricultura, da EDIA e outras entidades do sistema científico e academia. A Agenda pretende identificar e sinalizar prioridades e necessidades do setor, de modo a que possa constituir um documento de referência para orientação de políticas públicas. Mas não será um documento fechado. O que se pretende é criar uma certa dinâmica que permita, ao longo dos tempos, verificar o progresso da concretização de algumas ideias e identificar outras prioridades para o futuro.

Que propostas de políticas públicas e de investimento defende a Agenda de Investigação e Inovação para o Regadio?
A Agenda de Investigação e Inovação para o Regadio tem como objetivo promover o desenvolvimento sustentável e competitivo da fileira do regadio, na vertente técnica, experimental, formativa, económica e ambiental, pela via da cooperação institucional com vista ao reforço da investigação, da inovação e da promoção das boas práticas agrícolas e da transferência e divulgação do conhecimento. Esta Agenda pretende constituir uma referência para a orientação de políticas públicas neste domínio e respetivos instrumentos financeiros, nomeadamente aqueles que dependem da gestão dos Ministérios da Agricultura e do Ambiente.
De referir ainda que a Agenda resulta dos contributos de vários parceiros do COTR e stakeholders que integram várias áreas do setor agrícola. A Agenda está estruturada em cinco eixos ou áreas temáticas: disponibilidade e qualidade dos recursos hídricos, inovação e melhoria das infraestruturas de rega, sustentabilidade e rentabilidade do regadio, tecnologias e sistemas de informação de suporte ao regadio, formação, comunicação e divulgação. E em cada eixo, são assinaladas um conjunto de ações que devem ser objeto de políticas públicas, ou mesmo de projetos, uma vez que algumas das ações não dependem dos poderes públicos.
Por exemplo, no que diz respeito à necessidade de intervenção nas infraestruturas hidráulicas, defende-se a promoção de projetos para a modernização de infraestruturas de armazenamento/distribuição de água, de segurança das barragens e para a criação de pequenos regadios particulares, a par da criação de pequenos açudes não permanentes em linhas de água. Noutro domínio, relacionado com o uso eficiente da água na rega das culturas, propõe-se testar e definir estratégias de Rega Deficitária Controlada (RDC) por cultura e a determinação das produtividades médias da água, tendo em conta também outros fatores, como a poda, numa lógica de gestão de risco. Noutra vertente, defende-se a promoção de projetos que dinamizem o estudo de fontes de água alternativas. Estes são apenas alguns exemplos das ações propostas na Agenda.

A gestão ‘política’ da água em Portugal deve ser revista? O que será, para o COTR e os seus associados, um regadio eficiente e sustentável?
Neste momento, existe alguma expectativa para perceber o que dirá o relatório que o grupo de trabalho instituído pelo Governo, no âmbito da estratégia ‘Água que Une’, terá de produzir até ao final do ano. Será de esperar que a questão da governança seja abordada. Neste aspeto, a nossa preocupação é de que o setor agrícola possa ficar mais afastado de participar nessa governança. Sabendo que o setor é o maior utilizador de água, seria estranho que não participasse ativamente na gestão do regadio.
Em termos macro, o regadio é eficiente e sustentável se, acautelados os interesses ambientais que devem ser sempre defendidos, se conseguir distribuir a água nas várias regiões do país, para as zonas previamente identificadas como suscetíveis de beneficiar da utilização da água, sejam elas existentes ou a construir. Em termos culturais, um regadio é eficiente e sustentável se a cultura produzir mais com a mesma dotação de rega ou não diminuir a produção com a redução do volume de água disponível.

De que apoios ao regadio precisam os agricultores, a curto prazo, seja a nível distrital e regional, seja a nível do governo?
Um dos principais apoios que o setor agrícola precisa, seja no contexto do sequeiro ou regadio, é a desburocratização e a simplificação de processos e procedimentos. É muito comum que as queixas dos agricultores ou das empresas agrícolas sejam, de forma recorrente, sobre o tempo que demora a obter, por exemplo, um licenciamento de uma simples charca de apoio à exploração agrícola, ou de um furo. É preciso desburocratizar.
E é também necessária uma mudança de atitude por parte da administração, no sentido de deixar de ter uma postura de desconfiança em relação ao agricultor. Não é aceitável que a administração ponha sempre dificuldades à pretensão do proprietário de uma exploração agrícola, não cuidando de perceber as suas dificuldades para o ajudar a ultrapassá-las. Por outro lado, e no que ao regadio se refere, reputamos de muito importante o desenvolvimento de medidas, financiadas pelos fundos europeus, que possam auxiliar os agricultores a introduzirem nas suas explorações tecnologias e equipamentos que visem o uso eficiente da utilização da água, na senda das que existiram no PDR2020 e da atual medida do uso eficiente da água inscrita no PEPAC.

Por outro lado, que oportunidades se apresentam ao setor do regadio e às entidades que o trabalham? E o que é preciso inovar?
Uma das medidas que a Agenda de Investigação e Inovação para o Regadio identifica é a certificação do regadio sustentável. Este tipo de medida é ao mesmo tempo inovadora e desafiante, tanto para as entidades como para os agricultores. É uma oportunidade que requer alguma imaginação para construir um caderno de especificações, mas que não se deve perder.
Outra oportunidade, e que se trata de uma verdadeira inovação, é a de criar um Observatório do Regadio Nacional, entidade que deve congregar os dados e os projetos do regadio para que possam ser consultados por todos, servindo como suporte às políticas públicas. Este Observatório serviria também para congregar à sua volta entidades públicas e privadas, associações de agricultores e empresas, a academia e a administração local, criando-se assim um fórum de debate das políticas públicas dirigidas ao setor agrícola do regadio ou com impacto neste. O COTR está disponível para ser esse Observatório. Assim o desejem os seus associados.

Esta edição foi publicada na edição 428

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Ana Grácio Pinto

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