Ondina Afonso, Clube de Produtores Continente
Ondina Afonso: “Parceria com a produção nacional é naturalmente win-win”
Em 2022, o Clube de Produtores Continente, considerado um modelo único de parceria entre produção e retalho a nível europeu, comprou 519 milhões de euros em produtos nacionais certificados, mais de 22,6% do que em 2021, que representaram 240 mil toneladas de bens vendidos nas lojas do grupo. Ao Hipersuper, Ondina Afonso, presidente do Clube de Produtores Continente e diretora de qualidade e investigação da MC, garante que “esta parceria com a produção nacional, é, naturalmente, uma parceria win-win”.
Ana Grácio Pinto
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A celebrar 25 anos, o Clube de Produtores Continente é considerado um modelo único de parceria entre produção e retalho a nível europeu. Em 2022, esta plataforma comprou 519 milhões de euros em produtos nacionais certificados, mais de 22,6% do que em 2021, que representaram 240 mil toneladas de bens vendidos nas lojas do grupo. É uma plataforma “de famílias de produtores para as famílias dos clientes Continente”, apresenta Ondina Afonso, presidente do Clube de Produtores Continente e diretora de qualidade e investigação da MC, empresa do universo Sonae para o retalho e distribuição.
Fotografias Frame It
O Clube de Produtores Continente (CPC) tem 340 membros, de diversos perfis. Entre essas, estão organizações de pequenos produtores, maioritariamente na área das frutas e da carne de raças autóctones, e empresas de cariz familiar em áreas como as leguminosas, queijos, enchidos, padaria e pastelaria tradicionais, vinhos, entre outras categorias. Os membros do grupo representam mais de 200 mil hectares de área produtiva dedicada a abastecer as lojas Continente e empregam, direta e indiretamente, mais de 11 mil pessoas.
Que ganhos o CPC trouxe à MC em geral e ao Continente, em particular? E, por outro lado, o que significou para os produtores que o integram?
Esta parceria com a produção nacional, é, naturalmente, uma parceria win-win. Partiu de uma necessidade da MC, há 25 anos atrás, de ter fornecedores nacionais com qualidade e quantidade estáveis. A empresa estava a dar os seus primeiros passos enquanto operação, com o número de lojas a crescer e decidiu-se criar um grupo de técnicos, da nossa estrutura, que fizesse o apoio no terreno, junto dos produtores, no sentido de os orientar para as quantidades e para a tipologia de frutas e legumes que precisávamos para as nossas lojas.
Que garantia foi dada aos produtores, que ainda hoje existe e continua a funcionar muito bem? Foi o chamado contrato-programa, assinado com os produtores antes mesmo de eles semearem e que garante o escoamento de um número ‘x’ de toneladas ao preço acordado. Esse contrato traz aos produtores uma garantia de escoamento. Quando vão semear, plantar, tratar, já sabem quem vai comprar e em que condições.
O que ganhamos nós? Ganhamos frescura, sabor qualidade e garantia dessa qualidade, exatamente porque em Portugal as práticas agrícolas são levadas ao extremo, no bom sentido, com rigor e controle. Temos muitos produtores que são membros há 25 anos e há outros em que já estamos a acompanhar a segunda geração.
Hoje em dia, o primeiro lugar em termos de representatividade e compras é o das frutas e legumes, seguido da carne e dos vinhos.
Tem referido que este é um modelo inovador, a nível europeu, por ser uma parceria e uma partilha. Que projetos dinamizou nestes 25 anos que considere inovadores e à frente do seu tempo?
Há bastantes anos atrás, dinamizamos um projeto junto de produtores de presunto de várias regiões do país. Naquela altura não se vendia de outra maneira que não fosse em grandes peças. Fez-se uma parceria entre vários produtores de presunto do país e um parceiro industrial do Clube, também ele produtor, e que fazia o fatiamento do presunto porque tinha a tecnologia para o fazer sempre do mesmo tamanho e espessura. Nas nossas lojas continuamos a ter o presunto de Trás-os-Montes, do Alentejo, de Lamego, etc, no âmbito dessa parceria.
Também há alguns anos conseguimos recuperar uma variedade de laranjas do Algarve que nos trouxe a possibilidade de estender o tempo de laranjas portuguesas nas prateleiras, porque as laranjeiras dessa variedade têm uma produção mais tardia face ao grande volume. Foi assim possível prolongar a campanha de laranja, recuperando essa variedade.
Outro que nos orgulha muito, até porque o Ministério da Agricultura o reconheceu como projeto estratégico para Portugal, foi a parceria que fizemos com cinco produtores de cereais do Alentejo. Por altura de agosto e setembro, esses produtores reúnem connosco, com a nossa equipa comercial e com a empresa moageira, para decidirem todos quanto vão plantar, quanto vamos comprar, a que preço. Essa parceria garante produção a estes membros do CPC. Tanto que com a questão da guerra Rússia-Ucrânia, deu-nos algum conforto: tínhamos farinha nacional e não sentimos o embate que outros operadores possam ter sentido porque não tivemos problemas de abastecimento.
O CPC resultou no crescimento do volume de produção em alguns produtos?
Sentimos que houve um estímulo em alguns produtores. E, neste momento, estamos a olhar também para a produção de leguminosas, como o grão de bico. Portugal é mais de 90% dependente de mercados externos para consumo de leguminosas, o que é crítico. E foi um desafio que lancei à ministra da Agricultura, o de olharem para a produção nacional de leguminosas e para o estímulo que vão dar a esses produtores.
O que pretende dos produtores do CPC, a Declaração para a Sustentabilidade que estabeleceram em 2021?
A declaração surge quando, em 2019, a Comissão Europeia começa a falar na estratégia europeia ‘Do Prado ao Prato’, com metas muito ambiciosas de redução do uso de pesticidas, fitofármacos, antibióticos – fatores de produção essenciais à garantia de segurança alimentar.
Decidimos então criar a nossa própria declaração, com 11 princípios, que é um acordo com os nossos produtores. Tem princípios alinhados à estratégia ‘Do Prado ao Prato’, à neutralidade carbónica, à biodiversidade e à própria estratégia da Sonae enquanto grupo. No âmbito desses princípios, realizamos já 52 iniciativas – para as frutas e legumes, as carnes, a charcutaria, a padaria, os azeites, o mel, etc. Como o Resíduo Zero, que está mais avançado na certificação Resíduo Zero Pesticidas e já temos nas lojas várias frutas e legumes que ostentam essa certificação.
Nós não estamos a impor aos nossos produtores que têm que ser sustentáveis, dizemos que vamos ser sustentáveis em conjunto. Há uma empresa de consultoria perita nessa certificação que vem ensinar aos nossos produtores as práticas que têm que alterar a nível agrícola. São dois anos de projeto e de investimento da nossa parte, que retira aos nossos produtores as despesas que teriam que suportar. E eles estão a fazer as suas adaptações. Este é o sinal de comprometimento que estamos a dar, no tema da sustentabilidade. Naturalmente, temos interesse, assim como os produtores, em fazer esta transição em conjunto com o cliente principal, que é o Continente.
Dos 78 membros produtores de frutas e legumes, temos cerca de 80% com a certificação Resíduo Zero. E estamos a apontar implementar todas as iniciativas da Declaração para a Sustentabilidade, até final de 2024.
Em 2022 lançaram a Feira do Desperdício. Já é possível fazer um balanço desse projeto?
A Feira do Desperdício vem motivar-nos a desenvolver novos produtos com base em desperdício e a valorizar o que está a montante. Este projeto parte das normas de comercialização que temos que usar no retalho.
O vinagre de maçã é um exemplo concreto. Juntamos as seis organizações de produtores da maçã de Alcobaça e a Paladin, marca produtora de vinagre da Casa Mendes Gonçalves, e criou-se uma parceria para produção de vinagre de maçã a partir de maçãs mais pequenas, fora de calibre, que não têm valor comercial. Pelo meio há ainda um produtor que faz o sumo da maçã, fresco, que é convertido em vinagre. E nós compramos todo o vinagre produzido no âmbito dessa parceria.
A responsável da minha equipa que está a trabalhar este projeto costuma dizer que é uma ‘pirâmide’ e claro que o topo da pirâmide é a valorização do produto num novo produto. Seja a palha, folhas, soro da produção de queijo, matéria orgânica que não sirva para nada. Por exemplo, temos uma parceria com a EDIA (Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva), empresa com expertise da compostagem. No âmbito desse projeto, a EDIA está a ensinar os produtores interessados, a fazerem o seu próprio composto para enriquecerem as suas terras com fertilizantes orgânicos, reduzindo o uso de fertilizantes de síntese.
Os produtores do CPC estão preparados para o quadro legislativo da Estratégia do Prado ao Prato?
Estão a preparar-se, com a Declaração para a Sustentabilidade. A Estratégia do Prado ao Prato tem quatro grandes ambições até 2030: a redução em 50% do uso de fitofármacos, de fertilizantes, de antibióticos e o aumento em área produtiva de produção biológica.
São desafios muito grandes para os produtores, dado o curto espaço de tempo e a conjuntura que estamos a viver. Implica investimento e por isso é que nós, enquanto seus clientes e coprodutores, temos o compromisso de lhes retirar parte desse investimento, naquilo que conseguimos, para que não seja só suportado pelos produtores.
Quais são os grandes desafios do clube, desta parceria e dos seus membros, para o futuro?
Vejo a necessidade de apoios para sermos menos dependentes dos mercados externos, por todos os motivos. Precisamos aumentar áreas de produção das proteínas vegetais. E mesmo na produção animal acho que ainda há espaço para aumentar, porque dependemos muito de outros países para o consumo de carne, apesar de Portugal não ser dos países que mais consomem. Portanto, haver estímulo para aumentar áreas e dar apoios à produção.
Outro desafio é a água. Tivemos agora muita chuva, mas essa água é retida em algumas regiões e noutras não.
E há ainda o tema da digitalização. Enquanto retalhistas, vamos precisar dar garantias de que o que estamos a vender é sustentável, porque a própria legislação nos vai impor. Vamos ter que controlar a montante como essa sustentabilidade é cumprida, mas não podemos estar constantemente a fazer auditorias aos fornecedores. A base vão ser as certificações ou outro tipo de informação digital a que possamos aceder e ao fim do dia ficarmos descansados porque os produtos que estão a ser comercializados, cumprem com o que a lei europeia, transcrita depois para a nacional, irá prever.
Isso implica chamar também os decisores governativos para a equação…
Sem dúvida. O setor privado faz até onde consegue, mas nós temos a nossa linha e os produtores também. Há uma terceira parte nesta tripla hélice, digamos assim, que também tem que cumprir o seu papel de apoio e de estratégia para o país. A parte burocrática é algo de que os nossos produtores se queixam. Por isso, quando digo apoios, podem não ser exclusivamente financeiros. Tem que haver uma estratégia do próprio Ministério da Agricultura que diga onde quer colocar Portugal nos próximos anos em termos da sua capacidade de autoabastecimento.
* Entrevista originalmente publicada na edição 418 do Hipersuper