João Vargas, secretário-geral da Associação Nacional de Empresas de Bebidas Espirituosas
Segundo dados divulgados pelo ICAD – Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências, há um aumento do consumo de álcool em Portugal, sobretudo entre os jovens, e há quem defenda que uma das soluções passa por um aumento dos preços das bebidas alcoólicas ou por um aumento de preços definido em função da quantidade de álcool presente na bebida. Para os defensores desta ideia, este aumento iria dificultar a compra de álcool, essencialmente pelos mais novos.
Tem sido apresentado o exemplo da Escócia, que desde 2018 tem em vigor uma lei (MUP) que fixa um preço mínimo para a venda de bebidas alcoólicas – de 50 pence (0,57 cêntimos) por unidade de álcool (10ml ou 8g de álcool puro). Um artigo publicado no jornal The Brussels Times, promovido pela spiritsEUROPE, que atua como um órgão representativo para produtores de bebidas alcoólicas com membros que incluem 31 associações nacionais de 24 países, além de 11 grandes empresas multinacionais produtoras de bebidas alcoólicas, com o título “MUP – a half-baked policy which has failed to deliver, but will go on regardless”, refere que não há evidências que esta medida tenha trazido benefícios, indo inclusive mais longe: gerou mais problemas entre os grupos com dificuldades financeiras, que, por exemplo, deixaram de comprar comida para conseguirem comprar álcool.
Fomos ouvir João Vargas, secretário-geral da Associação Nacional de Empresas de Bebidas Espirituosas (ANEBE), A ANEBE acredita que não podemos olhar para as políticas de combate ao alcoolismo ou consumo excessivo apenas pelo lado dos preços ou da eliminação de publicidade ao álcool e defende que a aposta deve passar pela prevenção, informação aos consumidores, essencialmente junto dos mais jovens, e que o ideal é existir um equilíbrio entre as medidas de saúde pública e as políticas de proteção social, de forma a garantir o bem-estar de todos os cidadãos.
Tendo em conta a experiência da Escócia e o recente artigo publicado, qual é a posição e como olha a ANEBE para uma possível aplicabilidade desta medida em Portugal?
O relatório agora conhecido sobre a implementação do preço mínimo por unidade de álcool (MUP) na Escócia apresenta várias falhas, tendo já sido reconhecido que a medida, para além de não ter resultado numa diminuição da proporção de adultos dependentes do álcool, trouxe ainda problemas acrescidos, nomeadamente um impacto negativo nos grupos mais vulneráveis.
Temos muitas reservas quanto à sua eficácia e quanto à sua eventual aplicabilidade em Portugal ou noutro país. O que nós defendemos e aplicamos através dos nossos programas de responsabilidade social, é a aposta na prevenção, na informação aos consumidores, essencialmente junto dos mais jovens. É errado e inútil combater o consumo excessivo ou o alcoolismo apenas pelo aumento dos preços. E isso tem sido demonstrado através dos aumentos sucessivos dos impostos sobre o álcool em Portugal, sobretudo na categoria das bebidas espirituosas.
A MUP parece ter um efeito negativo em consumidores com menor capacidade financeira, levando-os a sacrificar outras necessidades básicas como alimentação. Como vê a ANEBE o equilíbrio entre as políticas de preço e a proteção dos grupos mais vulneráveis?
A informação conhecida diz-nos que, muitas vezes, e infelizmente, é isso mesmo que sucede. Entendemos que é fundamental perceber se medidas como a MUP resultem em sacrifícios das necessidades básicas das pessoas e avaliar a viabilidade real dessas medidas, até porque, como hoje já é possível perceber, o fator preço não deve ser a única dimensão de combate ao consumo abusivo do álcool. O ideal é existir um equilíbrio entre as medidas de saúde pública e as políticas de proteção social, de forma a garantir o bem-estar de todos os cidadãos, sem esquecer as imprescindíveis políticas de informação, prevenção e sensibilização dos consumidores. Num país como Portugal, onde apenas é investido 1% do Orçamento do Ministério da Saúde em prevenção das doenças ou de adições, as autoridades de saúde apenas tocam na tecla dos preços. E, como já referi, no nosso caso tem sido contraproducente, porque existe uma distinção entre categorias de álcool, quando na verdade uma grama de álcool é uma grama de álcool, sem distinção entre tipos de bebidas, ou seja, existem categorias de álcool muito acessíveis em termos de preços. Para nós é claro que, em conjunto, temos de fazer muito mais na política de prevenção e conhecimento dos efeitos do consumo nocivo e abusivo do álcool.
A ANEBE menciona a necessidade de focar mais na prevenção e na informação ao consumidor. Que tipo de iniciativas ou programas consideram mais eficazes?
A prevenção e a informação ao consumidor são pilares fundamentais para promover um consumo responsável de bebidas alcoólicas, sendo essencial a manutenção de um diálogo aberto entre o Governo, a indústria, especialistas em saúde pública e representantes da sociedade civil, para encontrar soluções eficazes. O consumo excessivo é uma das maiores preocupações e prioridades de ação de toda a indústria das bebidas espirituosas a nível europeu e da ANEBE em Portugal, que promove iniciativas que educam os consumidores sobre os riscos do consumo excessivo de álcool e promovem escolhas saudáveis. Nesse sentido, criou e desenvolve, com vários parceiros da sociedade civil, diversos programas de prevenção e sensibilização, como o “Beba com Cabeça”, que apela ao consumo moderado dos jovens, sobretudo através de campanhas em festivais de música, festas e encontros académicos, festas Erasmus, etc.. Como é o caso também do programa “Menores nem uma Gota”, que forma e apoia docentes e técnicos em escolas ou associações de intervenção em comunidades locais com novos recursos de promoção do consumo responsável do álcool em menores de idade. Ou do “100% Cool”, um programa de responsabilidade social corporativa, criado há 22 anos, com o objetivo de fazer um combate mais efetivo à sinistralidade rodoviária ligada ao álcool.
“Tenho de deixar uma palavra de preocupação face à crescente loucura sobre o aumento dos impostos sobre o álcool”
O boom do turismo e a maior diversificação de marcas impulsionou o crescimento do mercado das bebidas espirituosas mas a ANEBE tem vindo a demonstrar o seu descontentamento com o aumento dos impostos sobre o álcool que, como João Vargas sublinha, resultou na diminuição de 18,4% da receita fiscal na categoria. A ANEBE considera fundamental a definição de uma taxa que não retire competitividade às empresas portuguesas de bebidas espirituosas e defende o congelamento do imposto.
Quais as principais tendências no consumo de bebidas espirituosas em Portugal nos últimos anos?
O mercado das bebidas espirituosas tem tido altos e baixos nos últimos 15 anos. Iniciámos a década de 2010 com uma descida das vendas e, consequentemente, dos consumos. Obviamente, o boom do turismo e a maior diversificação de marcas, quer portuguesas, quer estrangeiras, impulsionou o crescimento do nosso mercado. Os milhões de turistas que visitam Portugal têm mexido significativamente no dinamismo da nossa indústria. Porém, importa salientar que este impacto do turismo e das vendas não indica necessariamente maiores consumos abusivos dos portugueses. Pelo contrário, os estudos de algumas entidades de saúde são bastante omissos sobre o impacto do turismo nos consumos (que dobra o número de pessoas a consumir no país).
Um outro aspeto relevante está relacionado com o efeito dos produtos premium no mercado. Há maior sofisticação e oferta premium das nossas marcas, mesmo as portuguesas, uma vez que as empresas têm apostado nos últimos anos em melhores produtos, portanto, mais caros, do que em grande volume. O mercado premium em Portugal está a florescer. Por outro lado, o número de operadores com oferta de cocktails e bebidas com maior valor acrescentado e menor teor alcoólico tem sido uma tendência consolidada, assim como bartenders e profissionais de bar que têm crescido e com maior qualidade, graças às nossas escolas de turismo. Ainda, para finalizar, a introdução de novos produtos no mercado, como os RTD’s (Ready To Drink), bebidas com baixo teor alcoólico e onde um cocktail chega a casa de qualquer consumidor já feito, e os produtos “No-Low” Alcohol, produtos sem álcool ou com baixo teor de álcool.
Como olha para o futuro?
Sobre o futuro, tenho de deixar uma palavra de preocupação face à crescente loucura sobre o aumento dos impostos sobre o álcool. Estamos a falar de valores altíssimos, se compararmos com outros países da União Europeia. O IABA – Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas – só entre 2023 e 2024 aumentou 15%. Consideramos que este aumento não tem qualquer justificação, tendo inclusive resultado na diminuição de 18,4% da receita fiscal na categoria de bebidas espirituosas e de 25,4% nas introduções ao consumo deste tipo de bebidas no primeiro trimestre deste ano quando comparado com o mesmo período do ano passado, o que pode sinalizar uma tendência preocupante. Estes números demonstram que ninguém tem a ganhar com a subida do imposto, porque esse aumento reflete-se numa subida de preços, que por sua vez anula a capacidade de investimento das empresas, e isso vai ter impactos nas vendas e no consumo, o que se vai refletir numa quebra da receita fiscal.
Perante este cenário, que ameaça a sustentabilidade das empresas, retirando-lhes competitividade, o que prevemos é que a quebra de vendas seja ainda maior este ano, acompanhada de uma diminuição nas introduções ao consumo.
A ANEBE considera fundamental a definição de uma taxa que não retire competitividade às empresas portuguesas de bebidas espirituosas, e defende o congelamento do imposto. Para além de uma imprescindível política de informação, prevenção e sensibilização dos consumidores, que combata eficazmente o consumo excessivo. Temos dinamismo, temos empresas a apostar em Portugal e empresas portuguesas com atividade, precisamos que não nos cortem mais as pernas para podermos florescer, apostar mais em inovação e internacionalização e apoiar o setor do turismo, que é o motor da nossa economia.
Entrevista publicada na edição 423 do Hipersuper