Na Vidigueira conta-se a história milenar da produção de vinho dentro de um copo
De vinhas centenárias que resultam de um método de produção ancestral, introduzido pelos romanos há cerca de dois mil anos no Alentejo, saem as uvas que dão origem ao vinho da talha da Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito
Rita Gonçalves
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De vinhas centenárias que resultam de um método de produção ancestral, introduzido pelos romanos há cerca de dois mil anos no Alentejo, saem as uvas que dão origem ao vinho da talha da Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito
A Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito identificou 25 parcelas de vinhas centenárias em Vila Alva, no município de Cuba, que produzem uvas de castas brancas (e algumas tintas, poucas) tradicionais do Alentejo, algumas delas em vias de extinção. Destes cachos que nascem a partir de um método de produção ancestral, introduzido pelos romanos há cerca de dois mil anos na região, saem as uvas que dão origem ao vinho da talha, assim chamado porque é fermentado em grandes talhas de barro com capacidade para cerca de 700 litros.
“Identificámos uma reserva interessante de vinhas centenárias para a produção de vinho de talha. Cerca de 25 parcelas de vinhas centenárias que totalizam menos de dez hectares de vinha”, começa por dizer José Miguel Almeida, presidente do conselho de administração da adega cooperativa, acrescentando que este projeto, financiado pelo Portugal 2020, teve início em 2021 e terminou em 2023 com a apresentação de um site e a colocação de sinalética e de um QR Code nas vinhas, que dá acesso a mais informação sobre estas vinhas velhas.
“Estas uvas brancas colhidas manualmente dão origem a vinhos genuínos, intensos e únicos”, salienta o enólogo da adega, Vasco Moura Fernandes.
As povoações de Vila Alva e de Vila de Frades estão inseridas numa área de pequenas propriedades historicamente preenchidas de vinha em harmonia com montado, olival, entre outras culturas arbóreas. “Os estudos que fizemos no âmbito deste projeto revelam que esta área estava afeta à cultura da vinha”. Era conhecida como “depressão das vinhas” porque se encontra numa zona baixa ladeada a norte pela escarpa da falha da Vidigueira e a sul pela serra.
“Esta zona foi historicamente afeta à cultura da vinha, mas não como a conhecemos hoje, com bardas, paus, arames e sistemas de suporte”, frisa o CEO. “Estamos a falar de uma cultura sem qualquer sistema de suporte. São plantas prostradas, por vezes apoiadas em paus ou canas, coassociadas a oliveiras, figueiras, amendoeiras, entre outras culturas arbóreas” que garantiam o sustento das famílias que geriam estes minifúndios. “Muitas famílias, com apenas um hectare, viviam só da terra”, sublinha.
As vinhas estão plantadas de forma desorganizada e dispersa, sem padrão. São seis as principais castas brancas identificadas: Antão Vaz, Manteúdo, Diagalves, Larião, Perrum e Roupeiro, hoje apelidada de Syrah. “São as que referenciamos nos rótulos das garrafas”, explica o presidente, ressalvando que há mais castas, algumas das quais não foi possível identificar.
O solo que guarda estas vinhas tem origem granítica. É pobre em teor de matéria orgânica. “Antigamente, estas vinhas eram mobilizadas com os animais de tração. Hoje, é feito um corte das infestantes e não há mobilização, o que permitiu nos últimos anos acumular alguma matéria orgânica”. Por outro lado, são vinhas em regime de sequeiro, ou seja, não têm rega. “Têm zero irrigação, só são regadas mesmo quando chove”, garante.
As castas predominantes nesta área sempre foram as brancas, mas todas as vinhas tinham meia dúzia de pés de tinto que davam cor ao vinho. “Antigamente, ninguém consumia vinho branco. Apesar de lhe chamarem vinho branco, este tinha sempre alguma cor”.
“As castas mais tradicionais, com a Perrum e Diagalves, não proliferaram nesta região por motivos ligados quer à aptidão enológica quer ao surgimento de castas de outros pontos do globo e à preferência do consumidor. Não são castas extremamente aromáticas. Estas castas muito tradicionais vão ficando reduzidas a vinhos tradicionais”, salienta o presidente, ressalvando que hoje, mais do que nunca, é preciso olhar para estas castas com “muita atenção”. “Estamos a sofrer os efeitos das alterações climáticas e temos aqui vinhas com 100 anos sem rega e sistemas de suporte e com os cachos a sobreviverem. E temos vinhas modernas com os cachos totalmente secos com o escaldão. Nestes solos que são arenosos e pobres, o sistema radicular está muito profundo e é isso que as faz resistir. Estes solos derivados de granito em profundidade são extremamente húmidos”.
No total, são 11 os proprietários que entregam uva branca à adega, em datas definidas, proveniente destas vinhas centenárias para o vinho da talha classificado como DOC Alentejano branco. “Na vindima deste ano, enchemos nove talhas, cada uma delas deve dar 700 litro de vinho”, calcula o CEO.
Depois de colocado na talha, o mosto permanece nestes grandes potes de barro até ao final do ano. Durante o período de fermentação é mexido duas vezes por dia. Terminada a fase “mais tumultuosa” da fermentação passa a ser mexido apenas uma vez por dia. A partir de outubro, é mexido apenas à superfície da talha para que as massas se concentrem no fundo da talha.
“No final do ano, o enólogo retira o vinho das talhas e faz o lote de vinho para engarrafar que este ano queremos que chegue ao mercado no primeiro trimestre”.
Produzir através deste método de produção ancestral não é sustentável. Estes produtores tiram menos rendimento das vinhas do que os que utilizam técnicas modernas de produção. “É muito difícil manter este projeto com viabilidade económica com produtividades tão baixinhas. É mesmo extremamente complicado”, constata José Miguel Almeida, salientado que a adega está a atuar em duas frentes para resolver este problema de sustentabilidade. “Estamos, por um lado, a pagar melhor a estes produtores. Este ano, deveremos alcançar o dobro do preço das uvas, em relação às tradicionais, mas ainda assim é inviável. O que vamos tentar fazer é obter apoio classificando estas vinhas como património histórico”.
A adega está a pagar em média 0,46 euros por cada quilo de uva recebida. “Na próxima campanha vamos pagar 0, 82 euros pelas uvas centenárias. Aproximamo-nos do dobro”, estima o presidente. A adega comercializa cada garrafa deste vinho a 12 euros.
Todos os anos, os vinhos da talha esgotam no mercado nacional. “Estamos a falar de cerca de três a cinco mil garrafas por ano”, mas a venda é feita no canal horeca. “Este vinho chegou a ganhar um prémio nacional do Intermarché mas o comportamento nas grande superfícies foi fraco. O potencial deste vinho está na ligação ao enoturismo”, sublinha o presidente.
A Adega de Vidigueira, Cuba e Alvito é o maior produtor da região Baixo Alentejo, com uma produção média de sete milhões de litros de vinho por ano, resultado da exploração de 1370 hectares de vinha dos seus 267 cooperadores.
A adega foi fundada em 1960 para proteger a vinha, o vinho e o estilo de vida milenar desta sub-região alentejana. As suas raízes entrelaçam-se com a história da própria vila, e com Vasco da Gama – o Conde de Vidigueira, a quem D. Jaime, Duque de Bragança, cedeu a vila em 1519.
No património vitícola da adega persistem castas autóctones, aperfeiçoadas de geração em geração, entre as quais sobressai a Antão Vaz, a casta estrela da Vidigueira e a “musa inspiradora” da adega.
No total, utiliza 32 castas para elaborar 66 referências de vinho, algumas das quais são vendidas nas grandes superfícies como marcas próprias.
*Artigo originalmente publicado na edição 416