Espumante português quer papel principal às refeições
Espumantes de melhor qualidade estão a elevar a crítica internacional e a despertar o interesse dos consumidores. Produtores trabalham para aumentar momentos de consumo, associando a bebida à gastronomia portuguesa
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Bairrada, 1890. A história do espumante português começa há 133 anos pela mão de José Tavares da Silva, na Escola Prática de Viticultura e Pomologia da Bairrada, hoje designada Estação Vitivinícola da Bairrada. O engenheiro agrónomo aplicou o método tradicional de produção de champanhe (champanhês) naquela que é considerada a primeira experiência de produção de espumante em Portugal.
Depois da Bairrada, atualmente a maior região produtora de espumante em Portugal, responsável por mais de metade da totalidade dos espumantes produzidos no nosso país, a produção deste tipo de vinho estendeu-se às regiões de Távora Varosa, Setúbal, Dão, Douro, Alentejo, Minho e Lisboa, entre outras.
O consumo de espumantes a nível global está a aumentar e, segundo com estimativas fornecidas ao Hipersuper por José Fernandes Pereira, presidente da direção da Comissão Vitivinícola Regional (CVR) de Távora-Varosa, irá crescer a um ritmo anual de 3% nos próximos dez anos. Portugal não é exceção. “Para Portugal, a nossa estimativa de crescimento aponta um crescimento anual de pelo menos 5%”, avança José Fernandes Pereira, salientando que os “consumidores, nacionais e estrangeiros, em especial os turistas, estão cada vez mais curiosos em conhecer a história deste produto e do seu método de produção”.
O consumo de espumantes e vinhos espumosos representa cerca de 6% do consumo nacional de vinho. E, dentro deste, o espumante com Denominação de Origem (DO) representa 36%. O potencial de crescimento é enorme.
De forma a tirar partido deste potencial, “nos últimos 10 a 15 anos, cada vez mais produtores, por todo o país, diversificaram o portefólio de produtos, avançando com a produção de espumante de modo a dar resposta a uma procura crescente”, constata o presidente da CVR de Távora-Varosa.
Apesar de ser ainda uma bebida muito associada a festividades e celebrações, o espumante português tem vindo a fazer um caminho de aproximação à gastronomia, com o objetivo de ganhar um papel de protagonismo nas refeições. É preciso, no entanto, combater a falta de conhecimento sobre o espumante, a sua história e produção, assim como os mitos que associam o consumo da bebida a festas e celebrações, defende José Fernandes Pereira. “O espumante deve ser considerado um complemento gastronómico, que se pode consumir a qualquer hora do dia, acompanhando, no fundo, todos os momentos da nossa vida, tal como acontece lá fora. Em muitos países, o seu consumo é generalizado. Não precisam de um motivo especial para o consumir”.
Em conjunto com os produtores, a CVR tem levado a cabo um conjunto de ações promocionais junto das escolas de hotelaria e dos operadores da restauração “para os ajudar a melhor entender o espumante na sua componente gastronómica. O espumante pode acompanhar qualquer prato, sem exceção”, reitera.
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Távora-Varosa. Todos os espumantes têm Denominação de Origem
No ano passado, a região de Távora-Varosa colocou no mercado 20.960 hectolitros de vinho certificado, um crescimento de 38,1%. “Foi a região que mais cresceu em volume certificado com Denominação de Origem (DO)”, assegura José Fernandes Pereira, indicando que a evolução “representa bem a estratégia definida pelos agentes económicos na afirmação da excelência dos espumantes de Távora Varosa”.
Em valor, as vendas alcançaram cerca de 20 milhões de euros. “Daquilo que sabemos, a região de Távora-Varosa é a única no país onde todo o espumante é certificado com DO. Não certificamos espumante com Indicação Geográfica (IG)”, diz o presidente da CVR.
A tendência é para continuar a aumentar a produção na região, perspetiva o responsável, uma vez que a área de vinha está a aumentar. Atualmente, a região tem 2.270 hectares de vinha. “Tivemos três inscrições por parte de agentes económicos e a estes juntam-se mais dois que só produziam vinho com DO e este ano vão lançar um espumante”, conta.
Os grandes atributos dos espumantes do Távora-Varosa estão associados ao seu terroir, aos solos graníticos a elevada altitude onde se encontram as vinhas, ao clima de extremos no inverno e no verão e à capacidade de adaptação das castas. “Todas estas condições conferem aos nossos espumantes uma elevada acidez, uma frescura única, um perfil mineral e uma grande capacidade de envelhecimento. A tudo isto há que juntar um saber fazer que vem desde os tempos dos monges de Cister”, lembra José Fernandes Pereira.
“Como região reconhecida pelos espumantes de grande qualidade, há uma tendência crescente de procura, que é reforçada pelo aumento de turistas que visitam e permanecem na região e pelo próprio desenvolvimento do enoturismo. Estes são fatores que induzem a um aumento da procura direta, mas também da indireta, pelo efeito reputação coletiva e da transmissão pessoal da mensagem”.
A maioria da produção fica no mercado interno. A exportação é residual. No curto prazo, a estratégia de comunicação tem estado centrada no mercado interno, no entanto, a CVR tem programadas ações no exterior, em especial, junto das comunidades portuguesas com maior dimensão em países como a Suíça, o Luxemburgo, os Estados Unidos e o Brasil, entre outros. “No longo prazo, de modo evolutivo e em concertação com os agentes económicos, está definida uma estratégia de internacionalização centrada em nichos de mercado e muito centrada no conceito de terroir e das visitas invertidas de influenciadores, distribuidores e mesmo de consumidores”, termina o responsável.
Certificação de espumante no Dão cresce 16%
“O espumante português está em alta e tem ganhado destaque recentemente”, confirma Pedro Mendonça, diretor executivo da Comissão Vitivinícola do Dão. “O país tem investido na produção de espumantes de alta qualidade, conquistando reconhecimento e despertado o interesse de consumidores e especialistas em vinhos ao redor do mundo”. O reconhecimento internacional que chega dos prémios e pontuações positivas atribuídas a espumantes portugueses por críticos e especialistas em vinhos contribui também para este aumento de procura, salienta.
Este aumento do interesse por espumantes está também relacionado com uma mudança nos hábitos de consumo e no perfil dos consumidores e a crescente qualidade da oferta, a par de preços mais acessíveis, considera Pedro Mendonça. “O espumante já não está associado apenas a celebrações, mas também a momentos mais informais, acompanhando uma qualquer refeição ou uma tarde na esplanada”, sublinha.
Em 2022, Portugal certificou 59 mil hectolitros de espumante, um crescimento de 20% face a 2021. Destes, o Dão representa 1.285, cerca de 2,2%, subindo 16,4% em relação ao ano anterior.
No concurso de Vinhos de Portugal, organizado pela ViniPortugal, há três anos consecutivos que o melhor espumante do ano é produzido no Dão. Produzidos a partir de castas autóctones da região, como Encruzado, Bical, Cerceal, Malvasia Fina e Baga, os espumantes demostram um “excelente equilíbrio entre acidez, frescura e mineralidade, além de complexidade aromática. Tem, além disso, o potencial de envelhecimento que o terroir único da região providencia”, descreve Pedro Mendonça.
No ano passado, as exportações da região demarcada do Dão registaram 24,5 milhões, o que representa um crescimento de 24% face a 2021. Canadá, Alemanha, Estados Unidos, Bélgica, Brasil, Suíça, Espanha, Reino Unido e Suécia, são os principais mercados. A região está a reforçar a aposta em quatro geografias: Brasil, Estados Unidos, Suíça e Japão.
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2022: O melhor ano para os espumantes de Lisboa
A Região Demarcada dos Vinhos de Lisboa conta atualmente 14 produtores com espumantes no mercado. Com uma produção total que ronda atualmente as 150 mil garrafas, 2022 foi o melhor ano de sempre para os espumantes, com um crescimento acima dos 100%, em consonância com o crescimento das vendas dos vinhos de Lisboa no canal horeca, conta Francisco Toscano Rico, presidente da CVR Lisboa.
“Estes números mostram que existe um procura crescente por parte da restauração nacional e garrafeiras especializadas, havendo um grande potencial de crescimento neste segmento de mercado, sendo que as vendas de espumantes para os mercados externos seguem em linha com a vocação exportadora da região”.
Apesar de os espumantes representarem apenas uma pequena fração das vendas e das exportações face ao global da região de Lisboa (vendas de 66 milhões de garrafas por ano, exportando 80% para mais de 100 países), são “um nicho de mercado que começa a ganhar tração, com o surgimento de mais produtores e de mais referencias no mercado”.
O perfil dos vinhos espumantes de Lisboa está intimamente ligado aos diferentes terroirs donde provêm as uvas, “todos eles marcados pela forte influência atlântica que confere frescura, mineralidade e vocação gastronómica aos vinhos e aos espumantes”.
Para Francisco Toscano Rico, quando falamos de espumantes de Lisboa temos obrigatoriamente de destacar a casta Arinto, casta rainha da Região de Lisboa, tendo o seu solar de origem em Bucelas. “É aqui que esta casta exprime todo o seu potencial qualitativo, ganhando complexidade e um grande potencial de envelhecimento, almejando uma enorme reputação que vai muito além das fronteiras de Portugal”.
Espumantes do Alentejo: Categoria de nicho em crescimento
O espumante é ainda uma categoria de números pequenos na região demarcada do Alentejo, representando 0,1% dos vinhos da região que vão anualmente para o mercado com certificação e selo de garantia Denominação de Origem Controlada (DOC) e IG, diz Francisco Mateus, presidente de direção da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA), em declarações ao Hipersuper.
A produção de espumante na região foi reconhecida em 2003, para as zonas vitícolas de produção de DOC Alentejo (Portalegre, Borba, Redondo, Évora, Reguengos, Vidigueira, Granja-Amareleja e Moura) e, em 2010, para as restantes áreas, incluídas na IG.
Nos primeiros anos, a média da produção foi de cerca de 25 mil litros por ano, tendo aumentado gradualmente. Nos últimos cinco anos a média foi de 170 mil litros e, na vindima de 2022, superou 200 mil litros, conta Francisco Mateus.
“Apesar da evolução que tem tido, ainda é uma categoria de nicho no Alentejo, mas com apostas para crescer”, afirma o presidente da CVRA.
A tendência é de crescimento em quantidade, com um maior número de produtores – nos últimos dez anos passaram de seis para 14 – e de investimento em conhecimento e tecnologia.
“Os produtores do Alentejo têm investido em tecnologia moderna e adquirido conhecimento especializado para a produção de espumantes, incluindo equipamentos modernos para a vinificação, como prensas pneumáticas para uma extração mais suave dos mostos, tanques de fermentação controlada, controlo rigoroso de temperaturas de vinificação e adegas com condições ideais para o envelhecimento”.
As castas mais adequadas à sua produção são Antão Vaz, Arinto, Alvarinho, para espumante branco, e Aragonês e Touriga Nacional para os rosés, entre outras.
“Esta evolução positiva da produção de espumantes no Alentejo é um sinal que a região leva a sério o investimento na produção de espumantes de alta qualidade”, sinaliza Francisco Mateus.
Os espumantes oriundos do Alentejo têm “aspeto visual límpido e cor amarelo-palha brilhante que pode evoluir para dourado conforme a sua idade. De forma geral, apresentam uma bolha fina e persistente”, define o responsável.
Quando jovens, apresentam aromas frescos, que se traduzem em notas frutadas de maçã verde, pera, frutos cítricos e tropicais e, eventualmente, aromas florais. Com a idade, tornam-se mais complexos, com aromas de pão torrado, brioche e frutos secos. Devido ao processo de fermentação, do tempo de maturação em contacto com as leveduras e do envelhecimento em garrafa, ou seja, do tempo de estágio, os espumantes do Alentejo também podem ter a aromas de tosta, biscoito e frutos secos, descreve o responsável.
“Na boca, costumam ser frescos com acidez equilibrada e textura suave, ou podem ser levemente cremosos. Destacam-se, tal como nos aromas, as notas de frutas frescas e notas florais. Com um final de boca longo e persistente, deixam uma sensação de frescura e vivacidade pela sua acidez”, descreve.
Além fronteiras, Brasil, Angola e Suíça têm sido os principais destinos dos espumantes do Alentejo, beneficiando do posicionamento crescente que a região atingiu nestes mercados. “Sendo o espumante uma categoria de pequena dimensão na oferta da região, julgamos acertado manter o foco em mercados que já valorizam a origem Alentejo e buscar gradualmente reconhecimento dentro do mercado nacional beneficiando do crescimento do turismo”, finaliza.
*Artigo originalmente publicado na edição 414