Espumante em estágio em garrafa na região de Távora-Varosa
Os argumentos do espumante português para competir fora das fronteiras
O espumante português deve posicionar-se como uma commoditie nos mercados internacionais? O Hipersuper levantou o debate junto de produtores e responsáveis de comissões vitivinícolas regionais. A opinião diverge
Rita Gonçalves
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O espumante português deve posicionar-se como uma commoditie nos mercados internacionais? O Hipersuper levantou o debate junto de produtores e responsáveis de comissões vitivinícolas regionais. A opinião diverge
O consumo de espumante está na moda, em especial o de denominação de origem champagne, mas também o espumante português, o cava espanhol e o prosecco italiano. O aumento da procura materializa-se em mais vendas, mas também na valorização dos próprios produtos, explica Luís Cerdeira, enólogo e gestor da Soalheiro, em entrevista ao Hipersuper. “Este não é um fenómeno exclusivamente português, é algo que sentimos também no mercado internacional”, adianta o gestor.
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Regra geral, associamos um produto que está na moda a um fenómeno passageiro. No entanto, as estimativas indicam em direção contrária. “Estimativas internacionais apontam que o consumo global de vinho irá estabilizar, ainda que com variações geográficas, com decréscimo nomeadamente nos países tradicionalmente consumidores e o surgimento de novos mercados”, indica José Fernandes Pereira, presidente da Comissão Vitivinícola Regional (CVR) de Távora-Varosa, para sublinhar que, no caso do espumante, as perspetivas são de crescimento para todas as regiões do planeta, incluindo Portugal.
Concretamente no mercado português, o aumento da procura está relacionado com o incremento da qualidade da oferta de espumantes um pouco por todas as regiões do país, mas também pelo maior interesse dos mercados internacionais.
Na opinião de Alexandre Silva, enólogo da Família Cardoso, que tem a Herdade da Lisboa, no Alentejo, e a Quinta do Reguengo, no Douro, as mudanças no momento do consumo de espumante estão entre as principais tendências deste mercado. “Com um consumidor cada vez mais interessado e informado, o espumante progressivamente deixa de estar associado apenas a momentos informais ou festivos para passar a ser visto como uma bebida do dia-a-dia, também desfrutada à mesa”, explica, acrescentando que o resultado é um aumento da procura por espumantes de maior versatilidade gastronómica, beneficiando na maioria dos casos, espumantes com um menor nível de doçura.
O responsável acredita que a sazonalidade associada ao consumo desta bebida vai “ajustar o consumo para um nível mais constante, à medida que o mercado português oferece cada vez mais espumantes de alta qualidade a preços acessíveis e com uma versatilidade de consumo que vai além das ocasiões festivas”.
Francisco Mateus, presidente de direção da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA), também coloca a tónica na versatilidade da bebida. Integrados numa categoria com uma “dinâmica muito interessante a nível global”, os espumantes são “conotados com sofisticação e luxo”, surgindo no mercado também em versões “alternativas baseadas em fruta, maior ou menor quantidade de açúcar, normalmente com baixo teor alcoólico, revelando-se muito versáteis e apelativos para os consumidores”.
Francisco Mateus partilha alguns números para melhor dar ideia da dimensão do aumento da procura. Nos últimos cinco anos, as vendas de espumante no mercado nacional cresceram cerca de 30% e as exportações mundiais subiram 40%.
Na opinião de Pedro Cavaleiro, diretor geral da Picowines (a cooperativa vitivinícola da Ilha do Pico que lançou no início deste ano o primeiro espumante certificado dos Açores), o espumante português é “muito bom a representar a sua casta e região”, facilitando a
tarefa dos enólogos “que conseguem fazer trabalhos extraordinários”. O próximo passo, acredita o gestor, será aumentar o espaço dos espumantes nas cartas de vinho dos restaurantes, abrindo espaço para o “consumo num ambiente diferente e muito criterioso”.
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Argumentos para competir lá fora
Alberto Henriques, diretor geral da Caves da Montanha, um dos principais produtores de espumante em Portugal, sediado na Bairrada, estima que a produção de espumantes em Portugal, segundo o método tradicional, represente entre 10 e 12 milhões de garrafas.
Os números da produção nacional de espumante não podem ser comparados com os valores de França, Itália e Espanha. Ora vejamos. Segundo dados fornecidos ao Hipersuper pela CVRA, o Cava Denominação de Origem Controlada (DOC) vale cerca de 400 milhões de euros na exportação de Espanha e o Prosecco DOC mais de 1.500 milhões na exportação de Itália.
Colocando, então, de lado a questão da escala, quais são os argumentos do espumante português para competir em mercados internacionais tão competitivos? Desde logo, há que ter em conta o posicionamento, aconselha Luís Cerdeira. “Não devemos olhar para um determinado mercado, sem nos colocarmos dentro desse mercado e nos posicionarmos. E esse é um grande dilema”, desabafa. “Para competirmos com os proseccos e com os cavas vamos posicionar-nos num determinado valor, num patamar de preço, e já sabemos que o melhor preço nunca é o nosso, vai haver sempre alguém que irá oferecer um preço mais baixo”. Então, “é preferível usarmos o posicionamento do espumante português mais como um espumante de castas do nosso país e tirar do argumento a competição com os espumantes de entrada de gama que são feitos até de uma forma diferente. Por exemplo, o prosecco é feito em
cuba e tem por isso custos de produção muito inferiores”, exemplifica.
O gestor afiança que a estratégia deverá sempre passar segmentação. “Não podemos ter só um espumante em Portugal. Temos de segmentar. Se há produtores que têm volume para competir com técnicas semelhantes ao prosecco e com preços semelhantes ao cava, então, que o façam, porque vão competir com preço e, se calhar, em termos de qualidade até conseguem fazer melhor. Mas, é um risco muito grande”, alerta.
Menos som da rolha a saltar e mais gastronomia
“O posicionamento que considero estratégico para os espumantes portugueses é claramente um espumante junto à gastronomia, que nivela por um patamar de qualidade entre essas duas famílias de produtos [cava e prosecco] e um espumante de champagne. O que falta? O espumante português ainda vive do som da rolha que solta e imediatamente antes canta-se o ‘parabéns a você’. Essa é a grande luta. O espumante tem de viver menos do som e mais do prato”, defende o enólogo da Soalheiro.
Luís Cerdeira aproveita para lançar um desafio. “Nas cartas de vinhos de restaurante, regra geral, “os espumantes até têm um preço bastante apetecível. Bebam espumante à refeição. Claro que não vamos conseguir beber espumante a todas as refeições porque não é a nossa cultura, mas o espumante tem de deixar o som e aproximar-se do aroma e do sabor”.
Faz sentido ter uma marca coletiva de espumante que represente o país? À pergunta, Luís Cerdeira torce o nariz. “Há uma palavra que fujo sempre e detesto que é commodities. Trabalhar com commodities é trabalhar com um preço. E esse preço, na verdade, não deixa de ser uma forma de olhar para um monopólio de não valorização. Tudo o que seja – e isto não é uma palavra para o mercado nem para os clientes, é para os produtores – marca genérica vai posicionar-se sempre pelo preço, e a competição nesse território é sinónimo de perder valor”, acredita. “Nada contra o construir pequenas marcas – Vinho Verde, Douro, Vinho do Porto, mas dentro dessas marcas elas próprias tem um valor mínimo, que é o valor de uma marca sem nome no mercado. Penso que o caminho é exatamente ao contrário. Daí a necessidade de aumentar o conhecimento e de fazer inovação e produtos diferentes”, acredita o gestor.
A vala comum dos vinhos
O diretor geral da Caves da Montanha discorda. Afirmando que os espumantes portugueses têm argumentos qualitativos para competir com os cavas e os proseccos, Alberto Henriques defende que os espumantes portugueses deveriam ter uma marca coletiva. “Os produtores internacionais vendem cavas, proseccos e champagne e nós vendemos espumante. Não tendo uma marca coletiva, vamos para a vala comum dos vinhos, o que nos prejudica na exportação. Na sua opinião, os produtores portugueses deveriam criar “um nome que identificasse os espumantes portugueses em função do método de produção, de fermentação ou de uma determinada característica que ajudasse o consumidor internacional a distinguir o que fazemos cá”.
O presidente da CVR de Távora-Varosa afina pelo mesmo diapasão. “Tento o cava com o prosecco, em especial este último, implementaram há mais de uma década uma estratégia de promoção coletiva, assente na própria designação, que lhes permitiu ganhar reputação coletiva e quota de mercado em segmentos abaixo do de champagne, a grande referência do mundo dos espumantes”. Por isso, a região e os seus produtores estão a avançar com “estratégias de comunicação e reputação coletiva” que tornem o espumante de Távora-Varosa um produto desejado pelos consumidores, competitivo e com capacidade para preencher “grande parte da quota de mercado que ainda é satisfeita por importações de espumantes”, termina José Fernandes Pereira.
*Artigo originalmente publicado na edição 414 do Hipersuper, integrado num especial dedicado aos espumantes portugueses