A história do vinho que nasce em pedras vulcânicas
A produção de vinho na Ilha do Pico remonta a 1460. Quase 400 anos depois, uma praga destrói grande parte do património vitícola da mais jovem ilha açoriana. Está ainda em curso o moroso trabalho de recuperação da vinha, classificada, em 2004, património da humanidade. Já no século XX, nasce a Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico com a ambição de aumentar a rentabilidade da produção de uva e alargar os canais de distribuição. Atualmente, as duas maiores empresas faturam quatro milhões de euros
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A produção de vinho na Ilha do Pico remonta a 1460. Quase 400 anos depois, uma praga destrói grande parte do património vitícola da mais jovem ilha açoriana. Está ainda em curso o moroso trabalho de recuperação da vinha, classificada, em 2004, património da humanidade. Já no século XX, nasce a Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico com a ambição de aumentar a rentabilidade da produção de uva e alargar os canais de distribuição. Atualmente, as duas maiores empresas faturam quatro milhões de euros
A plantação dos primeiros bacelos de vinha em fendas de rochas negras na Ilha do Pico, arquipélago dos Açores, remonta a 1460. Reza a lenda que Frei Pedro Gigante trouxe as primeiras videiras para o Pico, nos primórdios da colonização da ilha, levando a cabo as primeiras experiências de produção de vinho em chão de pedra negra protegida por muros de basalto, hoje o postal da segunda maior ilha do Arquipélago dos Açores.
A ilha vulcão, “a mais jovem geologicamente” por resultar de “erupções mais tardias”, revelou, ao contrário de todas as expectativas, uma predisposição natural para este tipo de cultura e não tardou o momento em que a vinha dominou a paisagem. Uma paisagem singular, constituída por labirintos de currais negros que protegem as plantas do vento marítimo e salino, que a Unesco classificou como património mundial da humanidade, em 2004. “Como a rocha vulcânica é porosa, não permitindo a acumulação de água, a planta adapta-se muito bem”, dá conta Pedro Cavaleiro, diretor geral da Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico (Picowines), em entrevista ao Hipersuper, lembrando que, com o passar dos anos, a paisagem de videiras estendeu-se por vários quilómetros da ilha.
Sem grande rigor, os açorianos pegaram em basalto, a pedra mais comumente encontrada no terreno onde escolheram plantar as vinhas e, com estes pedaços de pedra, construíram com mestria, à laia de um puzzle, muros entre as vinhas, desenhando caminhos para os agricultores circularem e cuidarem das plantas e, ao mesmo, tempo protegendo-as dos ventos fortes que sopram do mar. “Nas zonas mais inferiores, mais perto do mar, os muros são mais altos ou baixos consoante a dominância do vento. Apesar da ausência da ciência na construção destes labirintos, a única coisa que consegue derrubar estes muros é mesmo a força do mar”, assegura o gestor.
Em 1850, deu-se um volte face. Por causa de uma doença, o fungo Oídio, produção de uva sobre um embate brutal e muitos agricultores não conseguem subsistir. A consequência é uma diminuição drástica do património vitivinícola. Pedro Cavaleiro, que lidera a cooperativa desde 2019, lembra que esta é uma zona de “difícil produção”. “O trabalho é 100% manual e a produção por hectare é inferior em relação a outras ilhas e às regiões de vinho de Portugal Continental”. Em média, os produtores retiram entre “1000 a 1500 quilos por hectare, produção muito inferior em comparação com outras regiões do país”, exemplifica. A praga afetou muitas famílias que dependiam desta atividade para subsistir e que acabaram por abandonar a produção de uva.
Foi na tentativa de recuperar parte do património vitícola que a ilha foi perdendo ao longo dos anos, de tornar a produção mais rentável e de encontrar novos canais de distribuição, incluindo internacionais, que nasce, em 1949, a Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico. “Durante muitos anos, a cooperativa foi o pilar da viticultura da ilha, uma garantia de que os viticultores tinham a quem vender a sua produção”.
A cooperativa trabalha exclusivamente com uvas produzidas pelos sócios. Atualmente, conta com 280 associados, “alguns históricos no sentido em que já não entregam uva, mas fazem parte da estrutura da cooperativa”.
Fruto do trabalho de recuperação desenvolvido, atualmente o Pico tem cerca de 1.200 hectares de vinha em produção. Segundo estimativas de Pedro Cavaleiro, nos tempos áureos a ilha chegou a ter 16 mil hectares de vinha. O trabalho de recuperação continua a fazer-se, avança o diretor-geral, salientando que o objetivo não passa por recuperar os 16 mil hectares, “porque grande parte destes terrenos foi urbanizada”, mas por “recuperar uma quantidade considerável das vinhas em produção no passado”.
A classificação da paisagem vitivinícola como património mundial da humanidade pela Unesco foi muito importante por dois motivos, um político e outro económico, resume Pedro Cavaleiro. “A política regional é tripartida entre as ilhas de São Miguel, Terceira e Faial. Com a classificação da vinha na zona da Criação Velha como património mundial”, o Pico eleva o seu estatuto, levando os “decisores político a reconhecerem a “importância da vinha, não só a nível turístico, como ambiental e cultural”. Esta aproximação política e reconhecimento tiveram depois eco no orçamento regional para a recuperação das vinhas. “Este foi o primeiro passo para o projeto de recuperação das vinhas”. Foram necessários um conjunto de “subsídios que suportaram o esforço financeiro” de recuperar a área de vinha e que passou por, entre outros projetos, recuperar estradas, construir os currais e recolocar as plantas no solo”.
A Picowines acredita que este investimento foi uma aposta ganha da parte do governo regional pela riqueza histórica, cultural e económica que imprimiu à ilha vulcão. “Os vinhos são atualmente um negócio muito sério que já movimenta muitos milhões de euros”. Pedro Cavaleiro não sabe concretizar o volume de negócios da fileira de vinho do Pico, mas indica que as duas maiores empresas (Picowines e Azores Wine Company) faturam em conjunto cerca de quatro milhões de euros. No ano passado, a Picowines remunerou os seus produtores a uma média de 4,5 euros por quilo de uvas das três castas autóctones, pelo que os vinhos se posicionam no mercado num patamar de qualidade e preço.
Arintos dos Açores, Verdelho e Terrantez do Pico são as castas autóctones e que permitem fazer vinhos com denominação de origem Pico. Estas três variedades cruzadas com o terroir do Pico dão origem a vinhos singulares. “Quem visita a ilha, rapidamente percebe o que é o terroir do Pico”, frisa Pedro Cavaleiro. “Temos influência marítima absoluta porque as vinhas estão, algumas, a dez metros do mar. Depois, pelo tipo de formação rochosa no local onde as vinhas estão plantadas os vinhos revelam elevados níveis de potássio e ferro”. Há ainda a particularidade do clima. “Temperado e bastante húmido o que carateriza muito o terroir”. Estas características denotam-se na salinidade, mineralidade e acidez dos vinhos, distinguindo-os dos restantes que se fazem no país. Saborinho, Merlot, Syrah e Fernão Pires são mais castas plantadas na ilha e utilizadas para fazer vinhos com indicação geográfica Açores. Metade dos vinhos comercializados pela Picowines são certificados denominação de origem.
A cooperativa comercializa os seus vinhos através das marcas Terras de Lava, Frei Gigante, Grutas das Torres e Lajido. Em 2007, com a entrada do enólogo Bernardo Cabral, a Picowines reorganizou as marcas, reforçou o seu posicionamento e atualizou as suas imagens. “Temos agora o que consideramos ser uma escada de marcas e nomes sonantes que já existem desde o início da certificação de vinhos dos Açores”, considera Pedro Cavaleiro.
A gama Terras de Lava, identificada como IGP, utiliza castas europeias, tintas e brancas, e castas autóctones, e é constituída por seis referências: branco, rosé, um blend de Merlot e Syrah, os monoscastas tinto Merlot e Syrah, e o recente Terras de Lava Reserva. A Frei Gigante, por sua vez, uma das marcas mais antigas da cooperativa, é certificada com denominação de origem. “O seu nome presta homenagem à primeira personalidade histórica conhecida que, em 1460, aquando da colonização da ilha, traz as primeiras videiras e faz as primeiras experiências de locais de produção de vinho”, lembra o diretor da cooperativa, acrescentando que, em poucos anos, os açorianos percebem onde é que “as videiras se dão bem e numa lógica de leque, a partir daquela zona para a frente e até ao final de Santa Luzia, multiplicam a área de vinha”.
O vinho Frei Gigante, certificado com denominação de origem, é um blend das três castas autóctones. “É o porta-estandarte da cooperativa quando falamos de castas autóctones e daquilo que representa a essência dos vinhos do Pico”. Em 2017, com a organização do portefólio lançámos três monovarietais: Arinto, Verdelho, Terrantez.
“O objetivo destes vinhos é serem genuínos, pouco trabalhados, mais ligados àquilo que vem da vinha, a uma pureza que oferece este terroir onde cada casta representa o que realmente é. No caso do Arinto temos um vinho com acidez muito elevada, no verdelho muita mineralidade e no Terrantez uma explosão de aromas. Os três têm em comum o seu posicionamento superior”, salienta o responsável.
A marca Gruta das Torres é um projeto desenvolvido em parceria com os parques naturais do Pico, um vinho que estagia na Gruta das Torres entre 12 e 14 meses. Feito a partir da casta Arinto, este vinho da zona da Criação Velha “rapidamente se tornou um sucesso”.
A maior parte dos vinhos da empresa estagia em barricas, cubas ou balseiros pelo menos durante seis meses, antes de serem engarrafados: Depois, dependendo do vinho, alguns têm ainda estágio em garrafa.
A Picowines comercializa ainda o primeiro espumante certificado do arquipélago. O espumante Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico 2017 é feito exclusivamente com a casta Arinto dos Açores, da zona da Candelária. Com uma produção de 1.300 garrafas, o espumante apresenta “notas de algas do mar, iodo e maresia que se conjugam com alguma panificação resultante do longo estágio com as leveduras livres, depois de quatro anos em garrafa”, define o enólogo Bernardo Cabral.
A adega tem ainda no portefólio uma gama de licorosos que fazem lembrar os tempos em que os vinhos fortificados dos Açores chegavam às cortes europeias. “A cooperativa é detentora de um espólio extraordinário destes vinhos faziam grandes viagens de barco para chegar ao destino”, conta Pedro Cavaleiro, que irá apresentar ao mercado mais três licorosos. Sob a marca Lajido, a marca aposta em vinhos datados, atualmente está no mercado a colheita de 2007”. “Brevemente, vamos lançar o Lajido 2004 e dois licorosos Ilha do Pico, um de 10 anos e outro de 20 anos”.
“Acreditamos estar a criar uma gama que irá consolidar o nosso lugar na história não só enquanto cooperativa, mas enquanto ilha do Pico”, defende o responsável.
A produção de uva na ilha do Pico está a cair desde 2020. Em 2022, entraram na adega 129 mil quilos de uva. Em 2019, foram 530 e no ano anterior 300 mil quilos. “Destes 129 mil quilos produzimos 90 mil litros de vinho. Cerca de 80 a 85% do vinho produzido foi branco, as uvas tintas tiveram uma dificuldade extraordinária em superar as intempéries. A quebra de produção de tinto foi muito acentuada”, recorda Pedro Cavaleiro.
2022 foi um ano muito significativo em termos de investimento porque facilitaram o trabalho da vindima. Os associados entram na adega com as suas carrinhas carregadas de uva e dirigem-se a uma sala exterior coberta onde uma funcionária pesa a uva, “numa balança de perfil baixo, que resulta de um investimento que fizemos no ano passado”. Depois de identificada a casta, a uva segue para a mesa de escolha, “também um investimento que fizemos em 2022”, através da qual, através de um movimento vibratório, as uvas vão avançando ao longo do tapete e sendo separadas, com a ajuda das mãos experientes dos trabalhadores, “as uvas boas dos paus e das uvas podres”.
No final da mesa de escolha, estão os palotes (caixas de plástico com capacidade para 600 quilos), este ano a adega comprou 40, que são transportados através do empilhador para um tapete elevatório que leva as uvas até à prensa. “Depois de prensadas, o mosto cai para dentro de tabuleiros e o vinho é transportado por bombas para o sítio onde vai descansar, barricas ou depósitos”, descreve Pedro Cavaleiro, indicando que o investimento se cifrou globalmente em 120 mil euros.
Este ano, a Picowines tem planos para investir 800 mil euros na adega, “dependendo se consegue enquadrar este plano de investimento em algum programa de apoio”.
Em 2022, a cooperativa alcançou um volume de negócios de 1.8 milhões de euros, valor que compara com os 1.3 milhões faturados em 2021 e 630 mil euros em 2020. Este ano, a Picowines espera aumentar em 20% o volume de negócios, com crescimento de vendas no mercado regional, nacional e internacional. A cooperativa exporta para o continente europeu, asiático e americano, nomeadamente para EUA e Canadá.