Como meia dúzia de cêntimos mudaram a história da Comur
Quando o grupo “O valor do tempo” comprou a conserveira Comur, em 2015, entrou num admirável mundo novo. O primeiro passo foi criar uma estratégia diferenciadora e apresentá-la à grande distribuição, mas esbarrou na barreira do preço. A solução passou pela eliminação de intermediários. Conheça a história, na primeira pessoa
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Quando o grupo “O valor do tempo” comprou a conserveira Comur, em 2015, entrou num admirável mundo novo. O primeiro passo foi criar uma estratégia diferenciadora e apresentá-la à grande distribuição, mas esbarrou na barreira do preço. A solução passou pela eliminação de intermediários. Conheça a história, na primeira pessoa
Por Tiago Quaresma, administrador do grupo “O valor do tempo” *
O grupo “O Valor do Tempo” não vem do setor do pescado. Aterrámos neste setor em 2015 quando comprámos a Comur. Desde então, temos tentado trazer para o setor das conservas a nossa filosofia enquanto grupo para os mais variados subsetores da economia portuguesa. Aquilo que fazemos e já é quase uma obsessão económica está muito ligada a Portugal logo à cabeça e ao valor acrescentado, numa lógica vertical de procurar premiar toda a cadeia de valor pelo justo valor. A fábrica de conservas da Murtosa, foi fundada em 1942. Já tem uma longa história. Não percebendo muito do setor tivemos muita ingenuidade e isso foi meio caminho andado para criar diferenciação face aquilo que já existia.
Achámos desde logo que o setor das conservas tem um potencial gigante do ponto de vista de afirmação do que é o nosso País e a nossa economia. Mas achámos também, por outro lado, que as conservas tinham um posicionamento económico muito baixo com muito pouco valor percecionado. Reinava a ideia de que a conserva é um produto de cêntimos.
As conservas já foram no passado o segundo maior setor exportador da nossa economia e o terceiro maior em temos absolutos. Hoje, está muito abaixo. Assim sendo, queríamos trazer valor acrescentado e alavancar esse património reputacional associado ao setor, não necessariamente associado uma marca específica, mas ao setor como um todo. E não só às conservas, mas à sardinha, como grande ícone da categoria. Nós sabíamos que existia o reconhecimento nacional e internacional do nosso passado conserveiro. Ou seja, o valor está cá todo e é reconhecido, o pescado é bom, a história é extraordinária, faltava comunicar adequadamente.
O primeiro passo foi tentar criar algo de diferente e apresentá-lo à grande distribuição e esbarrámos na mesma barreira que quase todo o agroalimentar português esbarra e que é a grande dificuldade: preço, preço, preço. A grande distribuição não estava para acompanhar aquilo que era a nossa intenção de valorizar e posicionar adequadamente e procuramos alternativas. Quase sempre a inovação surge da necessidade. A necessidade é o maior motor para rasgar o convencionado e como não conseguimos através de nenhum distribuidor contar a nossa história, fomos obrigados a ir por outras vias. A produção da Comur é 100% manual e nós não queremos alterar isso. Temos 100 mulheres na Murtosa, este é um setor socialmente muito profundo, arrisco dizer é a provavelmente a primeira grande emancipação feminina em Portugal na área laboral, como sabem os homens iam para o mar e as mulheres ficavam em terra nas fábricas a tratar o peixe, e ainda hoje é assim. E isto é sério de mais para chegar à prateleira do supermercado por, perdoem-me a expressão, meia dúzia de cêntimos. E foi isto que nós sentimos, quase moralmente obrigados a reverter. E essa estratégia fez-se através de uma aproximação ao consumidor final.
A Comur chega as nossas mãos em setembro de 2015. Durante alguns meses tentámos chegar ao consumidor por via de intermediários. Até percebermos que se não conseguimos contar a nossa história através de terceiros vamos contá-la nós mesmo. O nosso primeiro espaço abre um ano depois de termos adquirido a empresa. A loja “O Mundo Fantástico da Sardinha Portuguesa” estreia em Lisboa, no Rossio. Comprámos um edifício inteiro para montar uma loja no R/C. Não somos ricos. Tivemos, sim, muita coragem, ousadia e, sobretudo, legitimidade. Porque sabíamos que tínhamos connosco uma história secular de um dos maiores setores da nossa economia e o que melhor nos representará além-fronteiras, designadamente o subsetor da sardinha.
Nós eramos e somos uma fábrica. Já estava cá o valor todo, faltava a atenção dos consumidores. Então, se é para ter atenção vamos instalar—nos na praça mais movimentada do País, vamos ocupar uma esquina, ser arrojados, ter luz, cor, som, vamos colocar um carrossel e uma roda gigante para que todos reparem em nós.
Para que alguém pague o valor do trabalho manual feito na Murtosa e o esforço dos pescadores, valorizando toda a cadeia de valor, a montante e a jusante. E isto só se faz se quem estiver a comprar entender esta mensagem.
À data de abertura, colocámos a lata de sardinha a cinco euros e foi um choque na altura. Entretanto, o preço da coleção já aumentou para sete euros. E temos conservas a 31 euros.
As referências mais baratas estão longe de ser as mais vendidas. O valor médio está nos nove euros e vendemos muitas referências a valores impensáveis há uns anos. Sentimos nesta caminhada que o setor está a acompanhar esta tendência de auto-valorização e de valorização da cadeia. E reparem que isto tudo nasce do facto de não estramos obcecados com o preço. Temos toda a produção da fábrica tomada pelas nossas lojas, temos 20 lojas espalhadas pelo País, estamos presentes em 13 centros históricos e hoje orgulhamo-nos de dizer que cumprimos o desígnio da verticalização da cadeia, do pescador ao cliente final. A grande maioria dos nossos clientes são estrangeiros e isso não é mau. Estamos justamente a regressar aquilo que é o ADN do setor das conservas, já que sempre foi um produto de exportação.
O caminho para toda a economia portuguesa e não apenas para setor do pescado ou das conservas só pode assentar na criação de valor acrescentado. Temos a ambição de comunicar mais longe o que de bem se faz cá. A mensagem que gostávamos de deixar ao setor é a de que o valor já está cá todo, falta comunicar convenientemente, dar-lhe uma roupagem e uma linguagem de comunicação, como fizemos nas nossas lojas que vivem muito de cor, som e fantasia.
*Depoimento recolhido e editado por Rita Gonçalves