O impacto do aumento da temperatura na produção de vinho em Portugal
De que forma as alterações climáticas estão a afetar a produção de vinho em Portugal? Há regiões onde o aumento médio da temperatura é mais problemático? Que medidas estão a ser tomadas pelos vitivinicultores portugueses?
Rita Gonçalves
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De que forma as alterações climáticas estão a afetar a produção de vinho em Portugal? Há regiões onde o aumento médio da temperatura é mais problemático? Que medidas estão a ser tomadas pelos vitivinicultores portugueses?
As alterações climáticas estão entre as principais preocupações dos produtores de vinho. O aumento da temperatura tem vindo a diminuir o rendimento médio por planta e a adiantar a data média de maturação da uva, o que pode alterar o perfil dos vinhos tradicionalmente produzidos em Portugal. Como estão os produtores nacionais a acompanhar as consequências do aquecimento global na produção de vinho e que medidas estão a adotar para preservar as características organoléticas dos seus néctares?
Na região de Palmela, por exemplo, o fenómeno dos escaldões tornou-se recorrente, embora num passado recente acontecesse uma vez a cada dez anos. “A Adega de Palmela viu-se obrigada a fazer um seguro de colheita para proteger os seus associados das temperaturas elevadas que se fazem sentir. Nos últimos cinco anos, foram frequentes estes fenómenos e, para proteger a continuidade dos nossos viticultores e associados, propusemo-nos a agir por prevenção”, revela Ângelo Machado, presidente do conselho de administração da Adega Cooperativa de Palmela, em entrevista ao Hipersuper.
O estudo do impacto do aquecimento da temperatura nas suas videiras não é um tema recente no seio da Sogrape. Através de uma gestão cada vez mais adaptada na viticultura e na vinificação, a empresa tem vindo a mitigar os efeitos do clima na produção de vinho. A Sogrape produz vinho nas principais regiões vitivinícolas do País e controla a evolução do clima nas suas quintas desde 2011, através de uma rede de instalações automáticas. A empresa efetua também análises periódicas do funcionamento e da evolução das plantas, com recurso a drones e satélites. “Notamos impactos a nível do adiantamento da data média da maturação e do encurtamento da duração média do ciclo vegetativo anual. Também notamos efeitos pronunciados da secura e aumento da aridez, que criam maiores níveis de stress nas videiras”, relata António Graça, responsável de Inovação e Desenvolvimento na Sogrape.
Muito atenta às questões ligadas às alterações climáticas, a Carmim quer estar na linha da frente das medidas que o setor venha a adotar. João Caldeira, diretor geral da Cooperativa Agrícola de Reguengos de Monsaraz, exemplifica. “Desde medidas mais profundas e de longo prazo, como é exemplo a seleção clonal, a medidas mais adaptativas de curto prazo, como a gestão da copa e a irrigação, este é um tema que figura no topo da nossa agenda”.
A Carmim tem vindo a registar uma menor produção média por planta nos últimos anos o que, apesar de neste caso ser sinónimo de uma “ótima qualidade”, acaba por comprometer o rendimento dos viticultores. Não obstante, a vindima que termina por estes dias “vem na sequência de um verão quase ideal para as vinhas da região de Reguengos. Não foram sujeitas a vagas de calor duradouras, as noites foram frescas e as amplitudes térmicas apreciáveis”, sublinha João Caldeira, acrescentando que “a grande maioria das vinhas está habituada ao clima quente e a sua resiliência é elevada”.
A Aveleda produz vinhos na sua região berço, a região dos Vinhos Verdes, mas também no Algarve, no Douro e na Bairrada. Como explica fonte da empresa ao Hipersuper, as videiras dependem da dinâmica frio para a hibernação e calor para a maturação. Se os primeiros meses do ano forem mais quentes, o abrolhamento da planta será tendencialmente mais precoce, dando azo a uma maior exposição às geadas do fim do inverno e início da primavera.
A estratégia da empresa para se ajustar às imprevisíveis oscilações de temperatura tem passado por adaptar as técnicas de viticultura e vinificação, de forma a manter a estabilidade e a qualidade dos seus vinhos. Além disso, “a diversidade de castas permite uma melhor adaptação a diferentes condições climáticas, uma vez que cada casta responde de forma diferente. As mais resistentes são as que no futuro irão garantir mais estabilidade. Portugal tem uma diversidade genética vitícola muito grande, é isso é uma vantagem natural”, sublinha a mesma fonte.
A Adega Mãe, por sua vez, está numa zona privilegiada de clima fresco, mas admite que esta é uma preocupação na agenda da empresa do grupo Riberalves. “É um tema ao qual estamos atentos, que estudamos ano após ano e nos leva a tomar decisões diversas em termos de viticultura, escolha de castas e tempos de colheita, por exemplo. Isto mesmo sabendo que estamos numa região privilegiada, a Região de Vinhos de Lisboa, onde o clima fresco ainda não coloca os constrangimentos graves que estão a ser registados noutras zonas”, esclarece Bernardo Alves, administrador da Riberalves, em declarações ao Hipersuper.
Para a Adega de Monção, o grande problema que se avizinha com o aquecimento global é a falta de água, anuncia Ricardo Bastos, sales manager da Adega Cooperativa Regional de Monção. “No Minho, as temperaturas normalmente são baixas e há forte presença de chuvas durante a época das vindimas. O aquecimento global que se tem vindo a sentir até agora não tem sido prejudicial, tem permitido maturações mais precoces e vindimas a começar mais cedo e os vinhos têm sido fantásticos”.
A Quinta de Melgaço, por seu turno, ainda não nota as consequências do aquecimento global na sua produção, mas, durante o período das vindimas, confere uma atenção especial “à harmonização da data do início com as condições climatéricas que, fruto destas alterações, são cada vez mais imprevisíveis”, denota Pedro Soares, administrador da quinta localizada na Região Demarcada dos Vinhos Verdes.
Também no planalto de Favaios, onde se produz o famoso moscatel, ainda não se sentem “os efeitos dramáticos constatados em outras zonas, sendo a produção feita sem recurso a rega”, conta Gina Francisco, diretora comercial de marketing da Adega de Favaios, acrescentando que “o perfil dos vinhos não tem sofrido alterações”. Desde 2015, que a Adega de Favaios, em parceria com a UTAD (Universidade de Trás-o-Montes e Alto Douro) liderou um projeto, denominado ModelVitiDouro, que envolveu mais duas adegas cooperativas (Mesão Frio e Freixo de Espada a Cinta) e consistiu no estudo do impacto das alterações climáticas na produção de vinho e que medidas de prevenção se podem tomar. “Podemos dizer que fomos pioneiros no Douro. Este projeto continua ativo e em constante atualização”, sublinha Gina Francisco.
Os trabalhos de investigação na Região Demarcada do Douro sobre os efeitos das alterações climáticas na produção de vinho são escassos, alertou Plínio de Sousa, investigador do departamento de turismo, património e cultura da Universidade Portucalense, por ocasião do Congresso Douro&Porto 2021. “São pouquíssimos os trabalhos que tratam as alterações climáticas no Douro e é importante estarmos atentos, até porque o aumento da temperatura em dois graus Celcius produzirá uma redução de 56% da produção e um aumento de quatro graus Celsius uma redução de 86%”, afirmou o investigador, citado pela Lusa.
Os profissionais da Ervideira também têm vindo a utilizar diferentes técnicas para reduzir os efeitos potencialmente negativos da subida da temperatura, avança Duarte Leal da Costa, diretor executivo da Ervideira, dando como exemplos a plantação de castas diferentes, um maior investimento em rega de precisão, plantação de vinhas com orientações com menos insolação e, ainda, condução de vinha com maior ensombramento.
*Artigo originalmente publicado na edição impressa 395 do Hipersuper