Uma velha solução para novos problemas: o potencial das bicicletas de carga nos centros urbanos
Poderá a bicicleta de carga revolucionar o mercado logístico nas malhas urbanas e contribuir de forma decisiva para a criação de cidades livres de poluentes? Em que estádio se encontra Portugal na integração de cargo bikes nas operações de empresas de distribuição, em comparação com outros países europeus? Fomos à procura das respostas
Rita Gonçalves
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Poderá a bicicleta de carga revolucionar o mercado logístico nas malhas urbanas e contribuir de forma decisiva para a criação de cidades livres de poluentes? Em que estádio se encontra Portugal na integração de cargo bikes nas operações de empresas de distribuição, em comparação com outros países europeus? Fomos à procura das respostas
“A bicicleta não pode mudar o mundo. Mas está muito perto de o conseguir”. A frase do ministro dinamarquês dos transportes, proferida em 2019 por ocasião da abertura do DHL City Post em Copenhaga, ilustra bem o potencial que as autoridades públicas e privadas da Dinamarca conferem ao papel das bicicletas de carga. Mas, não é só neste país escandinavo que as bicicletas são valorizadas como meio de transporte de mercadorias – e não só – há muitos exemplos em cidades da Alemanha, Holanda e República Checa, na Europa, e dos EUA, como Nova Iorque. O potencial das cargo bike passa não só pelo contributo que podem dar para a revolução do mercado logístico nas densas malhas urbanas das grandes cidades, como também para a criação de cidades livres de emissões de dióxido de carbono. Na área metropolitana de Copenhaga, por exemplo, circulam diariamente cerca de 40.000 bicicletas de carga, não só utilizadas por empresas de distribuição mas também por pais que optaram por este veículo ecológico para levar os filhos à escola.
A declaração do ministro dinamarquês – com mais de um ano – ilustra também algum atraso no mercado português na adoção de bicicletas de carga nas operações das empresas de distribuição porta-a-porta. Em Portugal, há apenas um exemplo para contar. Os CTT puseram em marcha, no final de outubro, um projeto piloto de utilização de bicicletas de carga nas suas operações de distribuição para identificar o potencial de integração de cargo bikes no seu modelo operacional. São dois os objetivos iniciais deste reforço da frota ecológica: dar resposta às preocupações genéricas em matéria de sustentabilidade e relevar o compromisso da empresa com as alterações climáticas.
“Com a alteração do mix de serviço efetuado pelos CTT, onde o volume é um fator diferenciado, as bicicletas de carga poderão, potencialmente, dar resposta a parte das necessidades de distribuição, em especial nas cidades, onde é dada cada vez mais importância à mobilidade suave”, adianta José Coelho, responsável pela gestão de frota da empresa de correios portuguesa, em entrevista ao Hipersuper. Para dar início aos testes, os CTT elegeram as cidades da Figueira da Foz e da Marinha Grande, por serem locais onde existem potenciais condições para a utilização deste tipo de bicicletas, “existindo já velocípedes em uso nos CTT nestas mesmas zonas. No entanto, os testes vão decorrer também noutros locais, como Lisboa, Caldas da Rainha, Olhão e Guimarães, entre outros”, desvenda José Coelho.
Até à data, o principal desafio encontrado pela empresa portuguesa na implementação do projeto é a avaliação da relação entre a taxa de produtividade e eficiência dos veículos e a sua rentabilização, que permitam para dar o salto do projeto piloto para uma integração em larga escala. “Os principais desafios são permitir a integração no modelo operativo dos CTT, avaliando os ganhos de eficiência e o retorno que este tipo de veículos pode trazer comparativamente a outros equipamentos”, resume o responsável.
Desde os primórdios da distribuição que a bicicleta é utilizada como meio de transporte para a entrega de produtos. No caso dos CTT, a sua utilização remonta há “dezenas de anos”, “mesmo ainda para a entrega de telegramas”, lembra José Coelho. Mas, como é apanágio na indústria de veículos, os fabricantes de bicicletas tiveram de se adaptar à evolução dos tempos e às atuais necessidades do mercado de distribuição. Por isso, a empresa selecionou para dar início ao projeto piloto as bicicletas ecológicas da Urban Arrow, comercializadas pela empresa The Fietsen Shop, que apresentam as mais recentes tecnologias desenvolvidas para velocípedes de carga. “Estes veículos permitem, através da tecnologia mais recente, uma maior facilidade de utilização, menor peso específico e maior progressão. A capacidade de carga, em volume, é cerca de 1.200 litros. Comparativamente a outro tipo de equipamentos de outros segmentos com a mesma capacidade de carga, as cargo bikes têm valores de investimento mais competitivos”, explica o responsável.
Atualmente, a frota de bicicletas elétricas dos CTT conta com 136 unidades ativas nas operações de distribuição. Entre as vantagens já identificadas pela empresa, Coelho destaca a capacidade dos veículos para uma “distribuição isenta de emissões poluentes” e, comparativamente com a bicicleta convencional, a possibilidade de “aumentar a progressão no terreno, assim como evoluir em alguns circuitos que eram efetuados de forma pedonal”. “Temos já com a maior frota ecológica do país no setor da logística, com 315 veículos”, garante.
Mas há mais vantagens identificadas em projetos internacionais que vão além da sustentabilidade destes veículos. A saber: o valor do investimento nos veículos é menor em relação aos tradicionais, a poupança de combustível, menores custos de manutenção face a outro tipo de veículos, a agilidade de circulação nos centros urbanos, a diminuição com os custos de estacionamento e uma maior segurança para os peões.
Os exemplos que vêm de fora
Um dos recentes exemplo internacionais de integração de bicicletas de carga em operações de empresas distribuição vem da República Checa. A Dachser lançou um projeto piloto que visa abastecer a cidade de Praga através da utilização de bicicletas de carga com suporte 100% elétrico, criando uma zona de “Emission-Free Delivery”. A multinacional de logística construiu em Praga o recém inaugurado micro-hub “Depot.Bike”, localizado na estação de metro Florenc, o centro de operações deste projeto, preparando-se para futuras restrições à circulação de mercadorias no centro da cidade como resposta ao aumento do tráfego. “A substituição gradual de pequenos veículos de entrega convencionais é uma solução sustentável para aliviar o tráfego em Praga e melhorar o problema da poluição atmosférica. Este tipo de contribuições vai também ao encontro da política de sustentabilidade da empresa”, disse Jan Pihar, managing director european logistics da Dachser na República Checa, na apresentação do projeto. Atualmente, as bicicletas, que podem carregar cerca de 250 quilos ou uma palete, são utilizadas também nas cidades alemãs de Estugarda, Karlsruhe, Friburgo e Tübingen, e em San Sebastián, Espanha.
Fonte da filial portuguesa da Dachser disse ao Hipersuper que este piloto faz parte de um projeto maior, designado “City Distribution”, no qual a distribuidora está a combinar modelos de logística testados e aprovados com novas ideias, com o objetivo de desenvolver modelos de negócio de logística sustentáveis e viáveis para as “entregas da última milha” do futuro. “As filiais da Dachser podem utilizar as suas próprias ferramentas para desenvolver soluções personalizadas que vão ao encontro dos requisitos na respetiva região de entregas. As medidas para analisar os centros das cidades e a implementação destes conceitos são tão importantes como a combinação de veículos adequada. Este conceito pode ser aplicado a todas as cidades da Europa, potencialmente também em Portugal, embora neste momento a Dachser ainda não tenha iniciado este processo no país”, e a sua implementação não esteja prevista a curto prazo.
Da Alemanha chegam desfechos de projetos piloto que mostram como podem ser criados projetos de “cycle logistics” com sucesso, embora até agora falte um planeamento urbano estratégico e generalizado que permitam a estes projetos ganharem escala, como por exemplo criar hubs logísticos para o transbordo de mercadorias. A cidade de Nova Iorque foi mais longe. Anunciou recentemente um programa que permite aos condutores de bicicletas de carga, de empresas como a Amazon, UPS e DHL, estacionar em zonas antes reservadas a veículos comerciais, potenciando a escala de crescimento deste tipo de veículo nas operações distribuição.
O potencial é imenso. Segundo um estudo comissionado pela União Europeia, 25% de todos os bens de consumo e 50% das mercadorias leves podem ser distribuídas através de cargo bikes.
Três perguntas a…
José Coelho, responsável pela gestão de frota dos CTT
Que papel podem ter as cargo bikes para a criação de cidades livre de emissões? Que contributo este meio de transporte pode ter especialmente nas malhas urbanas mais densas?
As cargo bikes permitem ser integradas nas opções de circulação dos particulares e das empresas como uma opção viável. É necessário que todo o desenvolvimento que está a ser efetuado em termos de ciclovias, estacionamentos e zonas pedonais, seja efetuado de forma harmoniosa, considerando os movimentos logísticos e pendulares da cidade e garantindo opções de circulação entre os vários eixos, permitindo não só a circulação de bicicletas elétricas e elétricas convencionais, como também as cargo bikes, que são opções de referencia para o transporte de encomendas.
As principais cidades portuguesas estão dotadas de uma infraestruturalogística que permita desenvolver esta atividade em larga escala? Quais os principais desafios?
As cidades estão a adaptar-se e a reinventarem-se na área da mobilidade. As ciclovias estão pensadas para as bicicletas convencionais e elétricas “convencionais”. É necessário o entendimento deste veículo como mais uma hipótese diferenciadora para a redução de emissões poluentes. Adicionalmente, também é necessário que as ciclovias sejam pensadas de forma integrada e como possibilidade de circulação ao longo de toda a cidade, garantindo que as empresas encontram soluções ao adotarem novos meios de distribuição, garantindo um dos requisitos com mais relevância para as organizações públicas e privadas em termos de sustentabilidade – os meios de transporte sem emissões poluentes.
Acredita que este meio de transporte pode beneficiar com a explosão do comércio online e do crescimento dos negócios de subscrição que está a ocorrer em Portugal, entre outros países, em resultado da pandemia? Em que medida?
Naturalmente. Com o digital a tornar-se algo trivial na vida dos consumidores, é necessário existirem soluções para a distribuição em termos de volume. Este tipo de veículo permite responder à necessidade de transporte de volume nas cidades, mantendo a não emissão de poluentes e permitindo o parqueamento de forma simples e eficaz, comparativamente, por exemplo, com veículos ligeiros de mercadorias.
*Texto originalmente publicado na edição impressa do Hipersuper