A crise no Brasil e o setor do retalho, por Miguel Murta Cardoso (consultor)
Miguel Murta Cardoso, Consultor Sénior especialista em retalho, faz um retrato do setor da distribuição no Brasil, revela os formatos com maior crescimento no país e levanta o véu do que esperar no futuro
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“As vendas dos três principais grupos de distribuição brasileiros ultrapassaram os 100 mil milhões de reais em 2014, o que representa uma fatia superior a um terço do setor alimentar”
Por Miguel Murta Cardoso, Consultor Sénior especialista em retalho
O Brasil, maior país da América Latina e sétima maior economia do Mundo, encontra-se atualmente a atravessar um cenário de crise, não estando previsto, pelos analistas, uma recuperação no curto-prazo.
A contração do PIB (Produto Interno Bruto) é um indicador que causa apreensão às agências de rating. Foi registada uma retração de 2,6% no segundo trimestre de 2015 face a igual período no ano anterior. A nível social, o desemprego é um dos indicadores mais preocupantes, tendo atingindo os 8,3% no segundo trimestre deste ano. Esta cifra representa o dobro do número de pessoas à procura de emprego no último ano.
O Brasil tem uma população estimada superior a 200 milhões de habitantes. Encontra-se dividido em 27 unidades federativas onde se nota uma forte heterogeneidade politica, económica e social. O retalho revela uma importância acrescida neste ambiente, sendo o maior empregador do país.
A par da forte expansão e profissionalização do setor retalhista nos últimos anos, vive-se também um ritmo de aceleração na consolidação do mesmo. Porém, ainda não existem grandes redes presentes em todo o território e com uma posição de destaque na liderança do setor. Nesse sentido, têm sido observadas diversas movimentações no mercado nessa direção através de fusões e aquisições, como foi o caso das lojas do Grupo Sonae que foram adquiridas pelo Walmart em 2005. No entanto, nenhuma rede conseguiu ainda o destaque na liderança do retalho brasileiro devido a um conjunto de fatores entre os quais se inclui a diversidade cultural, a complexidade do sistema logístico e a heterogeneidade fiscal de cada região.
As práticas ilegais no retalho: o Brasil revela uma forte transformação no setor encontrando-se no bom caminho
Uma problemática do setor retalhista e que tem afetado a concorrência no Brasil são as práticas ilegais. Além das notícias que têm circulado nos jornais nacionais e internacionais nos últimos anos relativamente a casos como o Mensalão e o Lava Jato, as práticas ilícitas mais comuns no setor do retalho são a sonegação de impostos, o desrespeito pelas leis de trabalho, as fugas fiscais, a manipulação dos dados de atividade e o suborno a terceiros, entre outros.
A sonegação, provavelmente a prática ilícita com maior impacto no retalho brasileiro, tem sido cada vez mais combatida o que, nos últimos anos, tem vindo a gerar um incremento irreal aos valores de crescimento do setor. Na realidade, há um forte crescimento do setor no Brasil nas últimas décadas, no entanto sem representar, provavelmente, as suas reais dimensões. Há cada vez mais retalhistas a declararem as suas vendas, o que não significa que antes não vendiam. Será portanto necessário acompanhar esta evolução. Geralmente, as empresas sonegadoras deixam de se focar na eficiência operacional do seu negócio para se concentrarem na melhor forma de pagar um menor valor de impostos. A tendência é evidente e não há como fugir. Esses retalhistas poderão continuar nessa prática ilícita mas acabarão com processos jurídicos e problemas que deviam ter sido solucionados enquanto era tempo de construírem uma base sólida para o futuro do seu negócio.
As boas notícias são os motivos que contribuem para uma rápida transformação desta problemática e a consequente formalização do trabalho no setor retalhista. Destacam-se a forte expansão das principais redes retalhistas formalizadas e desenvolvidas, o esforço do governo no combate à sonegação e a sua atuação mais incisiva, e o aumento das denúncias de corrupção. Estes fatores têm ajudado no combate a uma prática que é responsável pela redução de receitas para o estado equivalentes a 30% do valor arrecadado em impostos pelo país.
Concorrência: prevê-se a continuação de uma competição extremamente elevada pelos lugares cimeiros no setor do retalho alimentar
O mercado brasileiro é composto por alguns dos principais players mundiais do retalho alimentar como o Carrefour (França), Grupo Pão de Açúcar (controlado pelo Grupo Casino de França) e Walmart (Estados Unidos da América). As vendas dos três grupos ultrapassaram os 100 mil milhões de reais em 2014, o que representa uma fatia superior a um terço do setor alimentar brasileiro. A quarta maior rede de supermercados é também estrangeira, a Cencosud (Chile). Só na quinta posição surge uma empresa brasileira, a rede de supermercados independentes SMART pertencente ao Grupo Martins, o maior distribuidor da América Latina. A rede Dia (Espanha), sexto maior player do setor alimentar, apesar de atuar em apenas quatro estados (São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Bahia), apresenta uma estrutura com mais de 800 lojas. O grande destaque desta rede está relacionado com a sua aposta em produtos de marca própria permitindo vendas de itens 20% mais baratos do que as marcas nacionais. A restante maioria das grandes empresas do setor alimentar são de origem brasileira e caracterizam-se por serem tipicamente cadeias regionais que atuam em apenas um ou dois estados brasileiros (casos da Zaffari, Muffato, Supermercados BH, Condor, entre outros).
A concorrência no setor dos supermercados é muito forte e a tendência é para se intensificar. Para responder a um cliente brasileiro menos fiel aos retalhistas que a média mundial, as redes apostam no multiformato com diferentes combinações possíveis entre preços, sortido e serviço. Os ‘top players’ apresentam diversos formatos entre lojas de proximidade, lojas de conveniência, supermercados, hipermercados e grossistas, entre outros. Assim, as grandes redes encontram no investimento em multiformato a solução para enfrentar a concorrência dos supermercados regionais que normalmente são a preferência do consumidor.
O Carrefour, maior player no setor alimentar com vendas a atingirem os 37,9 mil milhões de reais em 2014 e um total de 258 lojas, apresenta-se com as bandeiras Carrefour, Carrefour Bairro, Carrefour Express, Atacadão e Supeco. Por sua vez, o Grupo Pão de Açúcar (GPA) que quase atingiu o nível de vendas do Carrefour em 2014 (37,6 mil milhões de reais) e tem quatro vezes o número de lojas do Carrefour (1112 lojas) detém as insígnias Pão de Açúcar, Minuto Pão de Açúcar, Extra, Extra Mini Mercado, Extra Super e Assaí. Por sua vez, o Walmart encerrou 2014 com vendas de 29,5 mil milhões de reais e 544 lojas e é representado pelas bandeiras Walmart, Maxxi, Big, Bom Preço, Mercadorama, Todo Dia e Sam’s Club.
Consumo: a dificuldade em prever o comportamento do shopper brasileiro
Contrariamente às expectativas para 2015 o consumo tem vindo a cair, já que os brasileiros têm perdido poder de compra devido à inflação e à contração dos rendimentos, num contexto de insegurança face à situação de crise do país que tem afetado a confiança do consumidor. O acesso cada vez mais restrito ao crédito, numa sociedade onde o pagamento a prestações (“parcelamento”) é imprescindível, tem também um efeito inibidor no momento da compra.
Como consequência, o shopper tornou-se mais seletivo e dá maior importância à relação qualidade versus preço das suas compras. Desta forma, começou a poupar nos produtos de “cesta básica” (como produtos de mercearia em geral e produtos de limpeza) para não perder o acesso ao conjunto de produtos supérfluos que entraram nas suas compras nos últimos anos (cereais saudáveis e linhas gourmet). Desta forma, há uma tendência bastante expressiva no crescimento das vendas de produtos básicos de marca própria em contrapartida das marcas líderes. Após de um crescimento de 11,6% em 2014 do setor de marcas próprias, prevê-se um crescimento de 10 a 15% desse setor em 2015.
A par dessa tendência também se observam novas tendências do shopper relativamente aos formatos de loja física mais procurados. Os modelos de “atacarejo” (nome dado no Brasil para lojas com misto de venda a grosso/atacado e venda a retalho/varejo) e as lojas de proximidade são os formatos que registam maior crescimento no setor. Os top players do setor alimentar estão presentes em ambos os formatos com bandeiras dedicadas. No caso das lojas de proximidade o Carrefour está presente com o Carrefour Express, o GPA com as bandeiras Extra Minimercado e o Minuto Pão de Açúcar e o Walmart com a rede TodoDia. Também o Dia está presente nesse mercado com a insígnia Dia Market. No sentido inverso, o canal hipermercado vem perdendo espaço no retalho alimentar.
Atacarejo: o modelo de retalho com maior crescimento no país
O “atacarejo” é o formato físico que mais tem crescido no Brasil. A evolução real em 2014 foi de 3,2% atingindo os 34 mil milhões de reais de vendas, e em 2015 tem-se registado um percentual de crescimento de volume de vendas superior ao do ano passado. Este modelo apresenta diversas particularidades entre as quais destaque para os preços, em média 15% inferiores aos supermercados tradicionais, e também para a escassez de serviços oferecidos dentro do ponto de venda. Este é um modelo cada vez mais procurado pelo consumidor quando se trata dos produtos de “cesta básica”.
Os três top players do setor têm uma forte presença neste formato. No total os três “atacarejos” superaram um valor de vendas de 38 mil milhões de reais em 2014.
Em primeiro lugar encontra-se o Atacadão com um total de vendas de 23,2 mil milhões de reais em 2014. Esta bandeira foi adquirida pelo Carrefour em 2007, tornando-o líder no setor. Desde então, a disputa pela primeira posição nos rankings do retalho alimentar tem sido muito agressiva.
Na segunda posição surge o Assaí, adquirido em 2007 pelo Grupo Pão de Açúcar em resposta à movimentação do Carrefour nesse modelo, que obteve um total de vendas de 8,3 mil milhões de reais em 2014.
O Walmart, por sua vez, apresenta-se com a sua principal insígnia nesse modelo, o famoso Sam’s Club que faturou 7,3 mil milhões de reais em 2014.
Se excluirmos os valores das vendas do modelo de “atacarejo”, a ordem no pódio do setor alimentar altera-se. Assim, a liderança passa para o GPA, seguido do Walmart e o Carrefour na terceira posição.
O futuro são as oportunidades do presente
A agência de rating Standard & Poor’s (S&P) que foi a primeira a conceder ao Brasil o grau de investimento, foi também a primeira a retirá-lo. A S&P acredita que o Brasil só retomará o crescimento, ainda de forma pouco acentuada, em 2017.
Perante este cenário desafiador que gera uma alta do custo de capital, as redes de retalho no Brasil deverão rever os seus planos de expansão para o futuro. A tendência que se prevê nos próximos tempos não passa apenas pelo encerramento de lojas menos lucrativas e pela diminuição do número de funcionários mas, também, pela adoção das melhores práticas operacionais, em linha com as metodologias atuais adotadas nos mercados mais desenvolvidos. Empresas que têm crescido nos últimos anos, terão que repensar o seu formato de expansão de uma forma mais seletiva no que diz respeito ao seu modelo de investimento.
No entanto, é imprescindível ter em conta que, mesmo com a retração do consumo e com a crise que o Brasil tem vindo a passar, as grandes redes estão a conseguir aumentar as suas vendas através do alargamento para novas regiões de atuação. O Brasil está a viver uma forte crise política, mas a realidade do país é de grandes áreas geográficas não atendidas, com consumidores ávidos da presença de oferta de retalho e com enorme potencial de crescimento económico. Neste cenário, os players devem focar-se na criação de bases sólidas para o futuro pós-crise não fechando portas às oportunidades do presente.
Como diria Tom Jobin: “O Brasil não é para principiantes”!